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13/10/2013

Krazy Kat: 100 anos plenos de loucura






Krazy Kat, uma das mais estranhas e estimulantes obras da história da banda desenhada estreou-se há um século, no The New York Journal.

Publicada entre 1931 e 1944, depois de aparições intermitentes desde 1910 nas margens The Digbat Family’s (outra BD do mesmo autor) atingiria o seu auge a partir de 1935, quando passou a dispor de página dominical colorida. Foi aí que, com maior intensidade, brilhou a ‘loucura’ controlada do seu criador, Georges Herriman (1880-1944) que, apoiado pelo magnata William Randolph Hearst, dono dos jornais em que publicava e seu admirador confesso, deu largas ao seu peculiar sentido de humor e à sua imaginação surrealista, transformando o cenário desértico de Coconimno County, no Arizona, em que a acção decorria, numa paisagem em constante mutação de vinheta para vinheta, com planaltos às bolinhas, montanhas às riscas ou árvores a crescer em vasos…
Talvez por isso, Krazy Kat, no seu tempo, era lida com admiração por Pablo Picasso, E.E. Cummings, Jack Kerouak ou pelo presidente Woodrow Wilson, e hoje, 100 anos depois, continua a merecer a atenção e a admiração dos que se atrevem a penetrar neste misterioso universo, que continua surpreendentemente moderno e desafiador.
Universo, refira-se, centrado em apenas três personagens de interacção limitada mas sempre renovada, com o segredo a consistir não no desfecho de cada prancha, mas nos diversos momentos que a ele conduzem. Nesta atípica banda desenhada, Krazy, a gata (ou será gato?) julga declaração de amor os tijolos que o rato Ignatz constantemente lhe lança à cabeça por pura maldade, acabando na prisão – mesmo quando não é culpado – por iniciativa do cumpridor mas pouco inteligente guarda Pupp.
Para além da sua ínfima dimensão, o que também caracteriza esta galeria de personagens, é a linguagem com que Herriman os dotou, espécie de transcrição fonética de uma estranha mistura de inglês, francês, espanhol e alguns dialectos norte-americanos, que resulta numa linguagem (quase) nova.
Para além de Krazy Kat, Herriman, que vendeu o primeiro desenho aos 17 anos, desdobrou-se na criação de um sem número de tiras e personagens, incluindo a já citada The Digbat Family’s.

Publicada de forma breve no Diário de Lisboa, Krazy Kat teve duas edições em português. Em 1991, os Livros Horizonte editaram dois dos quatro volumes previstos da reedição integral das páginas publicadas entre 1935 e 1944. Mais recentemente, em 2009, a Libri Impressi, de Manuel Caldas, editou Krazy+Ignatz+Pupp – Uma Kolecção de Pranchasa Kores Kompletamente Restauradas, ainda disponível no editor.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Outubro de 2013)

19/03/2010

Pourquoi j'ai tué Pierre

Oliver Ka (argumento)
Alfred (desenho)
Delcourt (França, Setembro de 2006)
204 x 264 mm, 112 p., cor, cartonado com sobrecapa com badanas


Olivier Ka viveu a infância e adolescência entre uns pais libertários e permissivos, defensores do sexo livre, e uns avós católicos praticantes conservadores, dividido, assim, entre dois mundos - e em temas como Deus, religião, igreja ou sexo. Aos 12 anos vai para um acampamento de férias dirigido por Pierre, um padre de esquerda, amigo dos pais - e seu amigo - que o levará (forçará…) a tocar o seu corpo. Apenas. Apenas ou tudo isso, o ponto de vista pode divergir. O nome apropriado é pedofilia e a actualidade, infelizmente, mostra que este esteve longe de ser um caso isolado.
Aquela experiência, embora breve, será profundamente traumatizante, embora só se aperceba quanto muitos anos depois. Para a apagar da sua memória - para exorcizar os seus fantasmas - teve que "matar" Pierre. Não literalmente, mas através de um texto auto-biográfico. Que, com Alfred, transformou nesta banda desenhada. Que também serve para isso.
Esta é uma história pudica e sensível, sobre uma infância traída e feridas não cicatrizadas, narrada de forma íntima e pessoal, com Alfred a gerir de forma notável o estilo do traço, a planificação e as cores consoante as situações relatadas, numa sublime e rara simbiose entre texto e desenho.
Uma obra que, começando nos 7 anos de Olivier, vai até à apresentação do projecto de livro a Pierre, num encontro inesperado e doloroso, desenhado de forma tocante, que permite a Olivier (re)encontrar a paz interior. Aos 35 anos.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Outubro de 2006)

