23/01/2019

Starlight: O Regresso de Duke McQueen

Uma boa 'coboiada'




Confesso a minha surpresa quando vi este livro entre as melhores edições de 2018 para o seu editor, José de Freitas. Resgatei-o, por isso, do meio da pilha de leituras por fazer onde estava mais ou menos anodinamente, para tentar compreender o porquê dessa indicação. Revelou-se uma boa 'coboiada'...

Há histórias perenes e intemporais, que podem ser contadas vezes sem conta, basta apenas dotá-las de novas roupagens: alterar o local da acção, substituir os protagonistas, dar um toque nos pormenores. Isso, a par da capacidade inventiva e narrativa dos autores, pode proporcionar obras novas e estimulantes.
Starlight: O regresso de Duke McQueen, uma das últimas edições de BD de 2018, é um bom exemplo. O protagonista é um velho herói galáctico de um planeta distante e desconhecido, onde foi ter por acaso, considerado na Terra um sonhador ou um maluco - depende dos pontos de vista - inclusive pelos próprios familiares, de quem vive afastado, numa existência solitária desde a morte da mulher, a única que acreditava nele.
Até que um dia, um adolescente, proveniente do mundo que um dia salvou, lhe entra em casa. Idolatrado naquele universo distante, os seus serviços são de novo necessários face à ascensão de um novo ditador.
É uma história que se repete: podia decorrer na época medieval, com um qualquer senhor feudal que oprimisse os seus servos a ser combatido por um corajoso cavaleiro; podia ser um western, numa cidade sem lei, reposta por Tex; podia decorrer num de muitos países contemporâneos, ficcionais ou não, com um ditador a enfrentar forças revolucionárias encabeçadas por um herói clássico... mas, à imagem, por exemplo de Flash Gordon, decorre num mundo futurista onde, apesar dos avanços científicos, as necessidades básicas são as mesmas: liberdade, bem-estar, vida em família...
Para a (re)contar, Mark Millar associou-se a Goran Parlov, desenhador com um vasto percurso na Bonelli (Nick Raider, Mágico Vento, Tex...), na Marvel (Viúva Negra, Justiceiro, Homem-Aranha...) ou em séries como Y, o último homem ou Outlaw Nation... o que contribui para o seu grafismo diferenciado, um pouco mais realista nas cenas terrestres e na evocação de uma série de pormenores e referências retro ou a evocar a limpeza gráfica de Moebius nos acontecimentos espaciais.
Quanto à história, cujo tom geral acho que ficou especificado acima, vai saltitando entre a actual vida na Terra de McQueen, o presente no planeta a libertar de novo ou as memórias da sua primeira passagem por lá, estabelecendo pontes entre as diversas épocas e acontecimentos, fazendo de uns momentos de aprendizagem e de outros de redenção e reafirmação, ao mesmo tempo que assistimos ao renascimento de um homem de quem as circunstâncias (especiais) vividas fizeram a um (mesmo) tempo herói e (quase) pária, redescobrindo-se a si próprio e voltando a ser inspiração para quem sempre ouviu evocar os seus feitos.
Boa banda desenhada de aventuras - e que bem sabe ler de vez em quando uma boa 'coboiada', como se dizia noutros tempos, neste caso espacial - bem contextualizada e condimentada, Starlight é um bom divertimento, ao mesmo tempo que afirma que é possível acreditar nos sonhos, mesmos nos mais loucos.

Starlight: O Regresso de Duke McQueen
Mark Millar (argumento)
Goran Parlov (desenho)
G. Floy
Portugal, Dezembro de 2018
190 x 280 mm, 168 p., cor, capa dura
14,00 €

(versão revista e aumentada do texto publicado no J0rnal de Notícias de 15 de Janeiro de 2019; imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

9 comentários:

  1. Tambem gostei bastante! Daquelas ediçoes bonitas de se ter na prateleira!

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  2. Terei de citar the maltese falcon.
    "the stuff that Dreams are made..."

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  3. Ser uma boa coboiada, não chega para eu o adquirir.
    Digamos que já considero o Mark Millar e respectivo "MillarWold", mais Hype que outra coisa.

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    1. Nas palavras dos Public Enemy...

      https://www.youtube.com/watch?v=LK8sxngSWaU

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  4. Já li e está bem "esgalhado" mas atualmente os trabalhos do Millar parecem o recauchutar de personagens antigos como o Warren Ellis e o Alan Moore costumam fazer.

    Este Duke parece-me demasiado um remake de referências de filmes e outros comics, como o Unforgiven, o Flash Gordon e o John Carter de Marte.

    Se eu não conhecesse estes trabalhos talvez apreciasse mais.

    O Empress parece-me mais bem conseguido.

    O Hype do Millar não é por acaso, parece que actualmente cria guiões ilustrados para serem levados ao cinema e à tv.

    Este é flagrante, não é complexo, assim como o Reborn, o Superior, um bocado preguiçosos e formulaicos.


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    1. "parece que actualmente cria guiões ilustrados para serem levados ao cinema e à tv."
      Ou não tivesse ele vendido a MillarWorld à Netflix e anunciado que tudo o que lança desde então é para ser adaptado a série/filme;)

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    2. Confesso que não sabia disso.

      A arte pode ser comercial e de qualidade desde que não seja demasiado simplória e feita para agradar a todos, a linha é ténue.

      Mas já reparei que nas últimas obras existe uma retenção para não levar as coisas longe demais, evitando o obsceno e a violência demasiado gráfica.

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    3. Nota-se que reduziu ao "gore" mas continua polémico e não perdeu o hábito de tentar chocar os leitores. P.ex. no recente Magic Order há uma personagem que é "escapista" que descobriu o seu talento quando escapa ao seu próprio aborto. Puro choque pelo choque habitual no Millar. No entanto também já se vê alguma interferência editorial. Uma capa desta série tinha uma personagem totalmente nua onde só e viam os pêlos púbicos e à última da hora colocaram-lhe uns boxers para tapar os ofensivos pêlos.

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  5. O livro é uma homenagem ao flash Gordon,trazendo aquele saudosismo de bd ou contos de ficçao cientifica da década de 10 ou 30. Gostei essencialmente da humanidade que a obra me transmitiu. Recomendo, um livro leve, divertido e muito cativante.

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