19/07/2010

Le fils d’Hitler

Pieter De Poortere
Glénat (Junho de 2010)
240 x 320 mm, 64 p., cor, cartonado


Resumo
Dickie, o anti-herói de bigode, com cabeça de Playmobil (sic), que costuma passear pela história, encontra-se esta vez em plena segunda guerra mundial, como filho “perdido” de Hitler, esse mesmo, o Adolf.

Desenvolvimento
O desafio era difícil. Porque De Poortere optou por uma história completamente muda. E porque o seu grafismo, aparentemente simplista, próximo do (tal) visual “Playmobil”, numa linha clara estilizada e depurada, de traço grosso e cores lisas, com uma planificação simples e sóbria, parecia pouco indicado para um retrato, ainda que mordaz da II Guerra Mundial.
Mas o holandês, colaborador regular do jornal “Ferraille”, venceu-o a todos os níveis. A história, rocambolesca, assente numa série de episódios/personagens-tipo deste género de relatos, desenvolvida em vários episódios auto-conclusivos, ao longo dos quais vai apresentando e definindo as personagens principais que se cruzam com seres reais como Staline ou Churchill, está bem conseguida, é consistente e extremamente legível.
O autor começa pela vida de Hitler nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, explica como um ferimento o levou a gerar (involuntariamente) um filho cuja existência desconhecia. Como este – o amorfo Dickie - mais tarde se tornou protector (interesseiro) de fugitivos da Gestapo, como o Führer fez de tudo para ter um descendente, como Eva Braun lhe ocultou a existência do filho legítimo, como Adolf fez de tudo para o reencontrar, indo mesmo a um campo de concentração, e como, finalmente,fez com ele, tudo o que um pai anseia: passear, pescar… Até que, com a derrocada final e a perda iminente da guerra, surge o final desconcertante (ou não…), que tem o mérito de repor o ditador no seu lugar, apagando qualquer sombra de limpeza da História que mentes mal intencionadas pudessem tentar descobrir na narrativa.
E com um trunfo irresistível: o humor extremamente inteligente presente em todo o relato. Que pode ser anárquico, irreverente ou cínico até. Que frequentemente passa bem para lá do politicamente correcto - como no suicídio do ditador, falhado por trocar veneno por Viagra. E que outras vezes roça, não, choca violentamente de frente com o mais (saudável) mau gosto (seja lá isso o que for!), como quando, no campo de concentração, a amiga que Dickie procura lhe é trazida… numa urna ou o americano se fere numa explosão provocada por acender um cigarro… numa câmara de gás.
Um humor, também, irreverente, reforçado pelas páginas duplas que separam os diferentes capítulos, desenhadas ao estilo dos livros-jogo “Onde está Wally?” onde, mais importante do que encontrar a personagem que está escondida, é descobrir e apreciar as incoerências, as situações absurdas e os gags de que estão pejados cada desenho, que combinam o desembarque na Normandia com cenas balneares ou colocam um campo de concentração paredes-meias com estâncias de montanha, nomeio de uma floresta onde passeiam personagens de contos infantis como o Capuchinho Vermelho ou Hansel e Gretel…
Um humor, finalmente, que se consegue claramente divertir o leitor, a partir de um tema que nada tem de engraçado, nunca esquece o propósito de o fazer reflectir neste passeio por uma das facetas (desconhecidas!) da Segunda Guerra Mundial, onde, apesar de tudo, continuam patentes o seu horror e a ultrapassagem que foi feita de muitos dos limites (morais….) que o ser humano nunca deveria transpor.

A reter
- O todo, que merece ser descoberto e fruído.

18/07/2010

Leituras DC Comics de Julho

Títulos da DC Comics editados pela Panini Comics (Brasil) distribuídos este mês nas bancas portuguesas:

Batman #85
Superman #83
Superman & Batman #53
Liga da Justiça #84

17/07/2010

Leituras Bonelli de Julho

Títulos da Mythos Editora distribuídos este mês nas bancas portuguesas:

Tex #457 – Tiro ao alvo (Nizzi e Milano)
Tex Colecção #249 – Os rapinantes do Rio Grande (Bonelli e Letteri)
Tex Ouro #38 – A cidade do medo (Nizzi e Blasco)
Tex Férias #8 – Grito de guerra (Nolita e Galleppini)
Tex Edição em cores #3 – O bando do Vermelho (Bonelli e Galleppini)
Zagor Extra #70 – A confissão (Toninelli e Donatelli)
Zagor #106 – Gente de Fronteira (Mignacco e Chiarolla)
J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga #63 – Envenenamento (Berardi, Mantero, Michelazzo e Zuccheri)
Mágico Vento #92 – Visões (Manfredi, Talami e Biglia)
Leo Pulp, Detective Particular #1 (de 2) – O sumiço de Amanda Cross (Nizzi e Bonfatti)

