Sambre I/II

O princípio de tudo

“Os olhos dela têm a cor do sangue!!

Gritam o ódio e uma vingança de uma raça detestada para sempre!”

In Sambre I/II

Se intitulei a análise ao díptico (posterior) “Sambre V/VI” ‘Viver em função da vingança’, este texto bem se poderia chamar ‘Razões para uma vingança’, se bem que elas sejam dúbias e, de certa forma, até se percam na memória dos tempos, a crer na teoria de Hugo Sambre…
...mas já lá iremos - ou deixarei aos leitores irem… - porque Sambre era (mais) uma série (também) dada por perdida por muitos na memória do tempo (editorial) português.

Na verdade, o ciclo de que este díptico publica a primeira parte, já tinha sido editado no nosso país, em dois volumes, o primeiro pela Baleiazul, de José Abrantes, em 1999, tendo sido depois prosseguido, em 2003, pela Witloof, que concluiria a saga imaginada por Balac e Yslaire nesse mesmo ano [com os volumes III e IV que a Arte de Autor agrupará em novo tomo duplo muito em breve.]

Mas vamos então a Nada mais me importa.../Eu sei que tu virás… em que tem inícioa saga trágica e dolorosa de uma família a quem os olhos vermelhos de algumas pessoas assombra(ra)m, causa(ra)m transtornos, tristezas e mergulha(ra)m no caos, saga essa ambientada na França revolucionária de meados do século XIX, com a monarquia contestada e atacada por muitos.

Como protagonistas neste primeiro ciclo, surgem o jovem Bernard e a bela Julie; ele herdeiro de uma linhagem de nobres da província e ela filha de uma prostituta. Se o acaso - ou a vontade dela, pois as mulheres são sempre mais decididas e proactivas - os vai apresentar no dia do funeral do pai dele, com o roubo e morte de um ganso pelo meio, entre os dois haverá mais do que amor e sexo. Haverá sucessivos (desen)encontros, enganos e traições que os afastarão sem na verdade apagar a paixão que arde neles.

Ao seu redor, uma viúva pronta a esquecer o marido recém-enterrado, a filha deles e irmã de Bernard, obcecada pela obra do pai, e um primo menos distante do que a educação e os bons modos imporiam, apostado em subir na vida, tomando para isso todos os atalhos e caminhos disponíveis ou passíveis de serem abertos, mesmo que impliquem vítimas colaterais…

E com o fundo histórico já referido, entre a província cinzenta e tristonha e uma Paris a ferro e fogo, arde devastadora uma paixão pura e incontornável, como todas as primeiras paixões entre jovens, capaz de superar todas as barreiras… ou talvez não porque à ingénua pureza dos jovens se vai opor - a par de um acontecimento nefasto - a perfídia, os interesses e as mentiras dos que os rodeiam, bem como a força dos acontecimentos que, em pano de fundo, vão forçar, mesmo que por tabela, mudanças radicais no(s) seu(s) mundo(s).

Mas, talvez me esteja a adiantar demais, pois as questões que este díptico levanta, só chegarão no próximo volume, com o registo trágico a assumir contornos épicos irresistíveis para o leitor, que Yslaire agarra desde o princípio e arrasta ao sabor dos ventos de paixão e de mudança.

E, se aquando da sua publicação original, Sambre apaixonou (também) os leitores portugueses, vinte anos depois mantém intactas as características que fizeram dele uma obra de referência da banda desenhada europeia no final do século XX.

Sambre I/II: Nada mais me importa.../Eu sei que tu virás…
Yslaire e Balac (ideia base e argumento)
Yslaire (desenho)
Arte de Autor
Portugal, Abril de 2023
235 x 310 mm, 104 p., cor, capa dura
27,00 €

(imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre o tema destacado)