12/10/2011

Scott Pilgrim #4

Agora é a sério
Bryan Lee O’Malley (argumento e desenho)
Booksmile (Portugal, Setembro de 2011)
127 x 190 mm, 168 p, cor e pb, brochado
9,99 €

Resumo
Apesar de ser Verão, estação geralmente conotada com leveza e simplicidade, é altura de Scott dar um novo rumo à sua vida, procurando emprego e assumindo (ou não…) a sua relação com Ramona.

Desenvolvimento
Embora não se referindo exactamente a isso, o título português deste quarto tomo do relato do quotidiano do adolescente retardado Scott Pilgrim, é especialmente feliz quanto ao seu conteúdo.
Porque – e neste caso a publicidade é verdadeira – este é sem dúvida o melhor dos quatro volumes até agora publicados.

Desde logo, porque a narrativa é bem mais linear e estruturada, dando menos espaço às fantasias e ancorando-se mais no quotidiano de Pilgrim e dos seus amigos. Que, com a idade a passar – em tempos idos bem mais cedo, nos nossos dias na faixa etária a partir dos 20, 25 anos… - tem que assumir relações e tomar decisões. Tão simples (ou tão complicadas) como esquecer as amigas para se concentrar na namorada, deixar o amigo gay com quem partilha o apartamento para ir viver com a miúda de quem gosta, arranjar um emprego que dê (alguma) estabilidade financeira – até para poder fazer frentes às novas responsabilidades; numa palavra: crescer.
O que raramente é fácil e sai bem à primeira, mas que se torna tão mais proveitoso, quanto maiores são as responsabilidades a enfrentar.

É disto que nos fala O’Malley, sem no entanto perder o humor e a desenvoltura narrativa, que conferem o tom original à descrição do quotidiano de Pilgrim, já patente nos volumes anteriores. A par desta maturidade temática e narrativa, o autor consegue também crescer graficamente, com uma melhor definição gráfica das personagens, o que facilita a leitura e permite ao leitor acompanhar sem grandes dificuldades o elevado ritmo narrativa da obra, devido à planificação diversificada e dinâmica (e não só nas cenas de acção), onde são evidentes as influências do manga, conferindo a este tomo tudo para continuar a agarrar os seus fãs e conquistar alguns daqueles a quem os três primeiros tinham deixado reticentes.

A reter
- O bom trabalho de cor da sequência inicial de 8 páginas.
- A maturidade do autor que este tomo revela bem como o salto de qualidade da série.
- A edição de quatro volumes em cerca de um ano – e o anúncio da edição dos dois restantes até ao final do ano (a 20 de Outubro e a 17 de Novembro). Se isto não é caso único em Portugal, anda bem perto disso. E significa respeito pelo leitor e a demonstração de uma aposta clara numa determinada obra.
Conhecidas algumas condicionantes que, por vezes, impediram que isto acontecesse noutros casos, se esta tivesse sido a regra e não a excepção da edição de BD em Portugal ao longo das décadas, de certeza que as coisas estariam bem melhor a esse nível…
PS – A par de Scott Pilgrim, Dragon Ball e Yu-Gi-Oh! (ambos da ASA), são também exemplos semelhantes. Fica a esperança que algo esteja a mudar nesta área e que não se fique apenas a dever a imposições dos detentores originais dos direitos de autor… De qualquer forma, os leitores portugueses saíram a ganhar.

Trailer

11/10/2011

Tintin - As jóias de Castafiore

Hergé (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Setembro de 2011)
160 x 220 mm, 64 p., cor, cartonado
8,90 €