16/07/2010

Harvey Pekar (1939-2010)

As notícias dizem que Harvey Pekar faleceu segunda-feira passada. Foi encontrado morto pela sua mulher, Joyce Brabner, no chão da sua casa, em Cleveland, no Ohio. Possivelmente vítima de cancro da próstata, embora também sofresse de hipertensão e de graves crises de depressão.
Se na maior parte dos jornais, o acontecimento só merecerá umas poucas linhas, se pudesse, Pekar faria dele o argumento de mais uma das suas bandas desenhadas. Porque, como costumava dizer, “se me aconteceu o mundo tem que saber”. Mesmo que o mundo seja o micro-cosmos que lê os seus comics auto-editados primeiro, desde 1976, no catálogo da Dark Horse desde o início da década de 90. Este podia ser o lema de Harvey Pekar que, numa das suas páginas chega a afirmar: “Eu vejo as coisas desta maneira – qualquer coisa que não me mate pode ser a base para uma das minhas histórias”.
Mas será que a vida de Pekar tem algum interesse? Não, dizem alguns. Não passa da existência simples e vulgar de alguém pertencente à classe média baixa, durante 30 anos arquivista num hospital da cidadezinha de Cleveland, nos EUA. Ou sim, segundo outros. Por isso o seu comic é objecto de culto e até deu origem ao filme que hoje estreia em Portugal. Em resumo, “American Splendor” é um daqueles casos típicos que ou se ama ou se odeia...
E o seu título é, desde logo, enganador, pois Pekar mostra o “esplendor americano”, pelo seu pior lado, em oposição às tradicionais bandas desenhadas de super-heróis que glorificam tudo o que é “made in USA”. Porque o esplendor de Pekar é tudo menos esplendoroso. É um retrato nú e cru do seu dia-a-dia. Episódios soltos, isolados, cuja narrativa pode começar a meio e terminar em aberto, antes que se lhes adivinhe um “fim tradicional”. Por isso não surpreende que Pekar, pessimista, constantemente desgostoso com a vida, revoltado ou simplesmente indisposto (característica que tem vindo a suavizar-se nos últimos anos – os seus “declining years”, como o próprio os define), nos possa narrar uma discussão na mercearia, algo tão significativo como o determinar da rotina diária (despejar cestos de papéis, lavar roupa, arquivar fichas, de forma a reduzir ao mínimo os percursos em escadas), ou o simples descascar de uma tangerina (e o que fazer com os seus caroços!). Ou o seu casamento, o que presencia, a vida daqueles com quem se cruza, as suas presenças no popular talkshow televisivo "Late Night with David Letterman"... Ou, pegando na tal ideia de que “o que não me mata, pode ser tema de história”, o cancro que o afectou, narrado em “Our cancer year” (1994), uma novela gráfica de mais de 200 páginas, em que Pekar (inicialmente Joyce, a sua mulher), com arte de Frank Stack, relata a sua luta contra aquela doença, que o acometeu em 1990, e como a realização da BD o ajudou não só a sobreviver ao cancro mas também ao tratamento que teve de fazer, fortalecendo os seus laços conjugais.
Claro que há excepções à regra. Mas são poucas. Geralmente relatos musicais (Harvey Pekar é também coleccionador e crítico de jazz), aconselhamento de um livro (também faz crítica literária), casos que lhe foram contados e, mais recentemente, “Unsung hero”. Editada em 2003, desenhada por David Collier, é a história verdadeira de Robert McNeil, um negro que, ingenuamente se inscreveu no exército norte-americano, antes da maioridade, na altura da guerra do Vietname, que nos conta o seu dia-a-dia no meio de rotinas e combates, problemas de racismo e o relacionamento com os autóctones, de uma forma directa, serena, mas não isenta das emoções que só a vida real proporciona.
Se começou com Crumb ao seu lado, Pekar - que apenas escreve os argumentos fornecendo-os em forma de planificação primária ao ilustrador - nem sempre tem sido feliz nos desenhadores que encontra e “American Splendor” ressente-se disso. Se Crumb e Sacco, nomes grandes da BD, bem como Neufeld ou Zabel, são excepções àquela regra, outros dos que têm passado pelas páginas dos seus comics são mais ilustradores do que autores de BD, o que não permite que as narrativas se apresentem com toda a força e eficácia que os argumentos prefiguravam. Porque as narrativas de Pekar, às vezes divertidas, às vezes pungentes, sempre verdadeiras, são directas, embora por vezes palavrosas, de leitura agradável pela fluência da narrativa, pela forma como distribui o texto pelas vinhetas ritmando a leitura e também pela escrita fonética que utiliza. E foi por levar, desta forma, a vida real para a BD, elevando-a enquanto arte, que explica a importância (e o sucesso, relativo, à escala de uma BD marginal e independente) de “American Splendor”, mais a mais se atendermos à total ausência de sexo, violência, ficção ou qualquer forma de cedência aos gostos do público.
Desde 2009, iniciara na Internet The Pekar Project, um site criado em conjunto com outros criadores, com textos e bandas desenhadas auto-biográficas, que agora assumirá o cariz de um imenso memorial de um autor controverso, sobre quem Robert Crumb afirmou: "Yeah, o Harvey é um ego-maníaco, um caso clássico, um dedicado, compulsivo judeu louco... Mas, de outra forma, como é que ele poderia ter publicado tantos comics, quase sem dinheiro, completamente isolado do mundo da BD, constantemente a implorar ou a ameaçar artistas para ilustrarem as suas histórias? E distribuindo ele mesmos as revistas!? Só um ego-maníaco persistiria diante de tantos sofrimentos. Eu desenho para ele por dois motivos: primeiro porque adoro a sua forma de contar histórias, e segundo para ele não me chatear!".

