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14/02/2014

Spirou et Fantasio: Mystèrieuses créatures








Um dos aspectos que distingue um clássico de uma obra banal é a sua intemporalidade, que se revela quer pela forma como se mantém uma leitura estimulante independentemente da passagem do tempo, quer pela forma como nos consegue surpreender a cada nova leitura.
Le nid des Marsupilamis é um desses casos, um dos vários que nos legou o génio criativo de Andre Franquin.

A justificação vem já a seguir.

04/04/2013

Na pista do Marsupilami












Um ano depois da estreia francesa, chega hoje às salas de cinema nacionais “Na pista do Marsupilami”, que transpõe para o grande ecrã uma das mais originais criações da banda desenhada.

Dirigido por Alain Chabat, que também o interpreta o protagonista, o repórter Dan Geraldo, foi o terceiro filme mais visto em França em 2012, com 5,3 milhões de espectadores. O comediante francês já tinha acumulado a realização com um dos papéis noutra adaptação de uma BD, “Astérix e Obélix: Missão Cleópatra”, em 2001.
Para o sucesso do filme, a par da popularidade da persona-gem dos quadradinhos, contribuiu também o tom familiar da película, escrita e montada de forma a poder agradar a todos os públicos, graças aos vários níveis de humor explorados. As dificuldades esperadas de transpor do papel para o ecrã uma personagem tão dinâmica quanto este estranho animal, acabam por ser relativamente bem resolvidas no filme, que privilegia os resultados das suas acções, deixando-o muitas vezes na sombra, o que alimenta a curiosidade do espectador e aumenta o impacto das suas aparições, pontuais mas decisivas.
Igualmente bem acolhido pela crítica francesa, “Na pista do Marsupilami” começa quando Geraldo chega a Palômbia, uma república das bananas sul-americana, em busca de um furo jornalístico. Longe de imaginar que vai descobrir uma criatura mítica, desconhecida do mundo civilizado, o extraordinário Marsupilami com a sua longa cauda, apurada inteligência e grande irritabilidade quando contrariado, contrata como guia um pequeno aldrabão local, Pablito (interpretado por Jamel Debbouze, apresentador da cerimónia de entrega dos Césars deste ano e o arquitecto Numerobis do filme de Astérix referido), e juntos embrenham-se na densa selva onde depararão com piranhas esfomeadas (o pitéu preferido do Marsupilami), um ditador com um grande segredo e uma tribo indígena que preserva uma antiga profecia…
O elenco, que inclui ainda o comediante Fred Testot, (a também realizadora) Géraldine Nakache ou Lambert Wilson, na versão dobrada emportuguês conta com as vozes de Alice Santos, António Vaz Mendes, Joana Carvalho, Jorge Mota, Rui Oliveira e Teresa Queirós.

Estreia na BD em 1952
Com cerca de um metro de altura, várias vezes multiplicada na sua cauda interminável, que lhe serve para mil e uma funções, amarelo com bolas negras, ovíparo, carnívoro e dotado de uma enorme inteligência o Marsupilami é uma das mais extraordinárias criações dos quadradinhos.
Imaginado por Franquin, estreou-se a 31 de Janeiro de 1952 na etapa final de “Spirou e os herdeiros”, na qual encontrá-lo era uma das condições para Fantásio receber uma herança. Capturado o Marsupilami e ganho o desafio, Spirou e Fantásio decidem devolvê-lo à sua selva natal, na Palômbia. Afeiçoado aos seus novos amigos, o extravagante animal segue-os para casa, passando a integrar as suas aventuras, até Franquin deixar a Dupuis, no final da década de 1960, levando consigo o extravagante animal, que protagonizaria histórias a solo, a partir de 1986.
Agora, tudo indica que Spirou, Fantásio e o Marsupilami se poderão reunir novamente, pois no passado mês de Março a Dupuis comprou a Marsu Productions que detinha os direitos do Marsupilami (e também de Gaston Lagaffe).

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de hoje, 4 de Abril de 2013)

12/06/2012

Spirou – QRN sobre Bretzelburgo












Franquin (argumento e desenho)
Greg (argumento)
ASA (Portugal, Maio de 2012)
215 x 300 mm, 48 p., cor, cartonado
13,90 €


Resumo
Em busca de Fantásio, raptado por engano, Spirou parte para Bretzelburgo, um pequeno país que vive sob uma ditadura militar.