Amado pelos críticos mas menos considerado por muitos leitores de Tintin, sendo por isso, possivelmente a mais incompreendida das obras de Hergé, "As jóias de Castafiore" é um verdadeiro exercício de estilo, com o qual Hergé pretendeu "contar uma história em que nada se passasse".
Como palco da acção, um espaço fechado - o castelo e a propriedade de Moulinsart - satisfazendo um desejo do capitão Haddock no início de O caso Girassol, de que muito se irá ele arrepender, mais limitado àquele espaço fechado do que todos os outros…
E onde, na verdade, pouco é aquilo que parece e (quase) nada acontece: não há as longas viagens que marcaram as outras aventuras, não há tiros nem perseguições, não há raptos nem grandes descobertas científicas, não há tesouros nem meteoritos, não há traficantes nem ladrões…
Mas estão lá muitas das personagens recorrentes da série, assumindo os papéis habituais, quase como que numa reunião da família Tintin: o irascível Haddock, o surdo Girassol, os trapalhões Dupond e Dupont, a distraída (diva) Castafiore, o insuportável Serafim Lampião, o imperturbável Nestor, o anónimo talhante Sanzot, o aldrabão marmorista Boullu, o enigmático pianista Wagner, a servil Irma…
Estão lá, em grande número, passando as pranchas a correr de um lado para o outro, sempre em busca de alguma coisa ou de alguém, mantendo o leitor em constante suspense à espera de algo que (apesar de tudo) nunca acontecerá, numa história em que o humor – brilhante no gag do degrau que percorre todo o álbum, na distracção constante de Castafiore, nas trapalhadas dos Dupondt, nas intervenções do papagaio, nos sucessivos motivos de exasperação de Haddock que culminam no anúncio do seu casamento com o “Rouxinol milanês” - tem um papel ímpar, e que o filósofo francês Michel Serres definiu como "um tratado da teoria da comunicação".
Por isso, também “As jóias da Castafiore”, datadas de 1961, revelam-se um fabuloso jogo de equívocos e de crítica de costumes – veja-se a forma como (quase) todos olham de soslaio os ciganos, veja-se a relação de (pouco) ódio/(muito) amor da cantora com a imprens, veja-se o retrato pouco abonatório da sub-espécie dos paparazzi (que apenas têm equivalente nos ignorantes bacocos cujo interesse doentio pelos ditos “famosos” os alimenta)…
A todos estes ingredientes, Hergé acrescentou uma técnica narrativa ímpar, numa perfeita conjugação de desenho e texto, numa legibilidade extrema – nada, em cada prancha, está lá por acaso… - numa sábia utilização dos balões ou da sua ausência, guiando o leitor de engano em engano, de pista falsa em pista falsa, de surpresa em surpresa, de conclusão enganadora em conclusão enganadora… até ao final surpreendente, inesperado, que coloca tudo no seu lugar, que revela como tudo aquilo em que Tintin se baseia para fazer diversas deduções ao longo do álbum estava antes disponível para o leitor, em que tudo encaixa na perfeição, em que tudo é explicado de forma (mais que) satisfatória, em que os intrusos que se multiplicaram em Moulinsart finalmente partem, deixando vazia a casa e sossegados os seus moradores, num regresso à normalidade.

A reter
- Julgo que não há álbuns perfeitos mas, a haver, este seria um dos candidatos àquele título…

10/10/2011

Sur la route de Banlung

Cambodge 1993
Jacques Rochel (argumento)
Vink (desenho)
Dargaud (França, 9 de Setembro de 2011)
240 x 320 mm, 64 p., cor, cartonado
14,95 €

Resumo
Cambodja, 1993. As primeiras eleições democráticas no país estão em marcha, sob a supervisão da ONU. À sua frente, está Jacques Rochel, francês de origem vietnamita que tem que velar pelo bom desenvolvimento das operações e por fazer chegar mensalmente cerca de 120 mil dólares aos diversos colaboradores da organização, o que desperta apetites e cobiças, agudizando as tensões numa zona em tempos dominada pelos Khmers vermelhos, cujas atrocidades ainda não foram esquecidas nem perdoadas mas que alguns gostariam de voltar a ver no poder.