(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Março de 2004, a propósito da estreia do filme “American Splendor”)

14/07/2010

Akissi – Attaque de Chats

Marguerite Abouet (argumento)
Mathieu Sapin (desenho)
Clémence (cor)
Gallimard (França, Junho de 2010)
200 x 260 mm, 48 p., cor, cartonado


Resumo
Akissi é uma pequena costa-marfinense com 6, 7 anos, muita vida e especialmente dotada para criar confusões.

Desenvolvimento
Fosse a realidade de Akissi outra (a portuguesa) e rapidamente seria rotulada de hiperactiva (no bom sentido do termo, não como acontece (cada vez mais) neste (cada vez mais triste) país, em que falta de educação e respeito se confundem com hiperactividade).
Mas como Akissi nasceu e vive numa qualquer vilazinha da Costa do Marfim – que é muito mais do que a pátria de Drogba… - é apenas uma criança cheia de vida e traquina, para gáudio de todos nós, os seus leitores, pois as suas aventuras transportam-nos para um mundo da infância cada vez menos presente no mundo ocidental, que fabrica crianças obesas e limitadas, presas a ecrãs.
Mas já chega de amargura, até porque Akissi nos traz uma lufada de ar fresco e boa disposição.
Composto por histórias curtas, este álbum aflora situações associadas ao quotidiano infantil e ao seu imaginário, abrindo logo por uma recriação da história do Capuchinho Vermelho, em que Akissi tem que ir levar um cesto com peixe a uma vizinha, perdendo-se pelo caminho e enfrentando um… gato faminto (!), que apresenta divertidas variações e um final bem diferente e inesperado.
Mas há também uma discussão entre irmãos sobre se as meninas podem ou não jogar futebol, que termina com um final politicamente incorrecto, em que um corcunda é tomado por alguém que engole bolas (!), uma dissertação sobre a possibilidade dos macacos substituírem irmãos menores ou uma história (não aconselhável a pessoas de estômago sensível) sobre lombrigas.
As histórias, com uma estrutura que as torna ideais para serem publicadas numa publicação regular – as saudosas revistas de BD… - prosseguem neste tom ligeiro, divertido, refrescante, para o que também contribui o traço agradável e expressivo de Sapin, bem servido por cores lisas e alegres.

A reter
- O retrato traçado de uma realidade (africana) completamente diferente (ou às vezes nem tanto…) daquela a que estamos habituados.
- O humor de algumas situações.
- A ternura com que é retratado o mundo da infância.

Menos conseguido
- A sensação que fica, no final de cada história, que algo mais ficou por contar, que aquela situação poderia ter sido mais explorada.