Desenvolvimento
Como muitos da minha geração, dei os primeiros passos aos quadradinhos com as revistas Disney e da Turma da Mônica e também com os álbuns de Astérix e Lucky Luke. Com estes, de certa forma, a BD franco-belga – minha principal futura referência - marcava terreno. Tintin, viria mais tarde. Spirou, também, mas em álbuns de Fournier – longe, portanto, dos seus melhores períodos – pelo que nunca constituiu para mim uma série de eleição.
Claro que, anos depois, descobri os álbuns escritos e desenhados pelo genial Franquin - muitos dos quais verdadeiras obras-primas que continuo a reler com deleite – assentes num humor delicioso, um imaginário fantástico e um magnífico sentido de aventura – sempre combinados em doses diferentes - mas já era tarde para que o groom e o seu colérico amigo Fantásio me pudessem marcar emocionalmente, limitando-se – e não é pouco – a uma forte impressão mais racional.

Este “QRN sobre Bretzelburgo” é uma daquelas jóias. Criado por Franquin – com uma mãozinha de Greg – logo após o magnífico interlúdio “Bravoles Brothers”, de certa forma arranca no mesmo tom humorístico, com um longo e irresistível gag em torno de um mini-rádio.
Este fará a ligação para a trama central, em que (aparentemente) predomina a aventura, narrada em ritmo acelerado, de cortar a respiração, com o foco da acção a saltar alternadamente entre os acontecimentos protagonizados em locais e condições diferentes por Spirou e por Fantásio, com uma assinalável mestria narrativa.
Mas, a este mote aventuroso - e por isso incluí atrás aquele “aparentemente” – sobrepõe-se e predomina neste álbum um tom profundamente irónico pois, a reboque daquele pretexto, Franquin e Greg aproveitam para ridicularizar não só os regimes totalitários – e na época eles eram muitos… - e as suas bases – militarismo, tortura, espionagem, delações, opressão… - bem como tudo aquilo que a eles possa ser de alguma forma associado, nem que isso seja a resistência, a luta pela liberdade ou as aspirações (legítimas) dos oprimidos, numa surpreendente subversão de uma banda desenhada grande público que era publicada numa revista infanto-juvenil…!

A reter
- A ironia, a mordacidade, o sarcasmo e o humor com que a dupla de autores retrata uma ditadura e os seus efeitos colaterais (como se diria hoje).
- O dinamismo e a agilidade do traço nervoso e expressivo de Franquin.
- A oportunidade da edição da ASA, repondo um título que entre nós tinha tido uma única edição – da Arcádia - há 35 anos.



09/05/2012

Bravo les Brothers












Colecção Dupuis Patrimoine
Franquin
Dupuis (Bélgica, 6 de Abril de 2012)
230 x 310 mm, 88 p., cor, cartonado
24,00 €



Resumo
Este álbum divide-se em duas partes.
A primeira reproduz “Bravo les Brothers”, com um novo colorido – baseado no original – da responsabilidade de Frédéric Janin, antigo colaborador de Franquin, com a participação da filha deste, Isabel Franquin.
A segunda reproduz os originais a preto e branco – sublimes! – de Franquin, a par dos comentários de José-Louis Bocquet e Serge Honorez que, a propósito de cada prancha, evocam a personalidade, a carreira, a obra ou as personagens do genial criador de BD, contextualizando-as no quotidiano da revista belga “Spirou” e na sua época.