Desenvolvimento
Este é um relato mais documental que ficcional. A primazia nele é dada ao retrato de um país conturbado, em busca de novos equilíbrios, pois se a maioria renega o passado, alguns têm saudades (pelo menos) de uma parte dele. A par disso há que considerar os diversos focos de tensão entre os habitantes locais e os brancos, considerados ocupantes e/ou lacaios dos vizinhos vietnamitas, responsáveis pelo fim da ditadura.
Para tornar a narrativa mais interessante – pelo menos mais apelativa para os leitores em geral - os autores deram-lhe um cunho ficcional, incluindo alguns elementos extra-realidade num relato que era principalmente biográfico pois o argumentista é exactamente Jacques Rochel, o responsável da ONU no local.
Por isso, a acção vai-se desenrolando a vários tempos: no terreno, na concretização da sua missão como funcionário da ONU; intimamente, na sua angústia perante a notícia de que o seu filho mais novo é autista, e, de forma confusa, nos vários sentimentos contraditórios que sente perante o reencontro com uma antiga colega de liceu de há 20 anos, que nunca saiu do Vietname e é casada com um alto responsável do Partido Comunista; na sombra, com o grupo de ex-khmers que aparentemente pretende roubar os 120 mil dólares que Rochel recebe mensalmente, mas cujos contornos acabarão por ditar uma situação, social e politicamente, muito mais grave e abrangente.
Reforçando o aspecto documental, o traço de Vink, demasiado preso às suas referências fotográficas, serve apenas de veículo ao desenvolvimento do relato, que consegue apesar de tudo apresentar algumas surpresas e que aparentemente se vai desenvolvendo de forma tranquila, mas em que se vai sentindo o acumular de uma tensão que pode explodir a cada momento.
Fica por questionar – e é pena – a validade dos modelos ocidentais em sociedades cujos usos e costumes são completamente diferentes, o que muitas vezes justifica os choques que a nossa imprensa raramente compreende ou explica, mas a verdade é que não era esse o objectivo pretendido.

A reter
- O tom documental desta semi-ficção que mostra uma realidade bem diferente daquela que conhecemos (e daquela que tantas vezes nos é apresentada).
- O dossier final, que inclui uma conversa entre Vink e Rochel que aclara alguns aspectos, profusamente ilustrado com fotografias.

Menos conseguido
- A relação demasiado próxima do traço de Vink com a sua base fotográfica.

09/10/2011

Selos & Quadradinhos (66)

Stamps & Comics / Timbres & BD (66)

Tema/subject/sujet: Tintin e a Lua / Tintin and the Moon / Tintin et la lune
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 2004

08/10/2011

As Figuras do Pedro (X)

Tintin, Haddock, Dupont

Figura: Tintin (rei), Haddock (cavalo) e Dupont (bispo), segundo o seu visual no filme
Colecção: Jeu d’Echecs – Les Aventures de Tintin
Números : 1, 2 e 3
Fabricante/Distribuidor: Hachette (França)
Ano : 2011
Altura : 12 cm
Material: resina
Preço original: 2,99 € (nº1) + 5,99 € (nº2) + 13,99 € (nº3)


Trata-se dos três primeiros e para já únicos números de uma nova colecção, relacionada com o filme a estrear brevemente, lançada em algumas regiões de França, mas apenas a nível de teste de mercado. Apesar de terem também sido anunciadas as figuras de Dupond e de Milu, o teste terminou ao fim dos três primeiros números.
O primeiro oferecia um tabuleiro de xadrez, dobrável, em cartão, e cada um dos três incluía um fascículo sobre a respectiva personagem e regras e exercícios do xadrez.

07/10/2011

Lucky Luke

#58 - Na pista dos Dalton
René Goscinny (argumento)
Morris (desenho)
ASA (Portugal, Agosto de 2011)
220 x 300, 48 p., cor, cartonado
12,11 €

