Canção e destino
A reedição de títulos esgotados é um sinal de
consistência de um mercado e o regresso às livrarias de O
Fado Ilustrado é mais um sinal disso.
Datado de 2011 na edição
original da Plátano, ressurge agora com a
chancela da Arte de Autor e de A Seita, com uma capa mais chamativa,
a revisão dos textos em conjunto com o autor, a inclusão de uma
cronologia dos factos referidos na obra, que ajuda a situá-los no
devido tempo, e beneficiada pelo desenvolvimento das técnicas de
impressão.
A esta reedição, impressa em simultâneo com versão o em polaco, não é estranho facto de o seu autor, o português Jorge Miguel, ter hoje a sua actividade consolidada no mercado francês e de aquelas duas editoras já terem co-editado duas das suas obras com essa proveniência: ShangaiDream (2020), um drama romântico ambientado na China, durante a II Guerra Mundial, com o mundo do cinema como pano de fundo, e Sapiens Imperium (2021), uma saga de ficção-científica.
O Fado Ilustrado vem comprovar a polivalência do desenhador, aqui também argumentista, com uma obra de época que abarca o período entre 1896 e 1917.
Se é verdade que se detectam algumas limitações a nível do desenho, que assenta num traço semi-caricatural bastante expressivo, também não é muito justo compará-lo com as suas obras mais recentes, em que é evidente a sua evolução gráfica.
Obra ambiciosa, traça um retrato credível mas mordaz de Portugal - e em especial da vida na capital, Lisboa - nos últimos anos da monarquia e nos primeiros anos da República, dando uma boa perspectiva dos acontecimentos que conduziram à mudança de regime, numa óptica iminentemente popular, ritmada pelos fados vadios que vão sendo cantados e tendo por base a evocação ficcionada da forma como José Malhoa criou alguns dos seus retratos mais célebres do submundo lisboeta, como Os Bêbados ou (precisamente) O Fado.
E num livro em que, a par do pintor e dos seus modelos, deambulam, literalmente, por Lisboa Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, o rei D. Carlos, mações, terroristas, republicanos e monárquicos, destaca-se a forma como Jorge Miguel consegue que o Fado - na sua dupla acepção de canção tradicional e de destino trágico - surja aos olhos do leitor como o verdadeiro protagonista.
O Fado
Ilustrado
Jorge
Miguel
Arte de
Autor e A Seita
Portugal,
Agosto de 2022
210 x
285 mm, 48
p., cor,
capa dura
16,50 €
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online de 26 de Agosto e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor e A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Entre este Fado e o Shangai que fantástica evolução teve o traço do Jorge Miguel
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