Já o escrevi repetidamente: muitas vezes, mais importante do que aquilo que se conta, é a forma como se conta. Mesmo quando, como no caso desta introdução de Raven, nem sempre tudo seja bem contado.
Relato
de piratas no seu melhor, o tomo inicial de Raven
arrasta literalmente o leitor através de uma história dinâmica e
movimentada, com os ingredientes necessários para a condimentar: um
protagonista solitário, decidido, temerário e disposto a tudo, mas
mal-amado por todos na mítica (e evocativa) ilha da Tortuga; uma
(inevitável) caça ao tesouro numa ilha amaldiçoada, habitada por
canibais e de origem vulcânica; o papel de
vilão desempenhado por uma mulher (!) determinada e temida por
todos; naufrágios, combates marítimos e muitas surpresas. Nada de
novo, portanto.
Mas…
Mas
Mathieu
Lauffray tem o mérito de arrancar com o protagonista no fundo do mar
- literalmente! - amarrado a uma pesada âncora; de prosseguir depois
com um conseguido episódio precedente
em que nos revela muito do seu espírito e ambição - e também as
suas contradições; de encadear apontamentos aparentemente
desconexos; de ultrapassar, com risco calculado, os limites do real
em prol do protagonismo de Raven; de chocar aqui e ali…
Fá-lo,
recorrendo com frequência a (belas) vinhetas de grande dimensão -
muitas vezes de página completa - ou com vinhetas menores nelas
incrustadas, o que confere um dinamismo assinalável ao relato,
provocando a tal vertigem narrativa que evita que o leitor se perca
em pormenores - menores mesmo no conjunto... - que noutros casos o
fariam questionar o trabalho do autor. Como por exemplo, um ou outro
toque mais caricatural das personagens e figurantes, que combina mal
com o tom realista da história, a violência presente e o traço
sujo e pormenorizado de Lauffray. Ou uma ou outra situação menos
bem resolvida no que à credibilidade respeita - mas que permite dar
corpo a um herói ‘como já não se fazem’…! Ou (pequenos)
saltos na sequenciação narrativa, excessivos para ‘caberem’ no
(fantástico) ‘espaço branco entre as vinhetas’…
Mas,
comecei por aí e quero vincá-lo, estes aspectos menos conseguidos
são obliterados pela capacidade narrativa - essencialmente gráfica
- de Lauffray que dessa forma consegue seduzir e conquistar o leitor
- a mim fê-lo - deixando pendurado pela continuação ao fim das
(parcas) cinquenta e poucas pranchas que este álbum conta.
Fiquei
desejoso de (muito) mais e rendido ao autor, vou rapidamente ‘atacar’
o integral de Long
John Silver,
a anterior prestação no género de Mathieu Lauffray.
[...dito
e feito. Com quase duas semanas de diferença entre a escrita e a
publicação deste texto, já li Long John Silver e estou
completamente rendido ao talento de Lauffray e Dorison. Como pude
deixar passar tanto tempo sem o ler, como é que até agora nenhuma
editora
português lhe pegou? Partilharei
aqui porquê, em
breve.]
Raven
#1
Mathieu
Lauffray
Dargaud
França,
10 de Abril de 2020
240
x 320
mm, 56
p.,
cor, capa dura
ISBN:
9782205079869
15,00
€
(imagens
disponibilizadas pela Dargaud;
clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
O Long John Silver é excelente!! Numa altura que fui a Paris estive com uma versão especial a p/b com um formato maior que era fantástica, mas cara. Acabei por ficar-me só pelos volumes da cinebook que são mais fraquinhos em termos de papel...
ResponderEliminarEu fiz o mesmo e comprei os do Cinebook, para este Long John e para o Largo Winch, antes de sair a coleção Asa/Publico do último.
EliminarPois bem, os Cinebooks do Long John estão censurados e os albums que comprei de ambas as personagens têm as folhas todas descoladas que é uma tristeza, o tamanho também é mais reduzido o que estraga o prazer da leitura, vão servir para forrar as gaiolas dos pássaros um dia.
Se não estivesse a investir nos volumes originais do Barracuda de Dufaux/Jérémy ja teria começado com os Long Johns mas o papel não estica...