Will Eisner (argumento e desenho)
Gradiva (Portugal, Abril de 2007)
190 x 250 mm, 128 p., branco e sépia, brochado
E de repente, sem muito bem se saber porquê, a banda desenhada voltou a descobrir os clássicos da literatura. Quer no mercado franco-belga, onde editoras como a Delcourt, a Soleil, a Casterman e a Glénat estão a lançar títulos ou colecções dedicada às suas adaptações aos quadradinhos, quer nos EUA, onde a Marvel, detentora do Homem-Aranha ou do Quarteto Fantástico, anunciou também uma colecção com as mesmas premissas. Ou até no Brasil, onde se estão a multiplicar as versões “en quadrinhos” dos clássicos da literatura locais, muitos deles apontados ao “Plano Nacional de Leitura” de lá.
Mas estas adaptações não se anunciam como as maçudas e maçadoras versões de tempos idos, que muitas vezes nem BD eram, quando desenhadores anódinos ilustraram (mal) os textos integrais; hoje, elas estão entregues a autores de créditos firmados, que as escolheram como projectos pessoais, em que se empenharam, transmitindo através de uma forma de expressão diversa o espírito da obra original, os sentimentos e as emoções que a sua leitura lhes proporcionou.
É, apesar de tudo, o caso deste "Fagin, o judeu", obra da velhice (data de 2003, tinha o grande mestre norte-americano já 86 anos), na qual Eisner pretende desmontar a visão estereotipada dada dos judeus na versão original do romance clássico de Charles Dickens, "Oliver Twist". Para isso, não (re)conta aos quadradinhos aquele drama vitoriano, mas sim a vida (inventada…) do seu vilão, Fagin ("o judeu"). Sem intenção de o absolver dos crimes que cometeu nem sequer para o justificar; divergindo de Dickens, traça um retrato díspar de Fagin, mostrando-o não como a incarnação do mal mas como um ser humano como outro qualquer, com dúvidas, contradições e incertezas, empurrado para o crime pelas vicissitudes de uma vida que lhe foi por demais madrasta, equiparável, afinal, ao retrato delicodoce que Dickens nos deixou de Oliver Twist, com o senão de que a Fagin a fortuna nunca sorriu… ou sorriu demasiado tarde.
Para isso, aproveita a história base, num interessante diálogo com a literatura, para fazer um retrato expressivo da opressiva Londres vitoriana onde ela decorre e para onde transporta o leitor, das vielas lúgubres e esconsas às ricas mansões, através da riqueza, precisão e expressividade do seu traço, aqui servido por tons sépia, que nada retiram da força dos jogos de luz e sombra em que se mostra mais uma vez mestre incontestado, bem como no domínio do ritmo narrativo marcado à custa da forma como compõe as pranchas, construindo uma narrativa forte e bem estruturada através da qual defende o seu ponto de vista e tenta suavizar a imagem exageradamente anti-semita que o texto original de Dickens transmite, mesmo que involuntariamente.
E constrói, assim, uma obra de crítica social e de costumes e também histórica, na qual contextualiza a presença judaica numa Londres tolerante e liberal mas fechada, mostrando como os judeus da Europa Central (os asquenazitas, judeus de segunda, atrás dos (mais ricos) judeus ibéricos, sefarditas), eram empurrados para vidas feitas de esquemas e expedientes nada honestos, que estiveram na origem da imagem estereotipada dos judeus, ainda hoje comum.
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Maio de 2007)
Pedro, eu gostei muito de ver os clássicos brasileiros adaptados em quadrinhos para a leitura infanto juvenil. Aprovo essa idéia, meu filho de 10 anos já leu Machado de Assis, Lima Barreto nesse formato.
ResponderEliminarDesde as margens do Rio do Carmo saio a convidar meus amigos do mundo, para que vejam a poesia que falo de certo Presente do Céu, os contos que conto e as crônicas que narro. Você não conhece o Rio do Carmo? Não lhe culpo de nada. É tão pequenino o meu lugar. Mas ainda assim eu falo, pois é mundo, e quando se é mundo nunca falta o que falar.
Abraço do Jefhcardoso e lhe espero no http://jefhcardoso.blogspot.com.
Comprei esse livro a torcer o nariz, pois já sabia que o Eisner ia levar a estória de maneira diferente, ou não fosse ele um judeu a tentar modificar a ideia pré-concebida existente.
ResponderEliminarMas no fim gostei bastante do livro!
Abraço
Caro Jefhcardoso,
ResponderEliminarNão tenho nada contra as boas adaptações... Mas nem sempre são assim...
Bongop,
O Eisner é uma garantia de qualidade. E, sim, o livro é bom!
Abraços,
Pedro