28/10/2016

Miracleman









Entrem na máquina do tempo, apontem a 1982 e esqueçam tudo o que entretanto se passou. Dessa forma vão desfrutar mais desta magnífica edição integral de Miracleman, um dos grandes lançamentos do ano.

Quer isto dizer que o tempo deixou marcas nesta banda desenhada – que em 1982 retomava um super-herói dos anos 50? Não muitas, mas retirou audácia, originalidade e impacto a alguns dos momentos que marcaram as histórias que Alan Moore escreveu desde aquele ano e até 1985.
O que não quer dizer que o hiper-realismo de algumas cenas não continue a surpreender – e até a chocar algumas mentes mais puritanas e sensíveis.
Hiper-realismo que anda a par e de braço dado com a mais transbordante imaginação, naquela que é uma das marcas mais significativas deste Miracleman, tal como Michel Moran (identidade humana do super-herói) convive – com as suas limitações humanas – com o milagre maravilhoso conhecido como Miracleman (Marvelman na origem)…
Mas deixem-me voltar um pouco atrás – como muitos são os flashbacks que Moore encadeia para enriquecer, explicar e dar sentido à sua trama.
Acima de tudo porque não quero que não pensem que são estes os pontos altos de Miracleman – longe disso - pois a obra tem muito mais e tem de ser lida como um todo – e a introdução de José de Freitas, informativa e crítica, é uma bela porta de entrada.
Miracleman conta como Michael Moran se transforma no ser mais poderoso do universo quando pronuncia uma simples palavra e descreve também a sua relação com Liz, a sua esposa. Narra igualmente a equipa que forma/formou com Kid Miracle e Young Miracle e os seus confrontos com os seus arqui-inimigos, o Doutor Gargunza e o Young Nastyman. Finalmente, aborda, a (nova) origem do super-herói, a sua dimensão superior, a sua relação com raças muito mais avançadas e a asua acção comum pelo bem terrestre.
Mas, afinal, nisto tudo, o que torna Miracleman diferente?
Desde logo – antes de tudo? - porque é uma história muito bem escrita – literariamente falando, para melhor me fazer entender, embora o termo não me agrade totalmente… – com uma linguagem cuidada, embora acessível, factor cuja importância é reforçada pela utilização de frequentes textos de apoio e descrições monologadas pelos protagonistas.
Se inicialmente - de forma algo desconcertante até, embora muito bem conseguida – surge em paralelo um certo tom humorístico, quando Moore critica e satiriza as tradicionais origens dos super-heróis e dessa forma parece menosprezar até a BD enquanto arte narrativa, com o acumular de páginas, acaba por cair um pouco naquilo que no início questionava, actualizando – aos olhos e às modas dos anos 80 – a origem e toda a iconografia de Miracleman em detrimento da (terna) ingenuidade dos anos da sua criação.
Equilibrando – mais uma vez e sempre este parece ser um termo que caracteriza esta obra – a questão terrena – experiências científicas em corpos humanos a partir de extraterrestres, as relações de Moran com a sua mulher, a incompreensão desta relativamente às capacidades superiores da filha recém-nascida, a falibilidade e fragilidade da raça humana – com a mitologia que lhe está inerente – mais uma vez a dualidade humano/divindade em todo o seu esplendor – Moore revela porque é considerado um dos melhores argumentistas que a BD conheceu.
E depois da escrita consistente, do humor surpreendente, da trama coerente, vem então, também, como mais um momento na construção da obra, o tal hiper-realismo – que o continua a ser nos nossos dias e raramente com oó nível aqui atingido, apesar de toda a evolução das narrativas de super-heróis - consubstanciado nos violentos danos colaterais – (realmente) definitivos e incontornáveis - que os confrontos de super-seres implicam. Seja, a diversos níveis, na forma crua como ao longo de 4 páginas nos é mostrado, sem rodeios nem véus, o parto de Winter, a cena de acasalamento (divino mas bem carnal) de Miraclewoman e Miracleman, na destruição arrasadora de Londres... ou, especialmente (?) as soluções – finais… - assumidas por este último para derrotar – definitivamente… - os seus maiores adversários. Assumindo o protagonista – deus no meio de criaturas inferiores – uma posição (bem humana e impulsiva) de vingador – por castigo e antecipação – mais do que a de simples justiceiro, em nova manifestação da dualidade já referida.

[Releio o que escrevi e sinto que é pouco, que fica aquém do que justificavam e pediam as mais de 350 páginas de leitura quase sempre intensa, quase sempre densa, sempre estimulante que acabei de fazer.
Fica o desejo que as encarem apenas como uma porta entreaberta e que, após elas possam mergulhar no universo de Miracleman, através de uma edição que, não sendo perfeita – nunca são… - está muito bem conseguida, é única a nível mundial e tem um preço imbatível.]