Curiosidade
- Akissi é a irmã mais nova de Aya de Uopougon (http://www.bd.gallimard.fr/ouvrage-A57311-aya_de_yopougon.html), uma outra protagonista de bandas desenhadas escritas por Marguerite Abouet e desenhadas por Clément Oubrerie.

12/07/2010

Un Regard par-dessus l’Épaule

Pierre Paquet (argumento)
Tony Sandoval (desenho)
Paquet (Suíça, Janeiro de 2010)
240 x 320 mm, 96 p., cor, cartonado

Desenvolvimento
Este é um álbum estranho.
À partida – até pelo traço de Sandoval – tudo parece indicar (mais) uma narrativa sobre crianças traquinas. No entanto, ao fim de uma mão cheia de páginas, tudo começa a mudar, quando Pepeto, o (pequeno) protagonista, 11 anos apenas, no momento em que está prestes a pregar mais uma partida, fica com o olhar preso numa imagem de um (também) pequeno Jesus, que aparentemente se moveu e lhe acenou… Seguindo em direcção a ele, acaba por mergulhar na parede. Melhor, dentro de… si próprio, dos seus medos e desejos, dos seus temores e sonhos, das suas memórias e recordações, dando inicio a um conto insólito em que imperam o onírico, o surreal e o imprevisível…
Inicia-se assim um conto recheado de metáforas, que avança e recua, aparentemente sem fio condutor pré-estabelecido, com grandes contrastes e desequilíbrios entre as diversas sequências, que podem passar do vazio completo a verdadeiras emoções. E que vão levando Pepeto pelos mais diversos cenários, confrontando-o com feras, personagens estranhos, animais ou belas meninas, numa sucessão de acontecimentos que o hão-de trazer de novo ao ponto de partida – mais crescido? mais maduro? mais triste? mais revoltado? - onde, finalmente, nos é explicada a razão para o seu delírio (deixem escrever assim, para melhor concretizar a impressão que o álbum me deixou, sem desvendar mais do que o necessário sobre ele). O que obriga a uma releitura, à luz da nova informação recebida, para interpretar pistas que deixamos passar, descobrir novas e tentar encaixar todas as peças deste imenso puzzle.
O traço de Sandoval acaba por ser, apesar de tudo, o motivo de maior interesse deste belo livro (enquanto objecto), revelando para quem não o conhece um excelente ilustrador e colorista, com cada vinheta, cada tira, cada página, a transbordar de poesia, movimento e expressividade, sucedendo-se os exemplos de belas imagens e sequências plenamente conseguidas, que o tamanho do álbum ajuda a realçar.

A reter
- O traço de Sandoval, agradável, dinâmico, expressivo, que consegue ser doce, violento, cruel ou belo, consoante os requisitos da história, e traduzir os incómodos sentimentos de perda e abandono experimentados por Pepeto.
- O argumento, apesar dos senãos apontados, por nos obrigar a reflectir sobre as nossas próprias feridas interiores.

Menos conseguido
- Os desequilíbrios da narrativa.

Curiosidades
- Pierre Paquet é o editor das Éditions Paquet e esta não é a sua primeira incursão como argumentista de BD.
- Este álbum está inserido na Collection Blandrice onde também foi publicado originalmente o “Merci. Patron”, do português Rui Lacas.

09/07/2010

A Teoria do Grão de Areia – Tomo 2

Benoit Peeters (argumento) François Schuiten (desenho) Edições ASA (Portugal, Julho de 2010) 300 x 204 mm, 120 p., preto, branco sujo e branco, capa com badanas Desde o passado dia 1, já está nas livrarias o segundo (e ultimo tomo) de A Teoria do Grão de Areia, sobre a qual As Leituras do Pedro já se debruçaram há cerca de um ano, como pode ser comprovado aqui.

