Idealismo e utopia em trinta anos de História
Com a publicação recente pela Ala dos Livros desta Sexta época, que decorre entre Setembro de 1939 e Junho de 1940, Mattéo é mais uma série de banda desenhada integralmente editada em português.
Com algumas atribulações, é verdade, a exemplo da vivência agitada do seu protagonista, uma vez que, depois dos dois primeiros tomos editados pela Vitamina BD em 2009/10 (hoje difíceis de encontrar, especialmente o primeiro), só seria retomada uma década mais tarde, pela Ala dos Livros, mas ainda a tempo de acompanhar o volume final francês.
Decorrendo ao longo de 30 anos, Mattéo acompanha os grandes momentos de três décadas, partindo do início da Primeira Guerra Mundial, passando pela revolução socialista na Rússia e pela Guerra Civil espanhola, para terminar em plena Segunda Grande Guerra. Nesses anos conturbados, seguimos as andanças do protagonista que dá nome à série. Muitas vezes - ou quase sempre? - peão no meio de acontecimentos imparáveis com ritmo próprio ou companheiro (sempre) fiel dos amigos que a vida lhe foi propondo, Mattéo tanto foi movido pelas utopias que embalaram tantos daqueles movimentos, quanto pelos seus interesses pessoais. Leia-se aqui as paixões, como as belas Juliette e Amélie, que foi vivendo ou as deslocações forçadas pela fuga às autoridades ou ao invasor.
Pagando cara a sua impulsividade, entregando-se completamente em nome da amizade ou das crenças comuns, crente num mundo melhor e mais equitativo com igualdade e justiça para todos, mas sucessivamente traído e desiludido pela realidade que abafou utopias e amanhãs cantores, Mattéo percorreu meia Europa, esteve em França, Espanha e Rússia, vendo e vivendo de perto o crescimento das utopias e assistindo desolado ao seu estrepitoso tombar.
Nesta sexta época, com o seu mundo a desmoronar-se devido à ascensão da Alemanha nazi após a vitória de Franco em Espanha, Mattéo, de volta ao ponto de partida, embora sofra, na vida e na pele, as consequências do conflito e da invasão da França, vai passar ao lado do conflito movido, mais uma vez por interesses pessoais: a procura do filho que o desconhece como tal, terminando um longo e inebriante fresco histórico traçado com mestria, delicadeza e virtuosismo por Jean-Pierre Gibrat, de um modo inesperado mas coerente, que vinca a importância do ser humano sobre as ambições de alguns e a predominância de valores como o companheirismo, a solidariedade, a dedicação e a entrega em prol dos outros.
Outras utopias, diferentes mas mais possíveis de colocar em prática e sem dúvida mais capazes de levar o ser humano a sentir-se realizado e bem com ele próprio.
Mattéo:
Sexta época (2 de Setembro de 1939 - 3 de Junho de 1940)
Jean-Pierre
Gibrat
Ala dos
Livros
Portugal,
Março de 2023
235 x
310 mm, 80
p., cor,
capa dura
22,90
€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online a 6 de Maio de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as apreciar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre o tema destacado)
Excelente comentário Pedro. Adoro tudo o que é do Gibrat
ResponderEliminarObrigado. Tudo... ou quase!
EliminarBoas leituras!
Uma grande série que finaliza neste número. Texto, desenhos e história com nota muito alta! Em especial neste 6º livro, o texto está fantástico. Muito bom!
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