Já o afirmei aqui - penso eu…? - que Jeff Lemire é uma das minhas referências actuais e isso deve-se essencialmente aos seus argumentos para Black Hammer e Gideon Falls.
Lê-lo,
agora como autor completo - o que não é para mim uma primeira vez -
revela o que de melhor sabe fazer - contar histórias - mas
comprova também
um
autor graficamente limitado.
Mas,
apesar disto, bem mais do que funcional quando o encarámos do ponto
de vista da narrativa sequencial, pois toda a planificação, a
‘montagem’ das diferentes cenas, a utilização da ‘câmara’
que as expõe diante dos nossos olhos, a sua auto-suficiência em
relação à exiguidade de texto escrito utilizado, uma
série de pormenores que só a leitura revela, servem
- e tão bem! - para guiar o leitor, destacar o que Lemire deseja,
marcar o ritmo, quase sempre pausado do relato, levar-nos, sem quase
darmos por isso, ao longo de quase três centenas de pranchas.
Três
centenas de pranchas através das
quais
nos conta uma história aparentemente simples e linear: o reencontro
entre Derek, um ex-jogador de hóquei no gelo, expulso da modalidade
e com problemas de controlo de raiva, com a sua irmã Beth,
drogada e em fuga de um ex-namorado violento e abusador, e a sua convivência numa cabana abandonada no meio do nada, numa tentativa de fuga dos respectivos problemas.
A
história decorre numa pequena localidade isolada, algures no Canadá
gelado, e a galeria de participantes é extremamente reduzida. Mas
suficiente
para criar uma história forte, humana, sobre
pôr fim a um ciclo (hereditário) de violência familiar, ao
longo da qual lampejos do
passado -
coloridos,
em contraste com a maioria das páginas a preto e branco e com
aguadas de cinzento -
nos vão contar o que sucedeu a Derek e Beth
e os levou a mergulharem numa espiral de auto-destruição.
O
fortalecimento de relações que as dificuldades tantas vezes causam,
o retrato cru e despido de preconceitos que Lemire apresenta, a busca
nas raízes da força necessária para vencer o presente, são outros
pontos fundamentais de uma história que apresenta como remate - não
posfácio! - uma atitude surpreendente e inesperada capaz de aquecer
os corações que o gelo e a neve canadianos possam ter arrefecido ao
longo da leitura.
Roughneck
Jeff
Lemire
G.
Floy
Portugal, Abril
de 2020
190
x 280
mm, 272
p., pb+cinza/cor,
capa dura
30,00
€
(imagens
disponibilizadas pela editora G.
Floy;
clicar
nelas
para
as aproveitar em toda a sua extensão)
Grande leitura... comprei a versão original muito antes de saber do lançamento da versão portuguesa. Tirando raras exepções, Jeff Lemire não desilude. Essex County é talvez a sua maior obra. Quanto à arte, não é efetivamente para todos... eu gosto bastante!
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