O alto preço de um pacto com o diabo
George Walden nunca teve uma ideia de jeito na vida. Resolveu, por isso, fazer um pacto com o diabo para ter todas as ideias que quisesse. Esqueceu, no entanto, que ao negociar com o demónio é necessário ler com atenção as letras pequeninas até ao fim.
Por isso, após o pacto com o demo, pouco mudou na vida de George, que passou de homem sem ideias a vendedor das ideias alheias, surripiadas a quem passa e cultivadas como se de plantas se tratassem. Como segunda agravante, George esqueceu-se da língua bífida do demo Satanás e agora, o seu tempo de vida está dependente dos negócios que faz.
No entanto, tudo pode mudar, quando na sua vida, qual raio de luz no meio de uma existência sombria e assombrada, surge Penélope, a antítese de tudo aquilo que ele é: alegre, provocadora, divertida, dinâmica e empreendedora.
Só que, preso ao seu contrato diabólico, incapaz de o confessar à nova amiga, George não consegue assumir viver aqueles parcos momentos de felicidade a termo certo, sentindo que “o problema da felicidade é sempre o mesmo: precisamos de estar tristes para a ansiar, ou vivê-la cientes de que a podemos perder”.
O tom fantástico e surreal deste argumento de André Morgado, assente numa bela premissa que merecia ter sido mais explorada, está combinado com apontamentos pontuais de humor e ternura, que contrariam o estado de constante depressão do protagonista, descontente consigo e com as escolhas de vida que fez.
O contraste entre George e Penélope serve de fio condutor a boa parte do relato, apesar de entre os dois haver mais segredos do que ele imagina, incapaz de se soltar e se entregar, figurada e literalmente nos braços abertos de Penélope.
Ao lado do escritor português está o desenhador brasileiro Rodolfo Oliveira que apresenta um agradável traço linha clara, solto e desenvolto - que evoca o de Jordi Lafebre, no belíssimo Apesar de tudo - e que beneficia de uma planificação arejada de poucas vinhetas por página e de uma conseguida aplicação da cor, que acompanha e caracteriza os diversos estados de espírito dos intervenientes.
Entre uma bela história de amor e a incapacidade de amar; entre aceitar o destino ou lutar contra o inevitável com todas as forças, O infeliz pacto de George Walden, co-edição de A Seita e a Bicho Carpinteiro lançada no recente Amadora BD, recorda de forma dolorosa que um pacto com o diabo tem sempre um alto custo.
Nota final
O momento em que se lê um livro é fundamental, conforme já assumi aqui repetidamente. Numa primeira leitura, O infeliz pacto de George Walden não me tocou, passou-me ao lado, deixou-me (quase) indiferente, com a sensação de que para além da boa ideia, faltavam ligações e definições e até um final mais forte.
Dei-lhe, felizmente, uma nova oportunidade e vi o (muito) que me escapou na primeira leitura, na escrita envolvente de André Morgado e no traço atraente de Rodolfo Oliveira.
O
infeliz pacto de George Walden
André
Morgado (argumento)
Rodolfo
Oliveira (desenho)
A
Seita / Bicho Carpinteiro
Portugal,
Outubro de 2022
200
x 270 mm, 116
p., cor,
capa dura
16,90
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 19 de Novembro de 2022; imagens disponibilizadas pelas editoras A Seita e Comic Heart; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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