05/10/2016

Sentido de oportunidade


Comparando o mercado editorial de BD em Portugal dos anos 80/90 para hoje, muito mudou para além da proveniência geográfica da (maior parte) das edições.
Os livros acima mostrados são (mais) um exemplo disso.
Mas afinal, o que têm em comum The Walking Dead, O Árabe do Futuro, Star Wars, Jessica Jones e (/ou) Hora de Aventuras?
Não sendo a editora – que são três: Devir, Planeta e Teorema -, os autores, a origem geográfica – EUA/França -, a temática ou o formato, o que sobra?
Algo que há muitos – mesmo muitos! – anos defendo: o sentido de oportunidade destas edições, a sua colagem a aspectos específicos da actualidade que podem potenciar a sua venda e mediatização.
The Walking Dead (Devir), a história de um grupo de sobreviventes de uma epidemia que transformou quase toda a humanidade em mortos-vivos comedores de carne humana, tendo que se superar e aceitar as diferenças para enfrentar os zombies (e outros sobreviventes), surgiu em paralelo com a estreia nacional de uma das séries televisivas de maior sucesso de sempre. Série televisiva, curiosamente nascida da banda desenhada que, em Portugal, já leva 14 volumes publicados.
O Árabe do Futuro (Teorema), narra a infância do autor, Riad Sattouf, passada entre a França e, maioritariamente, a Síria e a Líbia, como forma de expor as diferenças socioculturais entre as duas realidades. O actual contexto político em relação a essa zona do Médio Oriente terá justificado esta aposta editorial pela Teorema uma editora sem (grande) tradição na BD.
Star Wars em BD (Planeta), surge também ‘por culpa’ dos ecrãs, o grande do cinema e o mais pequeno (nem sempre…!) da TV. Saga com décadas (!), viu o interesse por ela recrudescer por força do sétimo filme da franquia e pela (renovada) aposta, a vários níveis, feita pela Disney, que actualmente detém os seus direitos.
A edição de BD em português, tem ‘saltitado’ entre as explorações mais recentes (Luke Skywalker, Darth Vader, Princesa Leia) e os títulos clássicos (A Trilogia de Thrwan). Rumo ao despertar da força, recém-editado, exibe alguns dos méritos reconhecidos a (quase) todas as bandas desenhadas da série: autores que sabem o que estão a fazer, exploração de personagens conhecidos a par da introdução de novos protagonistas (mesmo que pontuais), a sua localização espácio-temporal em momentos reconhecíveis mas não abordados na saga original e, apesar de tudo, a possibilidade de serem lidas e compreendidas mesmo por quem não conhece os filmes.
Jessica Jones: Alias (G. Floy), embora tenha por protagonista uma (ex-)personagem Marvel, faz a sua abordagem sob um ponto de vista quase ‘hiper-humano’, na linha do que acontece com a série televisiva exibida na Netflix, retratando-a como uma alcoólica em via de auto-destruição, no papel de uma detective por conta própria especializada em casos de super-heróis, que colocam a sua vida em risco.
Finalmente, Hora de Aventuras (Adventure Time) (Devir), ‘nasce’ também ‘via TV’, pois é a adaptação de uma série animada popular entre os mais jovens. Se desconheço a animação original, descobri na leitura dos dois volumes já publicados alguma (saudável) loucura narrativa, personagens (Jakee, Finn, Princesa Chiclete…) mais complexos do que uma vista de olhos superficial pode levar a crer, um humor específico mas funcional e uma forma de contar encadeada que prende e pede sempre mais.

Pelo que atrás fica explanado, estas edições têm (mais) algo em comum: potencial para chegar a leitores fora do espectro habitual dos consumidores de histórias aos quadradinhos, sejam eles os (diferentes) seguidores televisivos de The Walking DeadJessica Jones e Hora de Aventuras, os fãs de Star Wars ou os que procuram em O Árabe do Futuro (mais uma) explicação para a situação política actual, pontuada por fundamentalismo religioso, choque cultural e o drama dos refugiados.
São obras que alguns ‘puristas’ da BD desprezarão, que acusarão de interessar apenas a nichos (de diferente dimensão, claro), mas que, pelo sentido de oportunidade da sua edição, permitirão, a diferentes níveis, rentabilizar outras edições, consolidar um trabalho editorial, criar novos leitores, alargar o número de edições disponíveis e o espaço expositivo concedido à BD e que com (alguma) facilidade obterão maior mediatização por parte de meios de expressão que continuam, em muitos casos, avessos à banda desenhada.

  

 
(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a extensão e nas palavras de cor diferente para saber maia sobre os títulos destacados)

1 comentário:

  1. Bem verdade o que o Pedro diz. Podemos criticar, nós que já lemos BD à muitos anos e já temos muita "bagagem" e infelizmente existe sempre alguém, mas a verdade é que a diversificação, mas mais ainda o sentido de oportunidade podem fazer maravilhas para trazer não só "sangue novo" como também poder criar novos leitores dos velhos. A coleção Novelas Gráficas são um bom exemplo. Espero que este momentum na BD nacional seja para continuar.

    Um abraço

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