Desenvolvimento
A proximidade do aniversário de Fantasio, leva Gaston Lagaffe a procurar uma prenda para ele. Prenda que, inevitavelmente, terá tanto de inusitado quanto de surpreendente e catastrófico, como é seu timbre.
No caso, Gaston adquire um trio de chimpanzés, encontrados nos saldos de um circo falido.
Os símios - muito susceptíveis – incentivados e aplaudidos por Gaston, passam então a fazer da redacção da revista Spirou um autêntico circo, infernizando a vida de Fantasio em particular e de todos em geral, com os seus malabarismos, habilidades e pontaria (in)falível, com os gags, as situações rocambolescas, os acontecimentos inusitados e os “acidentes” a sucederem-se a um ritmo impressionante, num monumento de pura diversão.
Em especial na primeira dúzia de pranchas, Franquin faz gáudio do seu génio para os quadradinhos, aliando ao seu traço vivo, vigoroso, ágil e muito expressivo, uma soberba técnica narrativa, uma planificação dinâmica e um sentido de humor irresistível para o leitor.
A título de parêntesis, refira-se que esta BD, criada numa época de depressão (!) do autor, quando ponderava o abandono das aventuras de Spirou – de que viria a desenhar apenas mais um álbum – foi escolhida por ele como a sua preferida, surgindo a meio caminho entre uma aventura – quase caseira – de Spirou e os habituais gags de Gaston.
O resultado – já atrás ficou explícito – é magnífico, não só pelo humor e sentido narrativo, mas também porque ela serve de pretexto para humanizar um pouco o “perfeitinho” Spirou, que nela se exaspera, duvida e hesita…
Quanto a Fantasio, assoberbado pelos chimpanzés, passa metade da história sobre o efeito de calmantes – “drogado”, pois! – sendo um tratado a panóplia de expressões com que Franquin o dota, bem como a sequência em que o (inevitável) De Mesmaeker traz os (também inevitáveis) contratos para assinar.

A reter
- A genialidade de Franquin, bem expressa em 22 soberbas pranchas de BD. Um monumento!
- A excelente edição da Dupuis, quer a nível gráfico, quer pelo seu conteúdo, pois a par das duas versões da BD e dos comentários, há ainda diversos esboços e desenhos extra para apreciar, o que faz dela um documento imperdível para os fãs de Franquin e todos aqueles que gostam de banda desenhada.
- A forma simples e dinâmica como Bocquet e Honorez traçam um capítulo muito importante da história da BD franco-belga e da obra de Franquin.



27/04/2012

Gringos Locos













Yann (argumento)
Schwartz (desenho)
Dupuis (Bélgica, sem data anunciada)
48 p., cor





Regresso a “GringosLocos” para anunciar que este álbum vai finalmente ser posto à venda no mercado francófono no próximo dia 4 de Maio.
Narração ficcionada de uma famosa viagem aos Estados Unidos e México feita por Jijé com a mulher, quatro filhos, Franquin e Morris, nos anos 50, teve o lançamento inicialmente anunciado para 12 de Janeiro, mas foi diversas vezes adiado devido à controvérsia que opôs os descendentes de Jijé e Franquin aos autores, Yann e Schwartz.
Agora, após obtenção de um acordo, mediado pela editora Dupuis, o álbum será finalmente posto à venda, aumentado de um caderno de 10 páginas com fotos dessa viagem e uma longa entrevista de José-Louis Bocquet a Benôit Gillain, um dos filhos de Jijé, na qual ele evoca muitas das memórias que guarda dessa verdadeira odisseia e esclarece, contextualiza ou complementa, os aspectos da banda desenhada que chocaram os filhos de Jijé e a filha de Franquin pelo retrato distorcido dos seus pais e os levaram a oporem-se inicialmente à edição desta obra.
Direito de resposta para uns, limitação à liberdade de expressão para outros, a polémica levantada por este caso – que certamente só existiu devido à importância dos três autores em causa no panorama da BD franco-belga - não ficará certamente por aqui e, para além de ter servido como uma boa campanha publicitária extra para um álbum, de si já muito aguardado, poderá ter aberto precedentes que só o futuro confirmará.
Se em termos puramente criativos, o dossier nada adianta ao álbum que (man)tém muitos motivos de interesse, pois está bem escrito e desenhado e é francamente divertido, em termos históricos revela-se determinante pois ajuda a compreender – no seu tempo - e a conhecer melhor três homens – três autores de banda desenhada de excepção - que marcaram uma época e cujas obras continuam actuais e a serem (re)lidas hoje em dia e contribui decisivamente para a escrita de (mais) uma página marcante da História das histórias aos quadradinhos criadas na Bélgica e na França.