08/07/2010

Os Meninos Kin-Der

Lyonel Feininger (argumento e desenho)
Libri Impressi (Maio de 2010)
330 x 440 mm, 40 p., cor, brochada


Não é hábito de As Leituras do Pedro, mas no caso das edições de Manuel Caldas, através do selo Libri Impressi, (quase sempre) assinamos de cruz por baixo, por isso, guardando para mais tarde a apreciação da obra, aqui fica o comunicado a propósito da sua mais recente loucura editorial:

À espécie em vias de extinção dos que ainda compram livros de papel e ao número ainda mais reduzido dos que ainda gostam de banda desenhada
Manuel Caldas tem o prazer de comunicar que já está impressa e acabada a sua última edição: "Os Meninos Kin-Der", a mítica obra (do início do século XX), com o colorido completamente restaurado, de Lyonel Feininger, célebre artista ligado ao Cubismo e à Bauhaus.
Trata-se de um álbum de 40 páginas a cores impressas em papel de 225 gramas e com o enorme tamanho (maior do que o A3) de 33 por 44 centímetros!
É portanto precisamente o tipo de excentricidade que actualmente nenhum editor no seu perfeito juízo comete o arrojo de fazer.
Ainda não está marcada a data para a sua distribuição pelas livrarias, onde custará 22 Euros, no entanto será enviado de imediato (muito bem empacotado) a quem o pedir directamente ao editor. Sem custos de envio e com direito ainda a um poster de tiragem limitada reproduzindo uma das pranchas de Feininger no tamanho (62 cm de altura!) em que se publicou nos jornais de 1906.
Caso esteja interessado na edição e em contribuir para a sobrevivência de um editor que há muito deveria já ter-se rendido, faça prontamente o seu pedido. Além disso, pode aproveitar para encomendar algum dos outros livros do mesmo
editor”.

07/07/2010

Gaston – Os arquivos do Lagaffe

Franquin (argumento e desenho)
ASA + Público (Portugal, Julho de 2010)
294 x 220 mm, 48 p., cor, brochado com badanas

A 28 de Fevereiro de 1957 anos, nas páginas da revista "Spirou" belga, aparecia pela primeira vez uma estranha personagem, então de casaco e lacinho, sem que ninguém - nem ele próprio - soubesse muito bem porquê. Poucas semanas depois, a sua indumentária mudava para uns jeans uma camisola de gola alta e umas alpercatas, que o acompanhariam toda a vida.
Após algum tempo a vaguear (literalmente) pelas páginas da publicação, Gaston Lagaffe protagonizava os seus primeiros disparates, iniciando uma longa e (justamente) celebrada carreira assente numa preguiça sem igual, numa postura física reveladora da mais entranhada moleza e numa invulgar capacidade de se ocupar com tudo e nada para deixar de lado o realmente urgente. Assim, originou um sem número de inenarráveis acidentes, invenções estrambólicas e ideias disparatadas, que fizeram a vida negra aos seus colegas da redacção da revista - com Fantásio em particular destaque - cujo edifício destruiu várias vezes e tornando-o na personagem mais calamitosa e desajeitada da histórias da banda desenhada, que fez da vida monótona num escritório uma surpresa constante. E, claro, num dos (anti)-heróis mais amados da 9ª arte, a pé ou tripulando o seu Fiat 509, inventando o ininventável ou tocando o ensurdecedor broncofone (antepassado das actualmente mal-amadas vuvuzelas...).
Através dele, Franquin, por natureza introvertido e depressivo, deu largas ao seu génio, através de um humor transbordante e contagiante e de um traço personalizado, vivo, dinâmico e extremamente expressivo, muitas vezes copiado mas nunca igualado.
Várias vezes reeditado (inclusivamente em Portugal, onde começou por se chamar Zacarias…!), imortalizado numa estátua em tamanho natural no centro da Bruxelas que ele atormentou, Gaston Lagaffe viu a sua cidade natal assinalar os seus 50 anos com um mural com mais de 3 metros de altura e um dia sem parcómetros, em homenagem à guerra que ele sempre lhes moveu nas suas aventuras, para desespero do abnegado (e infeliz) agente da lei Longtarin.
E se há período que combina bem com Gaston Lagaffe, é a “silly season” do Verão, em que tudo convida a não fazer nada…! Por isso (, também,) se saúda o início da publicação, hoje, da colecção Gaston – os arquivos do Lagaffe, fruto de parceria da ASA com o jornal Público, que se propõe publicar todas as suas aventuras, segundo a ordem da mais recente colecção francesa, num total de 19 volumes, cujas lombadas formarão uma imagem de Lagaffe.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 28 de Fevereiro de 2007, a propósito dos 50 anos de Gaston Lagaffe)

