No
mundo ideal, no que à BD diz respeito, todas as obras marcantes e
significativas estariam sempre disponíveis, regularmente, em novas
edições beneficiadas pelos avanços tecnológicos de reprodução e
impressão. No
mundo real em que vivemos, está de novo disponível Tu
és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos
(belíssimo
título!),um
dos grandes livros nacionais aos quadradinhos - embora eles sejam
raros nas suas páginas…
Pedro Brito e João Fazenda estão hoje no Porto para darem a conhecer diversas facetas da sua criatividade em banda desenhada, cinema de animação e ilustração. O dia começa às 17horas, na Galeria Mundo Fantasma, no Centro Comercial Brasília, para autógrafos e a inauguração da exposição “Mosaicos suburbanos”, composta por pranchas dos livros “Pano Cru”, que tem texto e desenho de Brito, “Loverboy”, três tomos desenhados por Fazenda a partir de argumentos de Marte, e “Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos”, com texto de Brito e desenho de Fazenda. Este último, considerado o Melhor Álbum Português de BD no Festival da Amadora, em 2001, foi recentemente editado em França e na Polónia. Depois, às 22 horas, estarão na Casa da Animação, onde serão projectados diversos filmes animados de sua autoria, entre os quais “A Estrela de Gaspar” e “Sem dúvida, amanhã” (de Brito) ou “Algo Importante” (de Fazenda e João Paulo Cotrim), seguindo-se uma conversa com os dois. Finalmente, às 23h30, na Gesto Cooperativa Cultural, será inaugurada a mostra “Construção Civil”, uma selecção ilustrações de João Fazenda. Pedro Brito nasceu no Barreiro em 1975, licenciou-se em Design Visual pelo IADE em 1998 e faz formação na área da animação, a que dedicou os últimos anos. Recentemente regressou à BD, com uma biografia dos UHF, a editar pela Tugaland, e tem em mãos a curta-metragem, “Fado do homem crescido”, com argumento de J. P. Cotrim. João Fazenda, quatro anos mais novo, licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, dedica-se especialmente à ilustração para jornais e revistas, livros infantis, cartazes de cinema e capas de discos (Mariza, Carlos Paredes, Deolinda). Entre diversas distinções recebidas, conta-se o Grande Prémio Stuart de Desenho de Imprensa, em 2007.
(Versão revista e actualizada do artigo publicado originalmente no Jornal de Notícias de 30 de Janeiro de 2010)
Pergunta - Se lesse banda desenhada, quais seriam as preferidas de Loverboy?
Resposta - O Loverboy é um beto, filho do neo-liberalismo cavaquista e neto da cultura cristã (dois momentos negros da História!) logo não lê BD nem outra coisa qualquer. Talvez o manual de IVA ou o Milan Kundera e pouco mais, mas se lesse BD provavelmente iria ler o mais baixo e reles que houvesse no mercado… Bom… o que há no mercado? Talvez o Warhammer ou Conan, o Bárbaro? Pior, o Tex… mas acho muito pouco provável.
Marte (argumento) João Fazenda )desenho) Edições Polvo (Portugal, Novembro de 2001) 158 x 230 mm, 48 p., pb, brochado
A banda desenhada portuguesa não tem sido fértil em heróis, entendendo-se aqui o termo como referindo-se a protagonistas que passam de história em história, quer como personagens (quase) invencíveis, quer como simples condutores de narrativas mais abrangentes. E se nos primórdios ainda se conseguem encontrar alguns exemplos (frutos também da existência de revistas e jornais que permitiam uma publicação regular), na "moderna BD portuguesa", os dedos de uma mão sobram para os referenciar: o Espião Acácio de Relvas, confinado às páginas da revista "Tintin" (e a merecer reedição condigna), o Porto Bomvento, de José Ruy e, principalmente o Jim del Monaco, de Louro & Simões. Agora, um outro nome começa a afirmar-se: Loverboy, que, depois de "O rebelde" e "A faculdade são dois ou três livros", regressa com "(…) muda mas fica igual (…). Neste álbum, o traço de João Fazenda surge mais solto, mais estilizado, mais rebelde, quase escrevia "à imagem do herói", não fosse este álbum um retrato da passagem da juventude para a idade adulta. Passagem que vem depois da fase das bandas de garagem, e da entrada na faculdade, de que falavam os títulos anteriores escritos por Marte. Passagem despoletada por umas férias com os amigos e experiências com drogas, que têm como resultado o reconhecimento de um imenso vazio (houvesse mais com esta percepção…) e a necessidade de procurar algo mais da vida (o amor? uma relação estável? a necessidade de responsabilidade?). O que ressalta deste terceiro livro é a vontade de mudar, de passar da adolescência (cada vez mais - e a culpa não é maioritariamente deles) vazia e fútil para a idade adulta, embora para isso seja necessário quebrar a própria auto-resistência, a comodidade de ser igual aos outros, resistir ao facilitismo instalado na sociedade. Em termos do trabalho dos autores, o prosseguir no caminho agora esboçado, se de alguma forma pode implicar a perda de um público que se identifica com o anterior Loverboy, e que ainda não deu (não tem capacidade de dar) o mesmo passo em frente, embora arriscado é sem dúvida um desafio estimulante e, a médio prazo, capaz de dar a Loverboy uma consistência e uma dimensão já revelada pontualmente e que este álbum acentua.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 1 de Janeiro de 2001)