Desencanto
Depois
da Grande Guerra, depois da Revolução russa e ultrapassado o
intróito francês, Mattéo mergulha noutro grande conflito do século
XX europeu: a Guerra Civil espanhola.
Mas
é um Mattéo diferente - envelhecido, mais maduro, escreverão
desabridamente alguns - desencantado (cada vez mais) com os ideais, a
vida e onde uns e outros o levam. Mesmo que ambos lhe continuem a dar
tanto.
As ideologias - políticas, religiosas, culturais… - tendem a dourar a situação aos olhos dos que as seguem e nelas acreditam. Por isso, quando chocam de frente com a realidade, quando entre o sonho idealizado e a ‘vida verdadeira de todos os dias’ o fosso se cava (quase sempre) intransponível, a solução passa quase sempre por uma de duas decisões: a fuga para a frente ou o desencanto absoluto.
Mattéo, preso pelos republicanos à chegada a Espanha, confrontado depois com a falta de tudo - armas, alimentos, organização, planeamento - no ‘exército’ em que se veio alistar, começa a sentir o peso da realidade ‘real’, a compreender que o idealismo nem sempre - raramente? - chega para obter vitórias ou, quando as consegue, são curtas e menores.
Até porque, não é só a guerra no terreno que o desanima e empurra para longe dos sonhos.
O cerco à pequena localidade de Alcetria, parte das (suas) memórias do pai, desperta alguns velhos fantasmas; Amélie - paixão platónica - encontrou um novo amor; a nova recruta Anéchka - ainda na fase de crença absoluta - revela um andamento - um idealismo… - que ele (já) não consegue acompanhar.
Com menos acção e mais introspecção, num volume em que parece acontecer menos do que nos precedentes, Jean-Pierre Gibrat, sem que quase nos apercebamos, através destas pequenas histórias, continua a contar-nos pequenos nadas da Grande História, fazendo-nos descobrir nos pormenores razões - algumas delas, pelo menos… - para os desfechos que sempre (re)conhecmos.
Graficamente, a opção definitiva por três tiras por página - ao contrário das quatro que usava no início da série - na sequência da mudança iniciada no tomo anterior, torna mais desenvolta e arejada a narrativa - até porque muitas vezes as três tiras dão lugar apenas a um par delas ou mesmo a vinhetas de página inteira - e dão ao desenho uma maior preponderância, afirmando emoções, veiculando sentimentos, vincando momentos decisivos ou apenas indefinições. E com o trabalho de cor a brilhar cada vez mais, na predominância dos ocres que nos transportam para o clima quente e ensolarado da Catalunha onde a acção quase toda decorre, Gibrat confirma-se como um dos grandes contistas aos quadradinhos das histórias da História do século passado e como um verdadeiro retratista do ser humano e das vicissitudes que enfrenta apenas e tão só por isso mesmo: por ser humano. Com qualidades e tantos defeitos.
Nota final
Se a edição proposta pela Ala dos Livros é mais uma vez de boa qualidade, com capa bem dura. papel de boa gramagem e impressão irrepreensível, apresenta uma falha, menor, mas incómoda, a que alguns com certeza vão conferir inusitada dimensão: na lombada, no título, falta a palavra ‘Mattéo’, que estava presente na edição francesa bem como no anterior tomo da Ala dos Livros e nos dois iniciais da Vitamina BD
Mattéo
Quarta
Época (Agosto-
Setembro de 1936)
Jean-Pierre Gibrat
Ala
dos Livros
Portugal, Julho de 2021
235 x 310
mm, 64
p., cor, capa dura
19,90
€
(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar neste link para descobrir mais pranchas ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Na lombada tem só "Quarta Época"? Bem, prefiro isso do que ter palavras mal escritas como tem sido recorrente nos últimos anos em outras editoras. O não ter a palavra choca menos do que ter que olhar para lá e ver a palavra mal escrita, pelo menos para mim.
ResponderEliminarEu gosto do Gibrat e tenho todas as edições dele em português. Mas tem um defeito grave para mim, tal como o Manara, as mulheres tem todas a mesma cara. Para mim estraga um bocado a leitura da história.
Ainda assim, muito obrigado à Ala dos Livros por mais esta edição que vou comprar certamente.
Aguardo com mais ansiedade pelo próximo do Pacto da Letargia e Passageiros do vento, mas aí claro estamos è espera do autor e não das editoras.
É sempre penalizador para o leitor/comprador/coleccionador, sem dúvida, mas também é evidente que existem outros problemas mais graves. Segundo a Ala dos Livros, foi algo que aconteceu na gráfica.
EliminarSim, o Gibrat tem esse problema com as mulheres e... também com alguns homens. No início as diferenças entre o Mattéo e o Robert são ténues...
A questão do Pacto da Letargia e dos Passageiros do Vento, bem como do Southern Bastards, por exemplo, é algo que há alguns anos não acontecia porque as edições nacionais raramente andavam a par das estrangeiras. Nestes casos, como alcançamos o ponto em que estão as edições originais, está tudo dependente da velocidade dos autores...
Boas leituras!