06/07/2010

J. Kendall – O Fim?

O comunicado da Mythos Editora surgiu há poucos dias, “curto e directo”: “Comunicamos com muita tristeza que devido às baixas vendas e aos altos custos redacionais e gráficos a revista J. Kendall - Aventuras de uma Criminóloga (Júlia) deixará de ser publicada. A última edição será a nr. 67, Junho de 2010.” A notícia, infelizmente não é surpresa, pois apesar de gozar de boas críticas generalizadas, há muito que este título mensal não atingia o limiar de vendas necessário à sua subsistência. Como, na mesma casa editora, já acontecera com outras séries de qualidade, como Martin Mystère ou Dylan Dog, dois outros títulos provenientes da casa Bonelli. Entretanto, depois deste anúncio, face às reacções surgidas, a Mythos voltou atrás, oferecendo a Júlia, através de uma mensagem do seu editor, Dorival Vítor Lopes, mais um (curto) balão de oxigénio: “Como esperado, o anúncio causou grande clamor entre os leitores e ontem mesmo já recebi umas dez mensagens de desespero e súplicas para que Júlia continue. Como essas manifestações devem continuar e aumentar, resolvemos fazer mais 4 edições e novamente analisar o quadro de vendas. Então, iremos até o nr. 71, pelo menos. Claro que contamos com a divulgação dessas edições de todas as formas possíveis e que os leitores também se manifestem indo à banca de jornal. Muito obrigado por seu constante apoio a Júlia e a todas as publicações Bonelli. Um abraço, Dorival” Sendo verdade que a revista chega às bancas e quiosques portugueses com cerca de 6 meses de atraso – neste momento está disponível a edição #62 -, os portugueses pouco poderão fazer para inverter a situação. Fica, no entanto a informação – até porque J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga tem sido presença recorrente em As Leituras do Pedro – para que, pelo menos, aqueles que nunca se decidiram a experimentar a sua leitura, aproveitem esta última (esperemos que não) dezena de números para conhecer a (duplamente) bela criação de Giancarlo Berardi.

05/07/2010

Victor de La Fuente (1927-2010)

Victor de la Fuente, um dos maiores autores espanhóis de quadradinhos, faleceu aos 83 anos.
Natural das Astúrias, onde nasceu em 1927, De La Fuente possuía um grande domínio da planificação e um traço dinâmico e com uma grande capacidade de transmissão de movimento e foi distinguido em 2006 com o Grande Prémio do Salón del Comic de Barcelona.
Numa carreira com quase 70 anos, iniciada ainda nos anos 40 do século passado, quando ainda alternava a BD com a publicidade, De La Fuente começou por trabalhar de forma anónima para os mercados britânico e norte-americano, como tantos desenhadores do seu tempo.
O encontro com o argumentista Victor Mora, em 1967, levá-los-ia a criar “Sunday”, um dos muitos westerns que desenhou, sendo este, sem dúvida, o seu género preferido, embora tenha desenhado (e nalguns casos também escrito) histórias em muitos outros, como o comprovam séries como “Haxtur”, “Anjos de Aço” ou “Mathai-Dor”, adaptações de episódios da História de França (país onde viveu nas últimas quatro décadas) ou versões de cariz religioso como “Le fils de la vierge”, alguns dos quais editados em Portugal, em revista ou em álbum.
“Los Gringos”, com argumento de Jean-Michel Charlier, e “Aliot, le fils dês ténébres“, escrito por Alejandro Jodorowsky, são mais dois títulos da sua bibliografia, onde constam ainda, desde 1992, diversos episódios de Tex Willer, que De La Fuente foi o primeiro estrangeiro a desenhar.
Uma biografia mais extensa deste autor pode ser consultada no Tex Willer Blog.


(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Julho de 2010)

02/07/2010

Entrevista com Nelson Martins


Chama-se Nelson Martins, tem 37 anos, é formado em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e foi co-fundador e sócio da empresa de webdesign Nitrodesign, entre 1998 e 2004. Actualmente ocupa o seu tempo como webdesigner, ilustrador e cartoonista freelancer. E acaba de publicar em França o seu primeiro álbum, Tout sur les célibataires, nas Joker Éditions.

- Como chegaste à banda desenhada?
Nelson Martins -
Em miúdo, ler era para mim uma das actividades mais interessantes, em especial ler BD.
Muitos dos meus amigos da altura partilhavam esse gosto. Como tinha também o gosto pelo desenho, isso acabou naturalmente por levar à BD como forma divertida de criar e contar histórias.

