Passado e futuro
Alguém que se disponha a fazer uma história da edição de BD em
Portugal nas últimas duas décadas, terá, obrigatoriamente, de dedicar um
capítulo às edições institucionais, maioritariamente da responsabilidade das
câmaras municipais.
[Numa leitura na
diagonal do levantamento Álbuns
de BD publicados em Portugal, efectuado por José Vítor Silva, contabilizei
mais de três dezenas e quase outros tantos editados pela Âncora Editora, com apoios
camarários.]
A primeira razão, prende-se com o facto que este foi um nicho
criado e explorado (inicialmente) por José Ruy e José Garcês e depois aproveitado
por outros autores –maioritariamente num registo clássico - que, assim, num
país com um mercado de BD curto (para só dizer isto), poucos hábitos de leitura
e vítima de sucessivas crises financeiras, conseguiram manter-se em actividade,
com a vantagem adicional de, geralmente, o pagamento destes trabalhos não estar
dependente das vendas.
Depois, há a realçar que estas edições, quase sempre de boa
qualidade gráfica, apresentam tiragens que, nos nossos dias, fazem inveja a –
quase? - qualquer edição, na ordem dos três ou mesmo cinco milhares de
exemplares.
Como contraponto, surgem dois aspectos relevantes. O
primeiro, são as temáticas relativamente restritas – digo eu… - centradas na
história local ou na vida de personalidades de realce de lá oriundas, o que,
diga-se em abono da verdade, faz todo o sentido atendendo a quem as paga… Em
segundo lugar, principalmente, a divulgação selectiva e limitada que
habitualmente atingem, pois destinam-se geralmente a serem oferecidas nas
escolas do concelho que as financiou, raramente tendo distribuição comercial [as
edições (co-)editadas pela Âncora são excepção natural] ou mesmo estando
disponível para aquisição por interessados pontuais – embora seja igualmente
verdade que algumas autarquias as fornecem a pedido.
Chegados aqui, seria interessante saber se estas edições conseguem
cumprir os seus objectivos: a divulgação da história local junto do seu
público-alvo. Se encontrar uma resposta parece quase impossível, o classicismo
da maior parte dos projectos – o que por si só não questiona a qualidade das
obras – pode indiciar uma negativa, pois temáticas e grafismos parecem
afastados das preferências dos adolescentes/jovens a que se dirigem em primeiro
lugar.
Neste ‘capítulo’, poderia entrar A História de Silves em BD, de José Garcês, datada de final do ano
passado e com uma tiragem – das tais invejáveis - de 3000 exemplares.
Dividida em curtos capítulos que se focam em momentos
significativos da História da localidade, desde as suas origens até ao presente,
abordam aspectos culturais, económicos e desportivos e encerram com A Lenda das Amendoeiras em Flor, pretende
ser um modo de criar ou avivar memórias locais. Com evidente tom didáctico e
baseado numa rigorosa pesquisa histórica e documental, tem o traço clássico do
mestre José Garcês, acompanhado de uma legendagem mecânica que hoje em dia já
não se justifica e é difícil de admitir.
Caminho duplamente díspar – e com poucos exemplos no passado
- decidiu seguir o município de Lousada com Agá:
A Cura. Por um lado desafiou um jovem autor, sem obra publicada; por outro,
mais do que recuperar o passado, optou por ‘antever’ o futuro. Um futuro
possível – infelizmente previsível até… - dominado pela seca extrema que afectará
o planeta e tornará a água o seu bem mais precioso.
Ambientado, naturalmente, em (Nova) Lousada, a situação
apresentada – uma Aliança dominadora e tirana e uma Resistência em busca de
maior liberdade, distribuição equitativa da água e melhores condições para
todos, retoma uma temática que facilmente conquista adeptos, recorrente na BD
como na literatura ou no cinema. Fica o senão de ser o primeiro volume de uma
saga que tem elementos suficientes para se estender no tempo e no espaço de
mais livros, sem garantia – penso eu – de continuidade no actual modelo.
Graficamente, Vítor Oliveira transporta para o papel alguma
da experiência adquirida no curso de Modelação e Animação 3D que concluiu e, se
se notam hesitações e limitações próprias de um primeiro trabalho de fôlego, como
o sobredimensionamento dos balões de texto, algumas imperfeições ao nível da
figura humana ou os cenários demasiado despidos, o conjunto parece mais
susceptível de chegar aos jovens do 9.º ano de Lousada, que receberão um dos
(também) 3000 exemplares do livro (acertadamente) próximo do formato comic.
Nota final
Nestes como noutros casos (?), os interessados numa ou
noutra obra – ou em ambas – terão certamente dificuldade em adquiri-las – ou
obtê-las – pois não têm distribuição comercial, estando a sua venda
eventualmente limitada apenas a lojas camarárias, postos de turismo ou espaços
similares. Resta, sempre, o recurso ao contacto directo com a(s) autarquia(s)…
A História de Silves em BD
José Garcês
Câmara Municipal de Silves
Portugal
Dezembro de 2016
210 x 305 mm, 48 p., cor, capa mole
Agá: A Cura
Vítor Oliveira
Câmara Municipal de Lousada
Portugal
Janeiro de 2017
180 x 270 mm, 60 p., cor, capa mole com badanas
(imagens de Agá disponibilizadas pela Câmara Municipal de
Lousada; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
Lembro-me de ter adquirido a História do Seixal numa feira de velharias, pelo que creio que algumas dessas obras sigam essa direção após os 'pequenos' leitores não lhe ligarem importancia.
ResponderEliminarTanto para os autores (pelas razões bem explicadas pelo Pedro Cleto) como para as localidades, é uma actividade importante. Pois, embora realmente a temática seja um bocado limitada, é uma forma relativamente divertida de mostrar a história do local onde os 'leitores' habitam.