“Foster deveria
ter posto fim ao Príncipe Valente”
De há uns
anos a esta parte, falar do Príncipe Valente, implica falar de Manuel Caldas,
português da Póvoa de Varzim e profundo conhecedor da obra de Foster, a quem
dedicou a monografia Foster & Val.
Ao seu
trabalho de artesão apaixonado
deve-se a melhor edição a preto e branco alguma vez feita da obra de Foster,
criada a partir das páginas dos jornais e das provas originais ainda
existentes, o que implicou muitas horas de trabalho em cada prancha, eliminando
a cor e restaurando o traço original, que o leitor actual redescobre em toda a
sua limpidez e esplendor. Com seis volumes de grande formato publicados em
Portugal e Espanha, com os primeiros 12 anos da saga (1937-1948), actualmente
prepara para um editor do Uruguai o segundo dos três livros correspondentes a
1949-1954.
Por isso, o
assinalar dos 75 anos do Príncipe Valente não ficaria completo sem uma conversa
com ele.
As Leituras do
Pedro - 75 anos depois, ainda se justifica ler o Príncipe Valente?
Manuel Caldas - “Prince Valiant” é o clássico dos
clássicos da banda desenhada americana dos jornais. É obrigatório lê-lo. Se se
entra na sua leitura por obrigação (a reverência que se deve ter para com os
clássicos), logo se descobre o prazer.
ALP - Qual o seu
melhor período? Porquê?
MC - Todo o período fosteriano (até 1971) é um monumento
da BD. E entre o que Hal Foster fez, o melhor do melhor são os primeiros 7
anos. O melhor do melhor apenas, pois Foster foi sempre muito bom no que fez.
Eu descobri a série aos meus 11 anos, precisamente nos últimos tempos do autor,
e mesmo assim a paixão foi instantânea e avassaladora.
ALP - E qual a
melhor prancha do Príncipe Valente?
MC - Certamente que por maioria de votos ganha a da
batalha sobre a ponte de Dundorn (em cima), que toda a gente conhece e é assombrosa. Mas
eu tenho uma preferência muito especial pela 681 (em baixo), que fala da grandeza do mar,
da grandiosidade e da graciosidade dos seus habitantes, dos fenómenos da
natureza, da família, da infância, do regresso à pátria e ao conforto do lar.
ALP - O que pensas
do Príncipe Valente do John Cullen Murphy e do Gary Gianni?
MC - Nunca me preocupei com seguir o que fizeram e fazem
os sucessores de Hal Foster, mas conheço uma grande parte. O suficiente para
poder dizer que (pelo menos comparativamente – e a comparação é inevitável) o
que fizeram, e vão fazendo, é mauzinho e cada vez pior. “Prince Valiant” nunca
devia ter passado para as mãos deles. Nem de nenhum outro autor. Foster deveria
ter-lhe posto um fim, como, de resto, chegara a planear anos antes.
ALP - Durante
quantos anos “O Primeiro de Janeiro” publicou o Príncipe Valente?
MC - Desde 19 de Abril do ano em que nasci (1959) até 30
de Abril de 1995. Portanto, durante 36 anos.
ALP - Qual a tua
opinião sobre essa edição?
MC - Nos anos 50, 60 e 70 um jornal português publicar BD
a cores era um verdadeiro luxo. Hoje, claro, temos de reconhecer que era
bastante mal impresso.
ALP - Quantas
edições do Príncipe Valente tens?
MC - Tenho parte de muitas, de muitos países. A minha
preocupação nunca foi ter colecções completas. Primeiro foi a demanda de todas
as páginas realizadas por Hal Foster e depois foi a busca das melhores
reproduções de cada uma delas. É que na mesma edição há sempre páginas bem
reproduzidas (raramente muito bem) mas também (a maioria) páginas mal ou
pessimamente impressas
ALP - Qual a
melhor edição a cores do Príncipe Valente?
MC - Actualmente a que a Fantagraphics publica é bastante
boa, mas deixa na boca um enorme amargo: podia facilmente ser quase perfeita,
mas desperdiçou a oportunidade ao reproduzir deficientemente o fabuloso
material de base que usa.
ALP - E a preto e
branco?
MC - A preto e branco têm uma qualidade como antes nunca
se alcançara os seis volumes com os primeiros 12 anos da série (1937-1948),
publicados em Portugal entre 2005 e 2007
e em Espanha entre 2006 e 2008. A estes deve acrescentar-se um sétimo volume (1949-1950)
publicado há poucos meses no Uruguai.
ALP - Tens algum
feedback sobre essa edição uruguaia?
MC - Sim, pois estou sempre em contacto com o editor,
Rafael Maria Carrocio, que me deu inteira liberdade para fazer a edição como eu
entendesse. A qual, na prática, é a continuação da edição que comecei a fazer
para Espanha.
ALP - Quando sai o
próximo volume?
MC - O contrato assinado e pago diz que este ano têm de
sair dois volumes. Infelizmente, às vezes não é humanamente possível cumprir os
contratos…
ALP - Vai ficar só
pelos três previstos?
MC - Não pode! Para publicar a preto e branco todo o
Príncipe Valente fosteriano como Deus manda (e não com a má qualidade com que
está a ser publicado em Portugal desde que eu não tenho interferência na
edição) faltarão ainda 8 volumes, e mais 5 em tamanho menor, com o período de
Foster e Murphy.
ALP - Existem
muitos originais do Príncipe Valente do Foster?
MC - Nas mãos de coleccionadores existem bastantes, e na
biblioteca americana à qual Foster deixou o seu espólio estão, se a memória do
que li não me falha, umas três centenas.
ALP - Quanto podem
valer?
MC - Não tanto como os do “Tintin”, mas, a um negociante
do ramo, com um pouco de sorte, pode-se comprar um por pouco mais de 5 000
dólares. Nos últimos anos, o original mais caro vendido pela casa leiloeira
Heritage ultrapassou os 33 000 dólares. Trata-se da página 1123.
ALP - Tens algum?
MC - Pode ser que venha a ter quando, na minha velhice,
tiver liquidado ao banco o empréstimo da casa. Tentei há um ano e tal comprar
uma vinheta (também se vendem vinhetas
soltas, pois Foster recortou muitos dos seus originais para oferecer
partes deles aos admiradores), mas desisti quando ultrapassou os 150 dólares.
Era uma vinheta com um sentido muito especial para mim: a única em que a
palavra Portugal aparece, quando o barco em que viaja Valente faz escala no
nosso país.
É extraordinário! A autêntica base da BD moderna!
ResponderEliminarFelicitações pela excelente e oportuna entrevista ao notável editor Manuel Caldas.
ResponderEliminarGL
Excelente entrevista... sempre interessante ver o ponto de vista de um editor sobre a obra que publica. E é certamente quase unânime a eleição da prancha com a batalha sobre a ponte de Dundorn como das melhores da obra do Príncipe Valente.
ResponderEliminarO Manuel Caldas devia ter o reconhecimento das entidades aqui da Póvoa...
ResponderEliminarPôs a Póvoa no mapa em termos de BD.
Fantástico Pedro. Um presente extraordinário para os fãs do personagem, no aniversário dele!
ResponderEliminar5000 dólares por um original? Sim, é verdade, o que o Caldas não diz é que só se for dos anos 60, os últimos anos de Foster. Os da década anterior é muito difícil encontrá-los por menos do dobro. E é claro que quanto mais antigos e especiais, mais caros.
ResponderEliminarA todos:
ResponderEliminarObrigado pela vossa leitura e pelos vossos comentários!
Boas leituras... do Príncipe Valente, "segundo" Manuel Caldas!