Há diversas bandas desenhadas que tiveram um papel especial na minha vida, embora pelos motivos mais diversos.
Esta é uma delas. Recompensa por algo de que já não me lembro, foi o primeiro álbum que tive e li em francês, longe de imaginar os muitos, muitos, muitos mais que se seguiriam!
No entanto, para além disso associo-o a uma recordação menos feliz, uma troca forçada de livros, provocada por um energúmeno que era meu colega de escola, cujo nome e cara nunca mais esqueci, que me ficou com ele e alguns mais, apenas emprestados para leitura. O que contribuiu sobremaneira para que o número de pessoas existentes na lista daqueles a quem empresto banda desenhada possa contar-se com os dedos de uma única mão. Com sobras.
Curiosamente, nunca mais reli o álbum – e o que narrei já se passou há mais de 30 anos! – pelo que a actual edição da ASA serviu para o (re)descobrir (e) em português.
Originalmente datado de 1962, tem como principal atractivo a estreia de Rantanplan, num argumento que não sendo dos mais memoráveis de Goscinny, tem algumas tiradas e sequências memoráveis (a falta de jeito de Rantanplan, a fome de Averell), servidas por sucessivos gags, tudo aliado a um bom ritmo narrativo, o que contribui para que seja uma leitura bem divertida.
A base narrativa – como quase sempre em Lucky Luke, o que não é sinónimo de menosprezo da minha parte – é simples, mas conduz a um encadear de situações hilariantes que culminarão no habitual final, se não feliz, pelo menos de reposição da ordem.
No caso presente, a enésima fuga dos Dalton da prisão, leva-os a cruzar-se com Lucky Luke, levando este a persegui-los afincadamente até os conseguir capturar. Pelo meio, surgem situações diversas, algumas novas, outras recorrentes, que suportam a história.
Como já referi a principal novidade do álbum é a presença de Rantanplan, impingido a Lucky Luke pelos guardas da penitenciária que perseguiam os Dalton, que ao longo do álbum se vai aproximando daquilo que viria a ser posteriormente, perdendo as poucas qualidades que tinha para acabar a assumir na perfeição o papel de “cão mais estúpido do Oeste… e do Este”, incapaz de coordenar um pensamento lógico e sempre esfomeado. Numa significativa aproximação a Averell – não por acaso, o único que gosta dele – que também desempenha – pela negativa… - um papel importante no álbum.
Graficamente, o traço de Morris ainda estava em desenvolvimento, à procura da forma e do estilo que, justamente, o viriam a celebrizar – Lucky Luke e Rantanplan são os melhores exemplos disso _ embora em termos de planificação, de dinamismo narrativo e de transmissão da noção de movimento e da acção este álbum já ombreie com o melhor que Morris posteriormente demonstrou.

A reter
- A estreia de Rantanplan
- A dualidade Rantanplan/Averell.
- A cena em que Joe Dalton defende Lucky Luke.

Curiosidade
- A participação especial (involuntária) de Jerry Spring no álbum (ver prancha ao lado), numa homenagem de Morris ao mestre Jijé.

06/10/2011

Tchang!

Comment l’amitié déplaça les montagnes
Jean Michel Coblence (texto)
Tchang Yifei (documentação e informação)
Éditions Moulinsart (Bélgica, Março de 2003)
225 x 225 mm, 192 p., cor, brochado com badanas
31,50 €

Hoje, dia 17 de Março*, as Éditions Moulinsart vão apresentar o livro “Tchang! Comment l’amitié déplaça des montagnes”, uma completa biografia de Tchang-Tchong Jen, o amigo chinês de Hergé. O seu lançamento é a primeira grande edição daquilo que se convencionou chamar o “Ano Tintin”, iniciado no passado dia 3 de Março, com o assinalar dos 20 anos da morte de Hergé e que se concluirá em Janeiro de 2004, quando se celebrarão os 75 anos da publicação da primeira prancha das aventuras de Tintin.
De Tchang, até hoje, apenas se conhe-ciam os aspectos da sua vida relacionados com Hergé: o encontro dos dois, em 1934, quando o abade Gosset sugeriu a Hergé que se documentasse sobre a China, antes de para lá enviar Tintin; a sua contribuição para a história e a escrita dos caracteres chineses reproduzidos em algumas legendas de “O Lótus Azul”; a sua inclusão, como personagem, neste álbum, ao lado de Tintin; o seu salvamento, após um desastre de avião, em “Tintin no Tibet” (1958), cujo trama tem por base a grande amizade entre as duas personagens de papel e serviu a Hergé para expurgar fantasmas pessoais; o seu reencontro com Hergé, em 1981, após longos anos de contactos diplomáticos para que as autoridades chinesas o autorizassem a sair do país.
O livro lançado cinco anos após a sua morte, a 10 de Outubro de 1998, para além de aprofundar estes aspectos, revela especialmente o homem e o artista (pintor e escultor), por trás do homónimo do amigo de Tintin, em paralelo com as mudanças que sofreu a China na qual viveu durante quase um século (1907-1998) e que afectaram sobremodo a sua existência, passando de autor conceituado e respeitado a proscrito pela Revolução Cultural de Mao Tsé-tung.
“Tchang!”, tem quase duzentas páginas profusamente ilustradas com fotos, documentos e desenhos de Tchang e Hergé, e é da autoria de Jean-Michel Coblence, historiador e apaixonado pelo extremo oriente, e de Tchang Yefei, uma das filhas de Tchang-Tchong Jen.

