26/06/2019

Spirou e Fantásio de Franquin #9 e #10

 
Arqueologia
O interesse de uma colecção como esta, que a ASA dedicou ao Spirou de Franquin - um pouco à boleia dos magníficos intégrales que há uns anos a esta parte se multiplicam no panorama editorial francófono - vai mais além das simples histórias em si ou da possibilidade de (re)descoberta das grandes aventuras do protagonista.
Dois álbuns como estes, especificamente, valem pelo trabalho de (nalguns casos quase) arqueologia que esteve na sua origem (francófona…) e permitiu recuperar as primeiras aventuras de Spirou e Fantásio assinadas pelo seu melhor intérprete ou histórias de menor dimensão que geralmente se ‘perdem’ como narrativas secundárias no final de álbuns ou até nem sequer se encontram já neste formato.
As histórias do primeiro álbum - A herança e outras aventuras - e as primeiras do segundo - Os Chapéus pretos e outras aventuras - originalmente publicadas entre 1947 e 1950, na passagem de testemunho de Jijé - ainda com algumas intervenções pontuais nalgumas narrativas - para Franquin, possivelmente estão tão distantes do ‘verdadeiro Spirou de Franquin’ que todos (re)conhecemos e citamos, quanto as actuais versões deste mesmo personagem.
A planificação - cinco tiras por página, três vinhetas por tira, quase sem excepções - o traço já vivo e muito dinâmico, mas ainda incipiente, e os argumentos, claramente escritos ao correr da publicação, sem grandes linhas mestras orientadoras de base, divertidos e com bastante nonsense mas igualmente com muitos clichés - as vantagens do empreendedorismo, a herança do tio desconhecido, as aventuras africanas, o sábio louco, os autómatos em particular e as invenções em geral, a abordagem (inesperada) ao western, … - espelham um autor ainda à procura (do melhor) de si próprio, embora os alicerces já sejam reconhecíveis nestas obras - e mesmo um género narrativo ainda em fase de definição. Veja-se, por exemplo - embora seja mais perceptível num edição sem cor - a forma como Franquin já trabalhava tão bem o uso de silhuetas negras de forma tão contrastada, técnica que muitos anos mais tarde estaria na base das suas fabulosas Ideias Negras.
Para alguns, estas leituras, hoje, revelar-se-ão desinteressantes porque demasiado datadas. Para outros, será com horror que afastarão o livro, ao ver a facilidade com que a violência é usada, o tratamento dado a alguns animais ou o retrato estereotipado dado aos negros africanos que figuram em A Herança ou em Spirou e os Pigmeus - e que se afasta pouco dos (bem mais mediáticos) negros de Tintin no Congo. Para outros ainda, os que mais desfrutarão com estes álbuns, será um prazer descobrirem - ou recordarem - os primeiros passos - melhor teria sido escrever ‘corridas desenfreadas’ - de Spirou e Fantásio nas mãos de Franquin e perceber como a série - sem renegar as suas origens - cresceu, se desenvolveu, se foi afinando em termos gráficos e narrativos, até se tornar uma referência incontornável.

Nota 1
Evidentemente, de um simples ponto de vista cronológico, estes dois livros deveriam ter sido os primeiros da colecção. Pelo atrás exposto, teria sido um erro em termos comerciais e, possivelmente, a garantia de fracas vendas dos seguintes.
A alternativa da numeração não corresponder às datas de presença nas bancas, teria sido viável - embora fonte de alguma confusão - apesar de, devido ao número fixo de páginas por volume, ter havido necessidade de alguns ajustes na ordem cronológica das histórias.
Na prática, o que realmente interessa, é que estas são (mais) duas edições muito interessante, no seio de uma colecção bem conseguida graficamente, que espelha mais uma vez o bom momento editorial da BD no nosso país.

Nota 2
As histórias contidas nestes dois volumes agora editados foram lidas por mim aqui e ali, em várias edições, nomeadamente nos álbuns Spirou e Fantásio #3 - Os Piratas do Silêncio e #17: A Herança (edição ASA/Público, 2007) Spirou et Fantasio L’Intégrale #1 e #2 (Éditions Niffle Cohen, 2000) e Spirou e Fantasio Intégrale #5 Mystérieuses créatures (Dupuis, 2008) e o texto acima escrito a partir delas e não da versão actualmente em curso.

Spirou e Fantásio de Franquin
#9 A herança e outras aventuras
#10 Os Chapéus pretos e outras aventuras
Franquin
ASA/Público
Portugal, 19 e 26 de Junho de 2019
212 x 292 mm, 120 p., pb, capa dura
11,90 €

(capas disponibilizadas pela editora; pranchas provenientes de diversas edições francesas; clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)

4 comentários:

  1. Saíu um novo livro BD pela gradiva.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Agradeço a colaboração que tem prestado, mas este não consegui identificar... Não sabe o título ou autores, por acaso?
      Obrigado.
      Boas leituras!

      Eliminar
  2. Foi um erro meu. Peço desculpa. Precipitei me e nao vi a dats de publicação. Era uma reposição "a conspiração a história secreta dos protocolos dos sábios de Sião de Will Eisner. De 2005 e 2 edição maio de 2019.

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...