 


28/02/2012

Gaston Lagaffe: 55 anos de trapalhadas









Se a história da banda desenhada humorística é feita em boa parte
à custa de preguiçosos e trapalhões, poucos terão encarnado tão bem esses dois papeis como Gaston Lagaffe, que se estreou nos quadradinhos há 55 anos.
Criação de André Franquin (1924-1997), que já tinha passado com bastante sucesso pelas aventuras de Spirou, onde criou o Marsupilami, Gaston, curiosamente, começou por deambular pelas margens das páginas da revista Spirou, antes de ter direito a espaço próprio.
Isso aconteceria a partir do nº985, de 28 de Fevereiro de 1957, onde Gaston surgiu com uma aparência bem diferente daquela que mais tarde assumiria: cabelo curto, blaser e lacinho vermelho, que progressivamente se transformaram em camisola de gola alta verde e jeans azuis que combinavam melhor com o seu cabelo farto, revolto e desgrenhado, com a sua personalidade distraída, inventiva e fantasiosa e com a sua preguiça proverbial.
Por isso, o trabalho sempre atrasado, o correio por entregar, uma habilidade especial para fazer gorar os contratos com o sr. De Desmaeker, as invenções com tanto de surpreendente quanto de inútil, o velho Fiat 509 literalmente a cair aos pedaços, os seus irritantes animais de estimação (um gato hiper-activo e uma gaivota sarcástica) e, acima de tudo, o ensurdecedor broncofone, levaram ao desespero muitas vezes os seus colegas da redacção da revista Spioru, onde decorriam as suas aventuras de papel.
Com ele, Franquin, um autor introvertido e de carácter depressivo, deu largas ao seu génio de contador de histórias em quadradinhos e revelou um sentido de humor irreverente e contagiante que fizeram dele um grande sucesso ao longo de cerca de 40 anos de publicação.
Em Portugal, a criação de Franquin foi estreada como Zacarias no nº2 do Foguetão, em Maio de 1961, revista em que teve passagem meteórica. Depois, divertiu igualmente os leitores do Zorro, Spirou, Jacaré e Selecções BD.
A primeira edição nacional em álbum, como Gastão Dabronca, esteve a cargo da Arcádia, a partir de 1978, tendo estado presente igualmente nos catálogos da Meribérica/Líber (a partir de 1989) e da ASA, que fez a sua edição integral na colecção Gaston -Os Arquivos do Lagaffe, distribuídos com o jornal Público no Verão de 2010.


31/01/2012

Marsupilami: 60 anos e uma longa cauda


Há 60 anos, os leitores do nº 720 da revista belga Spirou, descobriam pela primeira vez um dos mais exóticos, inteligentes e simpáticos animais que a banda desenhada já conheceu: o Marsupilami.

 A sua estreia deu-se na prancha 49 de “Spirou e os Herdeiros”, primeiro como silhueta furtiva na segunda tira, depois exibindo já algumas das suas características únicas.

Em jeito de parêntesis, diga-se que o Marsupilami é um mamífero ovíparo, natural da selva de Palômbia, uma conturbada república da América latina. O seu pêlo é geralmente amarelo com manchas pretas – tal como o do jaguar que o teme – mas conhecem-se casos de animais desta espécie completamente negros.

Dotado de grande inteligência, curiosidade e sentido de humor, revela também uma enorme força. A sua agilidade evoca a dos chimpanzés, a cuja estatura se assemelha, mas tem como característica distintiva uma longa cauda, que pode ultrapassar os 20 metros, e que utiliza para se deslocar, pescar, defender e atacar.

Alimenta-se de pulgas, nozes e piranhas, utiliza ferramentas e constrói enormes ninhos suspensos, onde se reveza com a companheira na guarda e alimentação das crias.

Pode nadar, correr ou deslocar-se nas árvores, consegue imitar a fala humana mas o seu som característico é um sonoro “houba”.

Fora da banda desenhada, poucos são aqueles que se orgulham de ter visto um, mas, em 1988, o IV Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto orgulhou-se de exibir um espécimen com cerca de 4 metros de altura e uma longa cauda… todo em peluche!

Fechado o tal parentesis, convém dizer que a sua criação se deve ao genial André Franquin (1924-1997, igualmente “pai” do trapalhão Gaston Lagaffe), e a sua descoberta a Spirou e Fantásio. Encontrá-lo era a última de três provas que este último tinha de superar para, numa disputa com o seu primo Zantáfio, receber uma herança que se haveria de revelar… inexistente!

Depois de o descobrirem e capturarem na selva palombiana, Spirou e Fantásio entregaram-no a um jardim zoológico de onde, na aventura seguinte, acabariam por o libertar para o devolver ao seu habitat natural. Só que então, o exótico animal decidiu segui-los de volta à civilização, grato pela sua amizade… ou porque Franquin decidiu mantê-lo nas suas histórias devido ao sucesso que o Marsupilami granjeou junto dos leitores.