Hergé desenhou-se a ele próprio e a alguns colabora-dores (Bob de Moor, E. P. Jacobs) como figurantes de diversos álbuns de Tintin e muitas das suas personagens foram inspiradas em pessoas reais. Mas apenas duas figuraram nos álbuns com o seu próprio nome: Al Capone, que Tintin enfrenta e derrota em “Tintin na América”, e Tchang-Tchong Jen, que Hergé introduziu em “O Lótus Azul”, e que recuperou, mais tarde, em “Tintin no Tibete”. E dos dois, por razões compreensíveis, apenas Tchang autografou os álbuns em que surge ao lado de Tintin.

(* Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 17 de Março de 2003)

05/10/2011

Une nuit de pleine lune

Yves H. (argumento)
Hermann (desenho)
Sébastien Gérard (cor)
Glénat (França, Setembro de 2011)
240 x 320 mm, 56 p., cor, cartonado
13,50 €

Resumo
Cinco jovens decidem assaltar um casal idoso que vive numa casa isolada, atraídos por um cofre supostamente bem recheado.

Desenvolvimento
Surpresa: o abrir do álbum deu a sensação de um regresso ao passado, ao tempo (já algo distante) em que Hermann não trabalhava em cor directa, fazendo o desenho a tinta-da-china, posteriormente colorido. Opção que o autor me tinha referido numa conversa no Festival de Beja, em 2010, que de imediato me veio à mente.
Por isso, o grafismo surge algo estranho, diferente, evocando em parte os últimos tomos de “Comanche” ou os primeiros de “Jeremiah”. Apesar da cor, aplicada por Sébastien Gérard, surgir menos exuberante, baseada em tons mais frios e sombrios, evidentemente ajustados ao tom da narrativa e à penumbra, apenas parcialmente quebrada pela lua cheia, em que quase toda ela decorre.
O relato começa de forma lenta, dando a conhecer os cinco jovens envolvidos no golpe. Cinco jovens – quatro rapazes e uma rapariga; quatro brancos e um negro; um inadaptado e quatro acomodados… – com razões e motivos diferentes para estarem ali: o regresso ao Marrocos natal, o desejo de uma vida com luxo, álcool e mulheres, o jeito para a electrónica, o conhecimento do local…
Cinco jovens cujas diferenças vêm de imediato ao de cima, revelando pontos de atrito, desentendimentos, formas de estar e de agir que farão com que rapidamente entrem em choque, pondo em causa o objectivo (que devia ser) comum mas que, afinal não os move a todos de igual modo. Num retrato ajustado de uma certa realidade comum a (quase) todos os países ocidentais, o que confere a “Une nuit de pleine lune” uma incómoda actualidade.
Depois, após cerca de um terço do livro que serve então como introdução e apresentação dos principais (serão?) intervenientes, o ritmo torna-se mais intenso, ao mesmo tempo que a tensão sobe, com a chegada à casa (já invadida) do casal idoso. Momento em que o plano, aparentemente tão bem traçado, começa a descarrilar.
Primeiro, porque as divergências quanto ao modo de acção vêm claramente ao de cima; depois, porque um infeliz acidente (será?) provoca uma morte e desencadeia um banho de sangue de consequências de todo inesperadas; finalmente, porque afinal o casal – o homem – não era tão dócil e submisso quanto os cinco jovens esperavam…
Thriller de acção, intenso e dramático, “Une nuit de pleine lune”, escrito de forma competente e muito legível (o que nem sempre tem acontecido…) por Yves H., revela mais uma vez Hermann como um dos grandes desenhadores de BD da actualidade, mesmo neste seu regresso (gráfico) ao passado.

A reter
- A surpresa do registo gráfico de Hermann.
- A boa adequação da cor à narrativa.

Menos conseguido
- Alguma previsibilidade do desfecho final.
- A “falta de páginas” para aprofundar as motivações individuais e as tensões entre os cinco jovens.
Curiosidade
- O álbum encontra-se também disponível numa edição a preto e branco, com capa diferente com aplicações de verniz em zonas seleccionadas, lombada em tela e tiragem limitada, que inclui um caderno extra com 8 páginas de esboços, cujo preço é de 25,00 €. E que permite admirar melhor o magnífico traço de Hermann.






