Há
muito na minha lista alargada de desejos, uma lista imensa,
interminável e em constante crescimento, deparei-me com este Os
Flintstones
como oportunidade e o mínimo que posso dizer é que recebi bem mais
do que esperava. Confesso
que embora embalado pelas boas críticas lidas, esta
aproximação foi feita
também com uma boa dose de nostalgia,
ou não tivesse sido a série animada em que esta BD se baseia - uma
produção dos estúdios Hanna-Barbera, exibida originalmente nos EUA
entre 1960 e 1966 - uma
das preferências da minha
infância e adolescência na programação
da RTP.
Foram apenas 166 episódios em pouco mais de 6 anos, mas a verdade é que os pré-históricos The Flintstones, que hoje comemoram 50 anos, marcaram sucessivas gerações de telespectadores. Oficialmente, tudo começou a 30 de Setembro de 1960, quando, pela primeira vez, o canal ABC mostrou um homem forte e encorpado, vestido com uma pele de animal, laranja e negra, sentado num dinossauro que movimentava pedras com a cabeça. De súbito, um pássaro de aspecto rude emite um som semelhante a uma sirene de uma fábrica; acto contínuo, o homem solta um sonoro “yabadabadoo”, escorrega pelo rabo do animal pré-histórico saltando directamente para o interior de uma viatura construída com troncos e pedras, que acciona com o movimento dos seus próprios pés! Chegado a casa (igualmente uma rude construção de pedras), recebe a companhia da mulher, filha e animais domésticos (dinossauro e tigre dentes-de-sabre) e dos vizinhos, dirigindo-se todos para um cinema ao ar livre. Esta é uma descrição do genérico de The Flintstones, que viria a ser a primeira série de animação a ocupar o horário nobre da televisão norte-americana e durante muitos anos, a de mais longa exibição. Igualmente a primeira série animada a mostrar casais na cama, satirizava de forma leve situações quotidianas que certamente muitos portugueses recordarão dobradas em brasileiro (um dos 22 idiomas para que foi adaptada nos 80 países em que foi transmitida), pois foi assim que a RTP a exibiu nos anos 70, não permitindo conhecer as vozes originais de Alan Reed e Mel Blanc, entre outros. Se desde o genérico, os anacro-nismos impera-vam, eles foram sem dúvida um dos trunfos que ajudaram a série a impor-se. Porque, se a cidade de Bedrock vive na Idade da Pedra, mais concretamente em 1 040 000 a. C., nela encontra-se tudo o que nos anos 60 havia de mais moderno, embora construído de forma rudimentar e com materiais grosseiros: meios de transporte, com propulsão humana ou de dinossauro, semáforos, jornais (de pedra), escrita (com pedra e cinzel), rádio e televisão, gira-discos accionado por um macaco e um pássaro de bico longo e fino, elevadores movidos por brontossauros, corta-relvas (herbívoros com rodas), aspiradores (mini-mamutes), hiper-grelhadores à medida de coxas ou bifes de tiranossauro Rex, electrodomésticos diversos, bancas e banheiras cujas torneiras eram trombas de mamutes… Como protago-nistas, duas famílias: os Flintstones e os Rubbles. Na primeira, tínhamos Fred, ocioso, machista q.b., desastrado, facilmente irritável e apreciador de Brontoburgue e Cactus-Cola, a sua bela e inteligente mas gastadora esposa, Wilma, e Pedrita (Peebles), a filha. Os Rubbles contavam o baixinho Barney, o melhor (e muito inocente) amigo de Fred, a feminista Betty e o pequeno mas muito forte Bambam. Juntamente com alguns estereótipos sociais, como a sogra e o patrão de Fred, e “clones” de celebridades por vezes dobrados pelos próprios, viveram um sem número de peripécias, quase sempre provocadas pela inépcia de Fred, um eterno perdedor, apesar de ser no fundo marido e pai extremoso. Com eles, Joseph Barbera e William Hanna, que produziam aqui a sua primeira série animada, criaram as bases para um império televisivo que ainda hoje permanece. Várias vezes reposta ao longo dos anos, a série conheceria uma versão adolescente, “The Peebles and Bamm-Bamm Show” (1971), outra infantil “The Flintstones Kids” (1986), e duas adaptações cinematográficas: “The Flintstones” (1994), com John Goodman e Rick Moranis e o genérico cantado pelos B’52s, e “Viva Rock Vegas” (2000), com Mark Addy, Stephen Baldwin e Kristen Johnston. Versões teatrais, musicais e em banda desenhada e dois parques temáticos atestam igualmente a sua popularidade.
É verdade que só passaram 50 anos sobre a estreia dos Flintstones, mas a verdade é que hoje esses tempos nos parecem… pré-históricos. O sucesso da série foi tal, que de imediato se multipli-caram os produtos derivados: a Hanna-Barbera licenciou cerca de 3000 produtos entre brinquedos, alimentos, vitaminas ou vestuário, e a utilização dos protagonistas em campanhas publicitárias, algumas das quais bem recentes. Uma delas, hoje impensável, fez dos cigarros Winston patrocinador das duas primeiras temporadas, até surgir a gravidez de Wilma. Aproveitando diversas cenas divertidas recorrentes na série, em torno da ociosidade dos homens e das tarefas caseiras entregues às mulheres, foram mesmo criados uma série de filmes curtos em que Fred, Wilma, Barney e Betty apregoavam as virtudes daqueles cigarros, os “mais vendidos, longos e saborosos da América”, surgindo os maços como único pormenor em imagem real nas animações, que facilmente se encontram na internet. Nada que nos deva espantar, pois na Idade da Pedra, eram mesmo rudes e mal conheciam os malefícios do tabaco… e os Flintstones eram considerados uma animação para adultos! Mas hoje, como então, como imagem final, em cenário nocturno, fica Fred Flintstone a martelar com os punhos a porta da sua casa (apesar da janela ao lado não ter vidros…) e a berrar pela mulher, depois de ter sido posto na rua pelo seu tigre dentes-de-sabre…
(Versão integral do texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Setembro de 2010)