Por isso, marcou presença na capa de álbuns como “Spirou e os herdeiros”, “Os ladrões do Marsupilami” ou “O ninho dos Marsupilami”, e protagonizou, a solo, relatos curtos, a partir de 1955.

O simpático animal, temível quando zangado, acompanharia o groom e o seu amigo repórter até 1968, quando Franquin abandonou a série, levando-o consigo e reservando os seus direitos, tendo nos anos seguintes tido apenas aparições esporádicas em histórias de poucas páginas, que viriam a ser compiladas em “Capturem um Marsupilami”, uma edição que assinalou os seus 50 anos.

Em 1987 (re)apareceu numa editora apropriadamente chamada Marsu Productions, como protagonista de uma nova série com o seu nome, sob a égide de Franquin que fez apenas alguns esboços, sendo o desenho confiado ao estreante Batem, tendo-se sucedido nos argumentos Greg, Yann ou Fauche.

Poucos anos depois, a Walt Disney France estreou-o em curtas-metragens animadas, de qualidade bem inferior à série mais popular, que a Marathon e o Canal J desenvolveram a partir do ano 2000.

Em Portugal, se Spirou e Fantásio – que chegaram a ser Serafim (ou Clarim) e Flausino – já eram conhecidos desde 1959, quando se estrearam na revista Camarada, a banda desenhada que apresentou o Marsupilami ao mundo apenas foi publicada em 1975, directamente em álbum, pela Arcádia, embora o animalzinho já tivesse aparecido por cá anteriormente.

Os álbuns com as suas aventuras a solo seriam lançados a partir de 2004, pela Meribérica, tendo a ASA, actualmente, uma vintena deles no seu catálogo.










(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 31 de Janeiro de 2012)

27/01/2012

Gringos Locos













Yann (argumento)
Schwartz (desenho)
Dupuis (Bélgica, sem data anunciada)
48 p., cor, cartonado


Resumo
Em 1948, Jijé, com a mulher e quatro filhos que tinham entre 1 e 10 anos de idade, partiu para os Estados Unidos, igualmente na companhia de Franquin e Morris. Jijé partia temendo uma próxima guerra nuclear em solo europeu e os três pretendiam arranjar emprego nos Estúdios Disney.
Essa viagem, agora evocada na forma de banda desenhada, transformou-se num autêntica odisseia, que acabou por durar 5 anos. Nela, cruzaram os EUA e o México a bordo de um único automóvel, dormiram ao ar livre ou em tendas e sobreviveram graças ao dinheiro que iam recebendo, referente às pranchas que iam desenhando e enviando para a Dupuis.
Durante a sua estadia nos EUA, Jijé, Franquin e Morris, viriam a conhecer Harvey Kurtzman e os outros fundadores da revista MAD, bem como René Goscinny, o que contribuiu para terem um papel decisivo na modernização da BD belga aquando do seu retorno ao país natal.
Este primeiro volume, que se inicia com a partida da Bélgica, conclui-se com os autores a viverem no México e Franquin a receber a notícia de que deveria substituir Jijé à frente de Spirou.

