Fernando Relvas faleceu ontem no Hospital Amadora-Sintra. A banda
desenhada portuguesa perde um dos seus maiores criadores das décadas finais do século
XX e uma das suas grandes referências.
Nascido Fernando Carlos Nunes de Melo Relvas, em Lisboa, a 20
de Setembro de 1954, publicou as primeiras bandas desenhadas pouco depois dos vinte
anos, nas revistas “Chico” e "Fungagá”, mas seria a estreia na revista “Tintin”,
em 1978, que lhe começaria a dar visibilidade. Começou com “O Espião Acácio”, uma
crónica bem-humorada da Primeira Guerra Mundial, que aos poucos evoluiu para uma
mistura anárquica de géneros e conceitos, com extraterrestres, Hitler e outros
mais a passarem por lá, no que seria uma das imagens de marca de um autor que viveu
sempre no limite. “Viagem ao centro da Terra, uma adaptação da obra de Jules Verne,
“Rosa Delta Sem Saída”, “Cevadilha Speed” e “L123” foram as obras seguintes na mesma
publicação. Com o seu fim, Relvas saltou para o semanário “Se7e”, de que se tornou
uma das figuras mais visíveis.
Amante da noite lisboeta, retratou-a como ninguém nas suas
bandas desenhada, que espelhavam uma certa marginalidade, a irreverência, o
experimentalismo e a sede de liberdade que se viveram nos anos 80 em Portugal. Num
preto e branco contrastante ou com cores vivas, dominando as mais variadas
técnicas, da tradicional tinta da Cina a pincel aos lápis de cor, do carvão ou
até às lâminas de barba, foi criando obras marcantes com títulos chamativos como
“Concerto para Oito Infantes e um Bastardo”, “Niuiork”,”Sabina”, “O Diabo à Beira
da Piscina”, “Nunca Beijes a Sombra do Teu Destino”, “Karlos Starkiller” ou “O
Atraente estranho”.
O fim do “Se7e”, em 1988, levou-o a publicar de forma
dispersa em diversos jornais, revistas e fanzines, e a levar para a sua obra a
sua outra paixão, a História de Portugal. Não aquela que se aprende nas
escolas, mas a vivida pelos protagonistas anónimos que a permitiram e para ela
trabalharam – e em tantos casos morreram, revelada em “O rei dos Búzios”, “Em
Desgraça” ou “Çufo”.
Já neste século, desiludido com o seu país e com as
dificuldades de publicação, viveu alguns anos no estrangeiro, nomeadamente na
Croácia, onde criou diversos webcomics, como “Palmyra”, “Costa” 1 e 2, “Li
Moonface” ou “Nau negra”.
Ao longo da vida, o seu trabalho foi objecto de várias
exposições antológicas, a começar pela proposta pelo Salão Internacional de BD
do Porto, em 1995, até à mais recente, no Amadora BD 2017.
A justa apreciação das suas obras é dificultada por muitas delas
estarem inéditas em álbum e haver outras tantas espalhadas por diversas
pequenas editoras (ASIBDP, BaleiAzul, Livros Horizonte, Polvo, El Pep,
pedranocharco…), em edições difíceis de encontrar. Seria uma boa altura para
alguém pensar numa edição antológica que reunisse uma selecção representativa
do seu legado.
Por isso, neste momento, torna-se mais difícil homenagear
Relvas da forma que ele merecia: (re)lendo a sua obra, entre copos, como ele
certamente faria, de forma impulsiva, repentista, anárquica, como ela foi
criada.
(versão revista e aumentada do texto publicado no Obituário
do Jornal de Notícias de 22 de Novembro de 2017; pranchas das diversas obras
retiradas do blog Hard Line, do próprio Relvas, onde algumas delas podem ser
lidas integralmente, clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)
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