21/11/2019

Tenente Blueberry: Amertume Apache

 
Mas que Blueberry é este?
Alguém questionava recentemente a (quase) obsessão franco-belga pela retoma das suas séries mais carismáticas - Spirou à cabeça, claro, mas também Blake & Mortimer, Astérix, Corto Maltese, Lucky Luke e um largo etc. - e dava como primeira resposta - sem questionar a invejável qualidade de algumas dessas retomas - o dinheiro que cada uma delas rende - às editoras e aos autores.
Amertume Apache - com lançamento a preto e branco na próxima sexta-feira e e a cores a 6 de Dezembro - é mais um um exemplo - um dos cada vez mais numerosos exemplos - por ter como protagonista um certo tenente Blueberry. ‘O’ tenente Blueberry em que todos estamos a pensar? A resposta - difícil de dar - variará de leitor para leitor…
...que de certeza serão muitos e garantirão muito do tal dinheiro.

Comecemos pelo lado gráfico, o primeiro que é possível apreciar. Sfar e Blain são dois dos autores daquilo a que poderíamos genericamente chamar a ‘geração l’Association’. Autores que privilegiam a liberdade temática e narrativa - fugindo do espartilho das 48/64 páginas e do formato franco-belga - e que colocavam à frente do desenho a sua urgência narrativa.
O que não significa que estes dois em particular - e alguns mais - sejam graficamente maus, apenas fogem aos canônes da produção franco-belga. O que lhes garantia uma cadência de produção absurdamente rápida, traduzida em vários álbuns por ano.
Escrito isto, fica já esclarecido que os que forem procurar em Amertume Apache o apuro técnico e o soberbo traço realista de Jean Giraud, vão ter uma profunda desilusão. Por isso - com exceção do beberrão Jimmy McClure - desistam de tentar identificar quem quer que seja. O que não é sinónimo de falta de qualidade gráfica de Blain que, assente no seu traço característico, simples, despojado e numa boa planificação, em que os enquadramentos vão mudando segundo as necessidades de ritmo e narrativas, para trazer até ao leitor o mais possível, nos oferece um sólido suporte narrativo.
Outra diferença fundamental entre o Blueberry original de Charlier e Giraud e este, de Sfar e Blain, é a diferença de ritmo. Charlier narrava a um ritmo vertiginoso, contando numa ou duas páginas o que para outros daria quase para meio álbum. Amertume Apache tem um ritmo lento - até quando se trata de tiroteios - que dá ao leitor tempo para interiorizar tudo o que decorre perante os seus olhos e integrá-lo numa paisagem, quase sempre selvagem, mas de representação contida.
Finalmente - e talvez devesse ter começado por aqui… - falemos do protagonista. O Mike Blueberry deste álbum continua a ser (pouco) um militar, avesso a ordens, rotinas e hierarquias e continua também a privilegiar o diálogo com os índios, recorrendo à força e às armas apenas em caso de extrema necessidade. Mas… mesmo para ele,surge demasiado indolente, demasiado desligado, demasiado distante do protagonismo a que é obrigado e mesmo com algumas escolhas que o afastam do Mike Blueberry que nós (re)conhecemos. Pelo que, se o protagonista não se apresentasse como o tenente Mike Blueberry, mas tivesse um outro nome qualquer, a narrativa em si não perdia nada - para além do (financeiramente agradável) efeito mediático.

Posto tudo isto, estamos então perante um mau álbum de BD? Não, de forma nenhuma. Amertume Apache é uma história que prende, que nasceu com uma base - duas mulheres índias mortas (mais ou menos) acidentalmente na sequência de uma tentativa de violação por um (de três) jovens brancos - e que, na boa linha de l’Association, ganha vida própria, cresce e começa a incorporar outros argumentos: a vontade de Blueberry de deixar o exército, uma comunidade com regras próprias que vive à parte do exército e dos índios, a paixão (correspondida…) da mulher do oficial que comanda o destacamento de Blueberry por este último, um crescendo da violência entre índios e brancos e vice-versa… num crescendo que se desenrola como o fio de uma meada que parece interminável e que faz com que cheguemos à última página sem respostas e fiquemos pendurados da sua continuação.
O que, conhecendo Sfar e Blain, tanto pode ser muito em breve, se se dedicarem de imediato ao segundo tomo, como daqui a muito tempo, se entretanto se dispersarem por (muitos) outros projectos!

Amertume Apache, tome I
Une aventure du Lieutenant Blueberry
Joann Sfar e argumento)
Christophe Blain (desenho)
Dargaud

Edição a preto e branco
França, 22 de Novembro de 2019
240 x 320 mm, 64 p., pb, capa dura
EAN 9782205083798
19,99 €

Edição a cores
França, 6 de Dezembro de 2019
240 x 320 mm, 64 p., cor, capa dura
EAN 9782205077988
14,99 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

8 comentários:

  1. muito curioso com este album..será que será editado por Portugal..?

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    1. Embora me pareça pouco provável, no actual momento editorial acho que tudo é possível!
      Boas leituras!

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    2. é mesmo! estou também indeciso se compro o fora de coleção pelo Schuiten do B&M..

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    3. Vasco, quando o B&M do Schuiten saiu em França, a ASA adiantou a hipótese de o lançar em português no final do primeiro trimestre de 2020...
      Boas leituras!

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    4. Diria que é quase certo que será editado em Portugal, dado o interesse de várias editoras, e como já se viu com "O Homem que Matou Lucky Luke", a ASA já não consegue garantir que outros não editam caso não queira ela editar.

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  2. Talvez compre.

    Mas a preto e branco é intragável, a cor fica menos indigesta, atenua o desenho mal feitinho para quem estava habituado a Giraud.

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    1. Não é Giraud, de todo, mas também não acho que o preto e branco seja assim tão mau...
      Boas leituras!

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  3. O desenho parece-me excelente. Para lá do Giraud nenhum dos desenhadores que se seguiram conseguiu a expressividade das personagens e o traço dinâmico que vemos nesta amostra.

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