Quero voar

Urgência

Com prémios ganhos no Japão e em Portugal - o que lhe valeu a publicação do seu primeiro livro, Weak - Kachisou surge agora no panorama editorial português ‘grande público’ - era tão bom que ele fosse assim... - revelando uma inesperada maturidade, quer a nível gráfico, quer narrativo, mostrando que já passou a fase do ‘querer’ e que já ‘voa’ mesmo.
Porque digo já, antes de justificar, Quero voar é uma obra bastante sólida e de leitura agradável.

É evidente - para quem ler - que há o recurso a alguns estereótipos para a compor: o pai religioso, o filho revoltado, outro pai alcoólico, a droga como caminho mais fácil... O que já dá, com certeza, uma ideia do tema: a revolta de Kyle, um jovem que se sente acorrentado pelo poder paternal e foge de casa para viver a vida à sua maneira, procurando o seu grande amigo de infância, de quem a vida o separou.

Para além do já escrito, aqui e ali também se sente a falta de algumas explicações, uma justificação mais consistente para algumas atitudes, alguns hiatos temporais não completamente preenchidos... ‘Pormaiores’, como dizia alguém que, não prejudicando a leitura e a mensagem que se quer passar, poderiam dotá-las de uma outra dimensão, mais aliciante e profunda - ou aprofundada.

Em sentido contrário, se assim posso escrever - e foi isso que senti ao ler - a narrativa exala uma grande urgência de contar, uma premência de partilhar uma história (ouvida? vivida?) que vai - digo eu... - para lá da mera ficção, tendo - talvez - muito de verdadeira, o que a torna credível e cria empatia.

Graças a isso, a banda desenhada ganha em fluidez, em ritmo, na forma como se vai desenvolvendo perante os nossos olhos, sem entraves, nem desvios.

E é aqui que Kachisou demonstra o traquejo que já tem, quer na consistência do traço, de clara inspiração mangá, mas num estilo próprio, com um misto de algo ocidental, a par de uma boa utilização da página, com uma planificação muito diversificada, vagamente baseada num modelo de duas vinhetas em três tiras, que facilmente é infringido, reduzindo, na maior parte dos casos, o número de vinhetas por página, para gerir o ritmo vivo com que quer presentear o leitor.

Quero voar
Kachisou
A Seita/Comic Heart
Portugal, Outubro de 2022
165 x 240 mm, 128 p., pb, capa dura
15,00 €

(imagens disponibilizadas pelas editoras A Seita e Comic Heart; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)