19/11/2009

BD para o Natal – Krazy + Ignatz + Pupp

Escrevo aqui o primeiro de uma série de posts com sugestões de prendas de Natal aos quadradinhos, porque acredito que um livro é – sempre foi, sempre será – uma das melhores prendas que se pode oferecer. No Natal, ou noutra altura qualquer, claro está!
Embora (quase) todos os livros aqui referenciados em As Leituras do Pedro sejam boas prendas, vou tentar fugir do óbvio e acredito que a minha segunda sugestão vai ser uma bela e agradável surpresa para (quase) todos.
Mas enquanto essa não chega, para já, fiquem com:


Krazy + Ignatz + Pupp
Uma Kolecção de Pranchas a Kores Kompletamente Restauradas
George Herriman (argumento e desenho)
João Ramalho Santos (tradução)
Álvaro Pons (introdução)
Manuel Caldas (restauro)
Libri Impressi (Portugal e Espanha, Novembro de 2009)
230 x 324 mm, 48 p., cor, brochado


Por várias razões.
Desde logo, embora razão menor, porque a “marca” Manuel Caldas é sinónimo de qualidade e excelência, patente nesta edição cuidada e esmerada, com uma cuidada tradução - e não percam a oportunidade de ver o que ela exigiu! - e que inclui a reprodução de uma prancha no tamanho em que foi desenhada originalmente (40 x 60 cm), a que se deve apontar o facto de ter “apenas” pouco mais de quatro dezenas de pranchas…
Depois, principalmente, porque Krazy Kat, publicada entre 1913 e 1944 - nas belíssimas e inigualáveis pranchas dominicais coloridas só a partir de 1935 -, é um clássico incontornável, de uma modernidade surpreendente. Apesar de as personagens se limitarem praticamente aos três vértices de um estranho triângulo amoroso composto por uma gata (às vezes gato?!) – Krazy Kat - apaixonada por um rato – Ignatz -, que só deseja atirar-lhe tijolos à cabeça, o que faz com que seja preso pelo cão guarda – Pupp – que por sua vez suspira por Krazy. E da sua trama se reduzir à exploração das várias formas como um tijolo pode ser lançado e das várias maneiras como pode atingir o(s) seu(s) alvo(s), sendo que no final de cada prancha auto-conclusiva Ignatz acaba (quase, quase) sempre na cadeia.
E tudo (ou só) isto decorre no cenário surreal de Coconino County, cuja paisagem muda de aspecto e configuração a cada vinheta. Literalmente.
Pelo meio, o autor consegue jogar com os códigos da própria BD, pondo as personagens a desenharem-se a si mesmas ou à própria história, dando o protagonismo a um capacho onde se lê “Bem Vindo”, usar pirilampos para iluminar a acção – parte dela – durante um eclipse ou não ser capaz de concluir a numeração das vinhetas…
Ou…
Comprem antes o livro, melhor dois livros (pelo menos), um para lerem, o(s) outro(s) para oferecer(em) e, como eu, vejam como noções como “tempo” e “espaço” não fazem sentido em Coconino County – deixam de fazer também para nós durante a leitura - e vivam a “experiência sensorial que deslumbra o espectador de hoje tanto como no seu tempo deslumbrou Picasso, Cummings e Kerouak, os quais viam nas suas páginas o cume da arte do século XX” como escreve Álvaro Pons na (inspirada) introdução e tornem possível que depois desta (tão curta) selecção, venha outra mais alargada ou até, Kem çabe, a Kolecção Kompleta de Krazy Kat Kompletamente Restaurada…

Ah! E já agora, peçam o livro directamente ao editor, porque funcionando como (não) funciona o mercado e a distribuição em Portugal, é possível que de outra forma não o consigam antes do Natal…
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