04/10/2011

Dick Tracy, 80 anos

O primeiro detective da história dos comics americanos nasceu há exactamente 80 anos, nas páginas do "Chicago Tribune", na forma de prancha dominical. Era a concretização de quase uma década de esforços por parte do seu criador, Chester Gould (1900-1985) que pretendera chamá-lo Painclothes Tracy (algo como "agente à paisana" Tracy) mas que foi rebaptizado pelo editor com o nome – Dick Tracy - com que se tornou uma das obras de referência da chamada Época de Ouro dos comics americanos.
Mas a originalidade da série não se ficava pela profissão do herói - assumida logo à 10ª tira, para encontrar os raptores da sua noiva e assassinos do seu futuro sogro - vinha também da sua fonte de inspiração, as notícias dos jornais que reflectiam a criminalidade crescente num país que tentava a todo o custo deixar para trás os efeitos da Grande Depressão, ocorrida dois anos antes.

A seu favor "Dick Tracy" tinha ainda mais dois aspectos inovadores. Por um lado, um grafismo original, baseado num estilo caricatural feito de preto e branco contrastante, expressionista e brutal, apresentando o herói o célebre "queixo quadrado" e os vilões quase sempre um aspecto aberrante devido às faces disformes. Por outro lado, as histórias eram bem urdidas e traziam para as tiras de jornal um realismo até então desconhecido neste suporte, alicerçado num ambiente de tensão e suspense - por vezes, mesmo terror - e em doses generosas de violência, revelada especialmente no fim dos criminosos, raramente julgados, antes quase sempre abatidos pela polícia ou falecidos em estranhos e brutais acidentes de percurso, em especial durante a década de 40, na qual alguns dos mais notórios gangsters da série perderam a vida.
Chester Gould, sem qualquer formação artística, dotou Dick Tracy com uma rica galeria de personagens secundárias (Tess Trueheart, com quem casaria em 1949, Bonny Braids, a filha de ambos, o Chefe da polícia Brandon, Pat Patton, o seu fiel assistente, Júnior, o seu filho adoptivo, ou a longa lista de marcantes vilões entre os quais Big Boy, Pruneface ou Mumbles. Nos anos 60, a tira entrou na “era espacial”, tendo o herói pilotado naves, encontrado extraterrestres e ido até à Lua.
O criador do detective à paisana, adepto das técnicas forenses e utilizador de um famoso rádio-relógio-transmissor de pulso, manter-se-ia ao leme da sua criação até 1977, tendo assinado a série pela última vez no Dia de Natal. Rick Fletcher, seu assistente desde 1961, assumiria o desenho, e Max Allan Colins o argumento. Actualmente o detective continua a viver aventuras – de traço menos agreste e bem menos violentas do que na sua melhor fase - diariamente nos jornais, sendo os seus responsáveis Joe Staton e Mike Curtis que ontem começaram a recontar o primeiro caso do detective, como pode ser acompanhado aqui.
A partir de 1942, Dick Tracy seria alvo de uma bem conseguida e divertida paródia, na pele do também detective Fearless Fosdick, personagem de uma outra série famosa, "Li'l Abner", criada por Al Capp em 1934.
Graças às suas características originais, Dick Tracy, que em Portugal foi publicado principalmnete pelo Mundo de Aventuras, mas também no suplemento Quadradinhos de A Capital e no Lobo Mau, rapidamente granjeou uma forte popularidade, o que levou a que fosse transposto para um folhetim radiofónico, entre 1934 e 1948, e para o cinema, logo em 1937, quando estreou o primeiro de diversos filmes protagonizados por Ralph Byrd que assumiria a pele do detective até falecer, em 1952. Seria no entanto esperar até 1990, durante a primeira onda de adaptações de BD para a 7ª arte, para encontrar a mais fiel versão de celulóide da obra de Gould, num filme da Disney, realizado e interpretado por Warren Beaty, que contava ainda com Madonna, Al Pacino e Dustin Hoffman nos principais papéis.
As bodas de diamante de "Dick Tracy", há cinco anos, foram assinaladas nos Estados Unidos com a edição do primeiro volume de “The Complete Chester Gould’s Dick Tracy”, pela IDW Publishing, que entretanto já editou mais 11 tomos, estando o 12º já anunciado. 





(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias 4 de Outubro de 2006)
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