Desenvolvimento
Este é um projecto que Yann acalentava há muitos anos. Nasceu das conversas informais que teve com Franquin (a quem chegou a propor desenhá-lo) e com Morris, quando trabalhou com ambos, e foi crescendo nas suas gavetas ao longo dos anos, ao ouvir aqui e ali anedotas sobre essa mítica viagem. Chaland, que chegou a traçar-lhe uma curta biografia em BD: “La vie exemplaire de Jijé - foi outro dos nomes apontados para o desenhar, mas como a visão de um e outro era díspar, também aí o projecto não avançou.
Finalmente, depois de trabalhar com Schwartz em “Spirou – Le groom vert-de-gris”, Yann propôs-lhe o argumento de “Gringos Locos”, que foi aceite de imediato.
Só para se ter uma ideia da importância deste livro, note-se que foi pré-publicado – em simultâneo, apesar das diferentes periodicidades – no jornal Le Soir e nas revistas Spirou e L’Immanquable.
O álbum é francamente divertido. Por um lado, porque Yann escreve muito bem, combinando a actualidade no México e Estados Unidos com alguns flashbacks ou cenas sonhadas ou imaginadas (nos quadradinhos) pelos autores. Por outro, porque nele são transcritos uma série de gags que parecem apenas possíveis nos quadradinhos, mas que na verdade existiram. É o caso da batalha de água – que incluiu despejar uma banheira cheia pelas escadas abaixo – que teve lugar na véspera da partida, quando as malas já estavam feitas, o que obrigou os 3 autores a partirem vestidos com pijamas (!) emprestados (!!), o facto de terem passado a noite toda a desenhar rachadelas e falhas de pintura na casa, como vingança contra a senhoria, o desenharem as suas bandas desenhadas em frente e verso para pouparem nos portes ou perseguição à família Gillain após terem tentado, inadvertidamente, entrar numa igreja só para negros!
Para além disso Yann recheou o seu argumento com alusões a séries dos autores ou a cenas bem conhecidas dos quadradinhos, o que, sem prejuízo dos outros, possibilita um outro nível de leitura ao leitor mais conhecedor.
Graficamente, Schwartz mais uma vez, revela-se um contador nato aos quadradinhos, com uma linha clara de cores fortes e vivas, muito dinâmica e expressiva, que cativa facilmente o leitor e com a qual acentua os (muitos) momentos cómicos do relato.
Fica, para o fim, o retrato traçado por Yann e Schwartz daqueles três nomes fundamentais da banda desenhada franco-belga e mundial: Franquin, assume a personalidade depressiva e pouco confiante que lhe era (re)conhecida, em absoluto contraste com o humor que expressava nas suas criações; Morris, por seu lado, surge como um brincalhão e um conquistador incorrigível (bem diferente do circunspecto senhor de alguma idade que conheci há anos no Porto);Jijé é apresentado quase com uma personalidade bipolar, capaz dos maiores arrojos mas também das maiores hesitações.

A polémica
E é neste ponto, que assenta a polémica que envolve esta obra.
Recapitulemos: “Gringos Locos” deveria ter sido lançado no passado dia 12 de Janeiro. No entanto, a editora Dupuis, mesmo tendo 35 mil exemplares já impressos, suspendeu-o. Actualmente, a única referência ao álbum no site da editora, é a notícia da anulação de um concurso com ele relacionado.
A razão, veio rapidamente à luz do dia: os filhos de Jijé e a filha de Franquin, conforme divulgado através de diversos órgãos de comunicação social francófonos, não concordavam com o retrato feito dos seus pais no álbum e manifestaram o seu desagrado à editora.
Se algumas fontes chegam ao ponto de afirmar que houve ameaças de retirar do fundo de catálogo da Dupuis as obras de Jijé e Franquin (e até de Morris), Romain Gillain Muñoz, neto de Jijé, há anos radicado em Portugal, negou-o peremptoriamente a As Leituras do Pedro.
Segundo ele, “não há guerra nenhuma com a Dupuis”, nem “foram feitas quaisquer ameaças”. A boa relação entre estas duas partes “já vem desde os anos 1940”, estando apenas a decorrer “conversações para tentarem chegar a um acordo”. A interdição de publicação deste álbum – e do segundo tomo que lhe deverá suceder, sobre a estadia do trio em Nova Iorque – nunca foi equacionada.
Ainda segundo Romain, a família de Jijé, pede apenas a hipótese de beneficiar “de um direito de resposta”, que poderá ser na forma de um encarte a incluir nos álbuns, em que seja afirmado que se trata apenas de “uma obra livremente ficcionada, apesar de conter alguns elementos verdadeiros, e não de uma biografia factual autorizada”, e no qual possam “transmitir uma imagem mais exacta de quem foi o seu pai e avô”.
A principal questão que aponta à obra de Yann e Schwartz é a imagem “demasiado beata e católica do avô, que não corresponde de forma alguma à sua forma de estar, ele que a certa altura deixou mesmo de frequentar a missa”, reforçada “pelo facto de surgir sempre de sandálias – que raramente calçou - como era uso dos missionários católicos” e de ele estar constantemente “a proferir palavrões, que ele nunca utilizava, para mais no dialecto de Bruxelas, que não dominava”.
A isto acrescenta algumas outras questões, como a forma “deselegante e incómoda como é abordada a relação de Jijé com a II Guerra Mundial”, ele que chegou a ser acusado de colaboracionismo, “o que sempre o incomodou, apesar de ser sabido que recebeu durante a guerra vários resistentes em sua casa e que nunca se gabou disso”. E que foi algo de todo inesperado porque Yann e Schwartz, em “Le Groom vert-de-gris”, “tinham dado o rosto de Jijé ao líder da resistência belga, Jean Doisy, um comunista bem conhecido que foi seu amigo”.
Igualmente a questão monetária apresentada – no álbum Annie, esposa de Jijé, pede a Morris e Franquin que paguem o alojamento e as refeições – revolta os familiares do criador de Jerry Spring, pois “é sabido que o meu avo, na Bélgica, alojou muitos autores em sua casa, entre eles também Will, Jean Giraud e Mezières, alguns por períodos bem prolongados, sem nunca lhes ter pedido nada em troca”.
Curiosamente, Romain diz que “ignorava a maior parte dos pormenores desta odisseia”, tendo tido que pedir ao seu pai “esclarecimentos quando as primeiras notícias sobre o projecto começaram a circular na net”, embora conhecesse “fotos da época” (que cedeu para aqui serem reproduzidas) bem como “um velho chapéu mexicano, oferecido por Franquin” que o pai ainda guarda.
Sabe que Yann falou “com o seu pai e um tio muito antes de concretizar o projecto”, mas, depois disso “não houve mais nenhum contacto”, pelo que à sua família não foi dado qualquer conhecimento do início ou do avanço da obra.
Apesar desta oposição só ter sido tornada pública quando a Dupuis cancelou o lançamento do álbum, o neto de Jijé revela que a sua família “contactou a editora logo que a pré-publicação se iniciou” e que desde então “tem havido diversos contactos no sentido da resolver da melhor forma para todas as partes”.
A terminar, Romain, a título pessoal, considera, apesar de tudo, “que esta é uma história que deve ser contada”, não só pela popularidade de que ainda gozam os três criadores, mas também pela sua importância na história da banda desenhada franco-belga.
Se será concluída ou não, ainda não se sabe. Para já, na sua última página, pode apor-se, com uma significativa alteração um termo bem conhecido dos leitores de BD: (continua?)



