Étienne Davodeau (argumento e desenho)
Futuropolis (França, Abril de 2010)
216 x 293 mm, 80 p., cor, cartonado
Resumo
10 dias depois de sair de casa, Lulu, quarentona, mãe de 3 filhos, continua o seu percurso, longe dos seus, tentando descobrir-se e a um sentido para a (sua) vida.
Desenvolvimento
Só que agora, ao contrário do que aconteceu no primeiro livro algo começa a mudar. O tom de algum optimismo e de esperança desvanece-se. Logo nas primeiras pranchas, Lulu fica sem dinheiro, dorme ao relento, assalta uma idosa para lhe roubar a carteira, é confundida com uma sem-abrigo e tomada por prostituta. Talvez porque, como diz Morganne, a sua filha, principal narradora deste segundo tomo, ela tenha sido finalmente “apanhada pela realidade”. Começando a compreender que a sua sede de liberdade, a sua aventura, o seu passeio, apenas podem ter um destino final: o regresso a casa.
Por isso, é uma Lulu dividida que Davodeau nos apresenta. Porque sente aquela inevitabilidade mas deseja prolongar ao máximo a “licença” que está a gozar.
Lulu que, neste segundo tomo, divide mais o protagonismo. Com a velha Marthe, surpreendente e generosa, com a inconsequente Virginie – ambas, como Lulu, mulheres simples e vulgares, pretextos para falar com delicadeza e sensibilidade de velhice e solidão… Mesmo Morganne e Tanguy, o seu marido, têm um outro protagonismo, já que uma parte da acção se passa agora na casa que ela deixou. A própria narração da sua escapada é mais vezes interrompida com as opiniões dos amigos, divididos entre a crítica e a comprensão. O que dá maior consistência ao relato e revela mais uma vez o enorme talento de Davodeau (também) para os diálogos e para a narração do quotidiano
Agora, vou abster-me de referir mais do enredo e o próprio final, porque expor como Lulu se relaciona com Marthe e Virginie, explicar a sua relação com elas, seria retirar aos leitores destas linhas grande parte do prazer da leitura deste (muito, muito aconselhável) díptico.
Que apesar do seu final aparentemente feliz – pelo menos até que a realidade apanhe novamente Lulu? – deixa no ar uma sombra pessimista, um gosto algo amargo, em especial devido à constatação de que a experiência de Lulu, positiva para ela – mas cuja profundidade das marcas que deixou só o tempo poderia revelar - foi apenas sua e não exportável, por exemplo, para Marthe ou Virginie, como Davodeau nos mostra. Isto, a par de questões, sempre incómodas, sobre os limites do ser humano, dentro ou fora do seu ambiente, e sobre as respostas que a sociedade (não) dá a questões prementes como a velhice ou a solidão, que o livro levanta.
A reter
- A volta dada à história sem lhe retirar interesse ou qualidade.
- A forma como é mantida em segredo, quase até final, a identidade de quem faleceu, com o levantar de sucessivas hipóteses não confirmadas.
- De novo, o excelente trabalho gráfico de Davodeau, melhor do que nunca neste aspecto, na planificação, na transmissão das noções de tempo e movimento, no belo colorido utilizado.
Menos conseguido
- A forma algo limitada como a personagem de Tanguy, o marido de Lulu, é desenvolvida no díptico.
Curiosidade
- Os progressos de Davodeau com a história de Lulu foram sendo narrados por ele no blog Lulu Femme Nue criado para o efeito.
- A primeira edição francófona do álbum - já esgotada! - teve uma tiragem de 30 mil exemplares. Notável para uma obra deste género.
Pranchas muito bonitas e poéticas! Grrrr (raiva!), pena não haver uma tradução deste livro em franco-gato!
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