Intemporal
Por vezes, certas escolhas editoriais parecem estranhas como é o caso deste Don Vega, que regressa pela enésima vez à história de Zorro.
Mas, uma vez feita a leitura, ela surge plenamente justificada, pelas opções autorais e também pela intemporalidade da história.
O contexto é conhecido: a Califórnia, por um breve período em que foi (mais ou menos) independente, é disputada pelo México e pelos Estados Unidos, enquanto um grupo de poderosos senhores locais (quase escrevi feudais) opera na sombra, para saírem da contenda com o máximo de lucro. Ao mesmo tempo, decorre uma corrida ao ouro, que se espalha como uma epidemia. Os interesses - políticos e económicos - são muitos, a opressão cresce e um misterioso mascarado, a que o povo chama Zorro, aparece para ajudar os desprotegidos e fazer justiça.
Um dos aspectos interessantes desta versão de Pierre Alary, é o lado mítico - e quase místico - do justiceiro, encarado com temor e despeito pelos poderosos e quase idolatrado pela população mais pobre e menos instruída. É apresentado como alguém que já existe há muito tempo e que surge - de várias formas... - em tempos de necessidade. Por isso - também, mas não só... - o seu visual é algo diferente daquele que prevalece no (nosso) imaginário colectivo.
Se o mistério da sua identidade é - para nós - conhecido à partida - tantas são as versões existentes - em BD, em cinema, em animação... - também neste ponto Alary consegue inovar, fechando o livro com uma inusitada surpresa. É uma de várias variações que o autor francês introduz, numa história que pensávamos conhecer de uma ponta à outra, enriquecendo-a e tornando-a progressivamente mais estimulante.
Evidentemente - e por mais variações que houvesse, seria inevitável - temos os expectáveis duelos à espada e cavalgadas ao ar livre, mas também relações a um tempo próximas e distantes e uma série de traições que nos demonstram que, afinal e mais uma vez, nem tudo é imutável, se bem que no fim o mito se mantenha - e saia até reforçado.
Finalmente, é forçoso referir o que primeiro me atraiu neste Don Vega, o traço linha clara utilizado por Alary, dinâmico, pormenorizado quanto baste mas sem que isso afecte o ritmo elevado de leitura proposto e uma planificação que, embora de matriz tradicional, surge livre de espartilhos o que permite grandes, enormes planos e páginas bem arejadas face a outras mais preenchidas. O todo é tingido com dois tons dominantes, os ocres das cenas diurnas que evocam o calor californiano, e os cinzas para as cenas nocturnas e/ou interiores, que reforçam o lado soturno da narrativa.
Don Vega
Pierre Alary
Dargaud
França, 2 de Outubro de 2020
241 x 318 mm, 96 p., cor, capa dura
EAN: 9782505084976
16,50 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Estao a Batmizar o Zorro ate é engraçado,porque sem ele não havia Batman.
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