O sagrado e o profano perigosamente próximos
O primeiro
dos dois volumes previstos de O
Nome da Rosa
é uma das surpresas editoriais do ano, não só em Portugal, onde a
Gradiva acompanhou de perto a edição original, mas um pouco por
toda a parte.
A principal
razão é a junção de dois nomes grandes da narrativa, Umberto Eco,
da literatura, e Milo Manara, da banda desenhada. A uni-los, no
presente, está o emblemático romance de Eco, publicado pela
primeira vez em 1980, que Manara apresenta agora na sua versão aos
quadradinhos.
Escolha inesperada, pode dizer-se, pela fortíssima predominância masculina nos protagonistas e figurantes, uma vez que o ilustrador italiano é mais conhecido pelas suas obras eróticas e pelas belas e sensuais mulheres que nelas sempre desenhou - embora alguns defendam que se trata sempre da mesma… Mas escolha de alguma forma em linha com a última proposta que Manara nos proporcionou, a biografia de Caravaggio (edição Arte de Autor).
Se adaptar um romance em BD nunca é fácil, O Nome da Rosa tinha como contra acrescido o peso das suas palavras e os diálogos com muitos frases em latim e isso reflecte-se de alguma forma na versão desenhada, com algumas páginas sobrecarregadas de balões para situar o leitor no âmago da intriga.
E se é verdade que este relato pode ser classificado como um romance policial no século XIV, ambientado numa abadia beneditina isolada no topo de uma montanha, onde os cadáveres começam a multiplicar-se de forma perigosa, a verdade é que a investigação levada a cabo pelo (equilibrado) inquisidor frei William de Baskerville, vai bem além disso, quer na forma como contextualiza histórica e religiosamente a acção que decorre sob a sombra ameaçadora da então omnipresente Inquisição, quer pela ironia com que que Eco aborda a questão da teoria versus a prática na religião, quer ainda pela sólida caracterização dos intervenientes.
Graficamente a obra assenta em três registos diferentes, consoante o momento da narrativa apresentado e, se a divisão da prancha em vinhetas se apresenta quase sempre demasiado rígida, é quando se liberta desse espartilho que Manara mostra que, apesar dos seus quase 80 anos, continua a ser um mestre na representação do ser humano e na composição de sequências que ficam na retina pela sua beleza plástica.
No final do primeiro dos dois volumes previstos, O Nome da Rosa de Milo Manara deixa o leitor em suspenso, com a incerteza de dever atribuir as mortes a desígnios divinos ou à interpretação destes pelos sempre falíveis seres humanos.
O
Nome da Rosa I (de
II)
Adaptação
do romance de Umberto Eco
Milo
Manara
Gradiva
Portugal,
Maio de 2023
215 x
300 mm, 80
p., cor,
capa dura
24,50
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias online a 6 de Julho de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Alguns dizem que é sempre a mesma? Não!
ResponderEliminarA "mesma" nesta capa saltou-me aos olhos em "flash bright" com uma brincadeira de colagem feita por alguém para brincar com as "mesmas" do Manara, tal é o destoamento da dita-cuja naquela capa.
Dito isto, muito bem vinda esta edição da Gradiva, que eu penso que vou gostar, embora tivesse gostar de ver mais uma páginas.
O Manara é um excelente artista, peca é mesmo pela repetição pois desenha sempre a mesma figura de mulher há décadas, a única coisa que muda é o pelame e tem aquela mania de as colocar de boca aberta tipo bonecas insufláveis.
ResponderEliminarNo trabalho Lockdown Heroes resolveu esse problema pondo máscaras 🤭
EliminarParcialmente, porque não é só a cara que é igual, é tudo.
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