#11 – O Segredo do Licorne
#12 – O Tesouro de Rackham, o terrível
Hergé (argumento e desenho)
Edições ASA (Portugal, Setembro de 2010)
160 x 220 mm, 64 p., cor, cartonado, 8,90 €
Entre as muitas leituras aos quadradinhos que faço, confesso que Tintin tem (continua a ter) um lugar especial. Não por nostalgia de infância porque, se é verdade que o li – parcialmente - em criança, a minha relação – voluntária e consciente - com Tintin surgiu bem mais tarde e tem, por isso, mais contornos de relação estável e duradoura do que de paixão avassaladora mas passageira. Até porque, cada nova leitura, me leva a (re)descobrir novos motivos para admirar a obra-prima de Hergé.
Entre os diversos álbuns com as suas aventuras, “O Segredo do Licorne”, não sendo o meu preferido – esse destaque vai sem dúvida para “Tintin no Tibete” e “As Jóias da Castafiore” – será o que mais memórias me evoca. Curiosamente, em contradição com o que atrás escrevi. Porque o descobri – incompleto – em páginas de velhos exemplares de O Papagaio existentes em casa da minha avó e nelas, muitas vezes, o reli – incompleto, reforço – sem saber se e como Tintin chegaria a encontrar o famoso tesouro de Rackham, o Terrível.
Se este facto é determinante para o peso ”sentimental” que ele tem para mim, a verdade é que este álbum, melhor, o díptico “O Segredo do Licorne”/”O Tesouro de Rackham, o Terrível”, tem tudo para seduzir e conquistar qualquer leitor que a ele chegue sem preconceitos.
Desde logo, porque é, sem dúvida, um dos argumentos mais sólidos de Hergé, baseado na sempre motivadora busca de um tesouro, feita através de um inquérito, longo e recheado de percalços em que humor e mistério se combinam com perfeição.
Depois, porque é nele que se solidifica a relação do repórter com Haddock e é nele que se estreia Girassol. Também porque nele os Dupond/t têm um papel fundamental, não tanto como heróis, mas ainda como co-protagonistas com o papel – mais importante do que por vezes se pensa - de atenuar o clima de mistério, graças aos sucessivos disparates que dizem e fazem. E não deixa de ser curioso analisar como todos eles vieram, de alguma forma, ocupar um espaço que até agora (praticamente só) Milu preenchia, enquanto companhia, elemento de salvação e/ou de introdução de humor.
Voltando à questão do argumento, na construção da (longa) narrativa, veja-se como, em especial no primeiro álbum, ela funciona em blocos, de alguma forma autónomos, mas perfeitamente interligados e contribuintes imprescindíveis para o todo: a Feira da Ladra, a insistência pela caravela, a (fabulosa) recriação da história do Cavaleiro de Hadoque (com os paralelos entre o passado e o empolgado Haddock no presente), o carteirista, o rapto e prisão de Tintin, o confronto com os irmãos Pardal, a sua libertação.
E como, no segundo tomo, a tensão cresce, a expectativa aumenta, a curiosidade do leitor é incontrolável num relato em que, na verdade… se pode mesmo dizer que nada acontece! Porque se há uma busca a decorrer, sucedem-se os equívocos, os falhanços, as desilusões.
Tudo narrado com mestria, com uma técnica gráfica e narrativa inigualável, apurada, de uma enorme legibilidade, atraente e expressiva, aqui com um recurso pouco comum a vinhetas grandes. E com um perfeito controle do desenrolar das cenas, das atitudes das personagens, dos diálogos estabelecidos, com os momentos de tensão, de dúvida, de suspense a multiplicarem-se no final de cada prancha (a isso obrigava a publicação semanal em revista), sem uma quebra, um erro…
Tudo motivos para o leitor chegar ao final da leitura satisfeito, recompensado pelo tempo empregue. Tenha sido a primeira ou a vigésima vez que a fez.
E com a certeza que, depois deste díptico, nada ficou como dantes. Tintin, encontrou uma casa – o Castelo de Moulinsart – e uma família estável – Milu, Haddock, Girassol, os Dupond/t. As bases para o melhor período do herói – menos espontâneo, mais genial… - sobre o qual, possivelmente, virei a escrever (algumas vezes mais) aqui.
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