25/04/2020

Raven #1 Némésis

Saber contar






Já o escrevi repetidamente: muitas vezes, mais importante do que aquilo que se conta, é a forma como se conta. Mesmo quando, como no caso desta introdução de Raven, nem sempre tudo seja bem contado.
Soa paradoxal, mas vou tentar explicar.
Relato de piratas no seu melhor, o tomo inicial de Raven arrasta literalmente o leitor através de uma história dinâmica e movimentada, com os ingredientes necessários para a condimentar: um protagonista solitário, decidido, temerário e disposto a tudo, mas mal-amado por todos na mítica (e evocativa) ilha da Tortuga; uma (inevitável) caça ao tesouro numa ilha amaldiçoada, habitada por canibais e de origem vulcânica; o papel de vilão desempenhado por uma mulher (!) determinada e temida por todos; naufrágios, combates marítimos e muitas surpresas. Nada de novo, portanto.
Mas…
Mas Mathieu Lauffray tem o mérito de arrancar com o protagonista no fundo do mar - literalmente! - amarrado a uma pesada âncora; de prosseguir depois com um conseguido episódio precedente em que nos revela muito do seu espírito e ambição - e também as suas contradições; de encadear apontamentos aparentemente desconexos; de ultrapassar, com risco calculado, os limites do real em prol do protagonismo de Raven; de chocar aqui e ali…
Fá-lo, recorrendo com frequência a (belas) vinhetas de grande dimensão - muitas vezes de página completa - ou com vinhetas menores nelas incrustadas, o que confere um dinamismo assinalável ao relato, provocando a tal vertigem narrativa que evita que o leitor se perca em pormenores - menores mesmo no conjunto... - que noutros casos o fariam questionar o trabalho do autor. Como por exemplo, um ou outro toque mais caricatural das personagens e figurantes, que combina mal com o tom realista da história, a violência presente e o traço sujo e pormenorizado de Lauffray. Ou uma ou outra situação menos bem resolvida no que à credibilidade respeita - mas que permite dar corpo a um herói ‘como já não se fazem’…! Ou (pequenos) saltos na sequenciação narrativa, excessivos para ‘caberem’ no (fantástico) ‘espaço branco entre as vinhetas’…
Mas, comecei por aí e quero vincá-lo, estes aspectos menos conseguidos são obliterados pela capacidade narrativa - essencialmente gráfica - de Lauffray que dessa forma consegue seduzir e conquistar o leitor - a mim fê-lo - deixando pendurado pela continuação ao fim das (parcas) cinquenta e poucas pranchas que este álbum conta.
Fiquei desejoso de (muito) mais e rendido ao autor, vou rapidamente ‘atacar’ o integral de Long John Silver, a anterior prestação no género de Mathieu Lauffray.

[...dito e feito. Com quase duas semanas de diferença entre a escrita e a publicação deste texto, já li Long John Silver e estou completamente rendido ao talento de Lauffray e Dorison. Como pude deixar passar tanto tempo sem o ler, como é que até agora nenhuma editora português lhe pegou? Partilharei aqui porquê, em breve.]

Raven #1
Mathieu Lauffray
Dargaud
França, 10 de Abril de 2020
240 x 320 mm, 56 p., cor, capa dura
ISBN: 9782205079869
15,00

(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. O Long John Silver é excelente!! Numa altura que fui a Paris estive com uma versão especial a p/b com um formato maior que era fantástica, mas cara. Acabei por ficar-me só pelos volumes da cinebook que são mais fraquinhos em termos de papel...

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    Respostas
    1. Eu fiz o mesmo e comprei os do Cinebook, para este Long John e para o Largo Winch, antes de sair a coleção Asa/Publico do último.

      Pois bem, os Cinebooks do Long John estão censurados e os albums que comprei de ambas as personagens têm as folhas todas descoladas que é uma tristeza, o tamanho também é mais reduzido o que estraga o prazer da leitura, vão servir para forrar as gaiolas dos pássaros um dia.

      Se não estivesse a investir nos volumes originais do Barracuda de Dufaux/Jérémy ja teria começado com os Long Johns mas o papel não estica...

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