Miracleman
Edição integral
Alan Moore (argumento)
Garry Leach, Alan Davis, John Ridgway, Chuck Austen, Rick Veitch, John

Totleben, com Don Lawrence, Steve Dillon, Paul Neary e Rick Bryant (desenho)

G. Floy
Portugal, Outubro de 2016
175 x 265 mm, 384 p., cor capa dura
ISBN: 978-84-16510-15-3
25,00 €

(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

10 comentários:

  1. São assim as grandes obras. Por mais que se escreva/diga parece sempre pouco e que fica tanto por dizer. Mas é uma óptima introdução/resumo para esta obra-prima. Só não sei se concordo quando no inicio dizes que ''o tempo retirou audácia, originalidade e impacto''. Só li Miracleman quando a Marvel o publicou em comic em 2014 e, apesar de obviamente datado em alguns aspectos (politicos e sociais), não achei que a história tivesse menos impacto, menos audácia (quantos autores após Alan Moore se atreveram a mostrar literal e gráficamente o nascimento de um bébé?) ou até mesmo menos originalidade (se é verdade que o que não falta são histórias mostrando violência excessiva praticada por super humanos, muito, muito poucas o conseguem fazer com tanta eficácia e crueza). E a verdade é que a impressão final é ''leitura quase sempre intensa, quase sempre densa, sempre estimulante que acabei de fazer.'' Acho que prova que impacto foi coisa que não faltou nesta leitura do Pedro. :)

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    1. Eskorpiao77,
      Posso não me ter expressado bem. A ideia que eu queria transmitir é que há uma óbvia diferença entre ler Miraclman há 30 anos ou hoje. Neste intervalo de tempo, os comics de super-heróis evoluíram - também em termos de realismo e violência - e o que há três décadas era inovador e praticamente único, hoje em dia já não o é tanto. O que não impede que as sequências citadas continuem a ser únicas!
      Boas leituras!

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  2. Uma coisa que me irritou imenso nos livros Star Wars editados pela planeta agostini, foi a alteração de desenhadores fazer com que as fisionomias das personagens também mudasse.
    Como não sou adquirente de comics superherois made in usa (tenho comprado as edições levoir) não estava habituado a isso.

    Quando vejo a quantidade de autores a acompanharem o Alan Moore, fico com receio que aconteça o mesmo nesta obra.

    Como ainda não tive oportubidade de o folhear, não sei se é assim, ou se será um "receio" infundado. Também ainda não decidi a sua (ou não) aquisição...

    Como dizia o ceguinho, "Vamos ver"....

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    1. pco69,
      A alteração regular de desenhadores é algo inevitável quando se fala de comics de super-heróis - ou também dos heróis Bonelli - devido aos prazos de publicação mensal que há a cumprir.
      para quem vem da BD franco.belga, isso é algo que faz sempre alguma impressão...
      Em Miracleman, se essas diferenças de desenhador para desenhador existem, parece evidente que houve - houvee? - um cuidado em manter mais ou menos constante a fisionomia dos principais intervenientes.
      Quanto à sua aquisição, todos temos de fazer contas e escolhas mas eu recomendo esta obra a 100 %, mesmo para quem não é consumidor habitual de super-heróis.
      Boas leituras!

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  3. Estive mais de 20 anos á espera de comprar este livro... O Miracleman sempre foi para mim um Santo Graal dos Comics, na medida em que era quase impossível de encontrar completo. Lembro-me de ver umas edições parciais em inglês á venda e pouco mais.
    De facto, é de louvar esta edição/compilação única e de enorme qualidade, cujo preço é de, facto, quase simbólico face ao material que disponibiliza.
    Quem diria que um dia olharia para a minha estante e veria, em edições PT e lado a lado, "Watchmen", "V de Vingança" e "Miracleman"!!! Que ano para a edição de BD em Portugal,meu Deus!!!

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    1. Sim Digital Desesperado, estamos a viver um momento muito bom na edição de BD em Portugal, haja leitores e capacidade económica para o manter.
      E aos títulos apontados, vai juntar-se em breve o Do Inferno...!
      Boas leituras!

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    2. Sendo naturalmente apenas a minha opinião, acho que esse "momento muito bom" é muito devido a material vindo dos usa (tipo comic).
      A origem (tipo de BD) FrancoBelga tem sido relativamente negligenciada.
      Digo "relativamente", porque temos tido edições "desgarradas" (note-se as aspas), via (por exemplo) Teorema e Levoir (Novelas Gráficas).

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  4. Ja a tenho mas nao li,agora so falta o Monstro do Pantano,:D

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