De narrativa de fundo social a comic fantástico, este é o
percurso traçado por Brian K. Vaughan neste primeiro volume de Paper Girls.
A história passa-se no final dos anos 1980, muito bem
documentados ao nível das sucessivas referências que o argumentista espalha – e
que a tradução teve o cuidado de explicar quando necessário - nos Estados
Unidos, algures na América profunda, numa cidadezinha de Cleveland que poderia
ser outra qualquer, ainda perdida em preconceitos sociais, sexistas e
religiosos.
Como pano de fundo – e sombra sobre os americanos – há o
conflito Irão/Iraque – e, em consequência, as relações tensas com a (ainda)
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
As protagonistas são quatro adolescentes que desempenham uma
função que geralmente – via filmes e séries de TV - associamos a rapazes: são
entregadoras de jornais. Por isso, levantam-se de madrugada todos os dias,
recolhem o molho de jornais à porta de casa, enrolam-nos presos com um elástico
e vão de bicicleta lançá-los de porta em porta.
A história arranca na madrugada do Halloween e o primeiro
capítulo - que corresponde ao primeiro comic – prenunciava uma orientação
diversa, baseada na exploração dos tais preconceitos atrás referidos,
outorgando-lhe um tom realista baseado na crítica social e no choque provocada
pelas diferenças entre as protagonistas – aspectos que nunca abandonam a
narrativa mas que deixam de ser os primordiais.
Erin, a mais jovem tem 12 anos, é católica (num contexto
maioritariamente protestante) e anda num colégio particular devido à sua melhor
condição económica.
MacKenzie , a mais velha, é a rebelde local; a única a
frequentar o ensino público, fuma, lidera, é assediada pelas autoridades, foi
pioneira como ‘paper girl’ e tem uma existência atribulada devido aos
antecedentes de alcoolismo da mãe, que a obrigaram a formar um carácter forte e
decidido. Tiffany é negra e também tem uma boa situação económica, tal
como KJ, a judia ‘pagã’ e cérebro do grupo.
As quatro conhecem-se na sequência de um mau encontro entre Erin e
três adolescentes apostados em divertirem-se – e algo mais? – à custa dela.
Findo o intróito de umas três dezenas de pranchas, no qual
Vaughan traça um retrato já bastante completo do grupo e define as escalas de
valores e de relacionamentos entre elas, o tom muda abruptamente e passamos a
estar perante um relato de ficção científica quando a cidadezinha de Stony
Stream é invadida e dominada (aparentemente?) por seres desconhecidos de
aparência – e linguagem - estranha e assombrada por estranhas criaturas.
Começa então um relato (que se pressupõe) de resistência e
sobrevivência, ainda com muito em aberto e imensas respostas por dar, apesar de
Vaughan ir deixando aqui e ali pistas que permitem ao leitor intuir um pouco do
que está a acontecer tal como a última prancha confirmará, o que no entanto não
impede que no final do presente volume o leitor se sinta pouco menos que
perdido face aos futuros desenvolvimentos. Aliás, Vaughan prima pela forma como
(se vai divertindo) a surpreender o leitor, em especial no final de cada
capítulo em que subverte tudo o que era dado por garantido.
O traço está entregue a Chiang – e reparem como Vaughan
escolhe sempre excelentes desenhadores e este é mais um – senhor de um desenho
desenvolto, agradável, expressivo e dinâmico e bem servido pelas cores de Matt
Wilson apropriadas à madrugada em que decorre a maior parte da acção.
No final de um volume surpreendente e de bom ritmo, fica a
dúvida e a curiosidade sobre a forma como Vaughan vai gerir as situações que
criou, numa narrativa ainda com muito em aberto.
O livro foi editado com duas capas diferentes; a amarela,
alternativa, aqui ao lado, esteve à venda em exclusivo durante a Comic Con 2016.
Paper Girls #1
Brian K. Vaughan
(argumento)
Cliff Chiang (desenho)
Matt Wilson (cor)
Devir
Portugal, Dezembro de 2016
170 x 260 mm, 144 p., cor, capa mole
ISBN: 978-989-559-322-4
9,99 €
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua
extensão)
Uma boa surpresa ja andava para comprar o original.Ate tenho aqui 1 Image First dessa serie.
ResponderEliminarEstou ansioso por isto! Pena ser de capa mole, mo entanto, ao menos o preço é compatível com a qualidade da edição. Já o sexo criminoso convidou-me sem hesitações na compra da versão inglesa deluxe.
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