09/05/2011

Ideias Negras

Integral
Franquin (argumento e desenho)
Witloof (Portugal, Agosto de 2001)
175 x 245, 72 p., pb, cartonado


Se Franquin é justamente conhecido pela melhor fase de Spirou e pelas indescritíveis e hilariantes confusões criadas por Gaston Lagaffe, era uma injustiça que a sua obra mais pessoal estivesse perdida no limbo do esquecimento.
Injustiça recentemente reparada pela reedição integral, num único volume, das suas "Ideias negras", a que a Witloof se associou com um mini-álbum cartonado (pb, 72 p., 12,47 euros), permitindo aos leitores portugueses - naquele que é sem qualquer dúvida um dos lançamentos do ano em curso - descobrirem a faceta mais pessimista de um autor que, paradoxalmente, se distinguiu pelo seu notável sentido de humor.
Nascidas, numa parceria com Yvan Delporte, no "Le trombone illustré", suplemento autónomo da revista Spirou, em 1977, e depois transferidas para a revista "Fluide Glacial", as suas "ideias negras" tanto podem ter como tema base aspectos mais ou menos banais do dia-a-dia ou a (recorrente) caça, como temas mais sérios e globais de que são exemplo a pena de morte, a corrida ao nuclear (então na ordem do dia) ou a própria guerra.
Temas tratados de forma mordaz, transformados em alvos de uma crítica feroz, implacável e violenta, que realça o lado mais estúpido e irracional da natureza humana, e culminam sempre em desfechos funestos mas irresistivelmente divertidos, embora deixem a incómoda sensação de que rimos de algo que não devia ser para rir.
Como disse Franquin: "As 'Ideias negras' são pequenas histórias, um pouco sádicas, um pouco cruéis, mas no entanto engraçadas".
E são narradas com uma técnica notável, num preto e branco muito negro, nervoso e bem trabalhado, em que quase sempre os personagens não passam de silhuetas sombrias, recortadas no branco imaculado da prancha, acentuando o tom sinistro das histórias.
Como complemento, a ser visto com atenção, cada prancha tem uma assinatura igualmente "negra", personalizada de acordo com a temática narrada na página, que funciona como corolário da ideia nela exposta.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Novembro de 2001)
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