- Porquê a opção por um traço humorístico, algo que é raro em Portugal?
Nelson Martins -
Isso terá sido influência do tipo de BD que sempre preferi ler. Comecei a ler os “clássicos” Patinhas, Astérix, Spirou e apesar de depois ter conhecido estilos mais afastados do humorístico, como Corto Maltese, Moebius (para dar alguns dos exemplos mais conhecidos) e diversos outros mais recentes, o estilo humorístico diverte-me mais e é esse que desenho com mais frequência. Mesmo que essa possa não ser a corrente predominante em Portugal. O género aventura também me agrada, assim como um mix de aventura com humor.

- Tinhas algo publicado anteriormente?
Nelson Martins -
Publiquei durante alguns anos em jornais regionais e suplementos de jornais nacionais, como o DN Jovem e o Correio da Manhã. Na forma de tiras ou de histórias de uma prancha.
Mais recentemente, participei em três séries de tiras de BD semanal para a internet (em co-produção com o Pedro Couto e Santos):
- “Os Especialistas”, para a revista online Digito.pt
- “País dos Sapos”, para o Sapo.pt
- “Os Especialistas”, para o Sapo.pt (canal de tecnologia)
A minha participação em fanzines resume-se a um caso pontual e em termos de álbuns, esta é mesmo a estreia.

- Como surgiu esta oportunidade de editar um álbum em França?
Nelson Martins -
Esta oportunidade, na verdade, resultou da decisão de fazer um álbum de BD, quaisquer que fossem as probabilidades de o publicar.
Os testemunhos de alguns autores e de outras pessoas ligadas à BD em Portugal levavam a crer que publicar em Portugal não era tarefa muito fácil.
De qualquer forma, por volta de 2004 comecei a discutir com um amigo meu dos tempos de faculdade (e também sócio co-fundador da Nitrodesign), o Pedro Couto e Santos, a ideia para um álbum intitulado “Lig e Mandu – os Crápulas da Montanha”, uma história de aventuras com humor à mistura.
Divertia-nos a ideia de fazer um álbum e parecia-nos que, pela diferença de estilo, teria hipóteses de ser publicado. Uma ideia a ir desenvolvendo à medida que a nossa actividade profissional permitisse.
Entre 2006 e 2008 o argumento começou a ser desenvolvido, depois esbocei cerca de 60 páginas e finalizámos algumas. Foi esse projecto que levei ao Festival Internacional de BD de Angouléme, um mercado com mais oportunidades do que o nacional.
No festival contactei uma grande quantidade de editoras e houve algumas respostas mais entusiastas, uma em especial por parte das Éditions Joker. Numa primeira abordagem as editoras avaliam quase exclusivamente o aspecto gráfico do trabalho e foi esse o feedback que recebi, ficando a história dos crápulas da montanha à espera de outro desenvolvimento.
De volta a Portugal recebi desta editora Joker o convite para a produção de 3 pranchas a partir de um argumento existente, a título de teste. A experiência correu bem e o projecto foi-me entregue.
O argumento é da autoria de Valéry Der-Sarkissian, um argumentista francês que se estreia também assim neste álbum.

- Em que moldes trabalhaste com o argumentista?
Nelson Martins -
O Valéry enviou-me o argumento em texto, com algumas indicações em relação ao layout.
O livro é uma sequência de gags humorísticos de uma prancha. Para cada prancha, o argumentista indica a quantidade de vinhetas e para cada vinheta a descrição da cena e os diálogos correspondentes entre os personagens. São indicações e funcionam apenas como tal, porque é necessário por vezes alterar essa planificação para melhor ilustrar o gag.
Para além disso enviou-me uma série de informações adicionais sobre a arquitectura do edifício do Tribunal Administrativo que serve de inspiração para o cenário onde decorrem a maioria dos gags, para definirmos mais solidamente o espaço da história.

- Como foram definidas as personagens?
Nelson Martins -
Em conjunto com o argumento, recebi uma descrição breve dos 6 personagens principais, três homens
(Henri, Philippe e M. Merriot) e 3 mulheres (Océane, Marion e Rani), todos personagens solteiros.
A descrição incluía uma sugestão dos traços físicos e de personalidade de cada um. (Ex: Henri - perdidamente apaixonado pela Marion, trabalha no balcão central de atendimento do Tribunal Administrativo. Lamenta não viver no século XIX.) A interpretação gráfica dos personagens ficou a meu cargo.
À medida que as pranchas vão surgindo, as personalidades de cada personagem vão-se definindo mais um pouco, de forma que desenhar um gag com um ou com outro personagem é diferente.

- Qual a maior dificuldade que tiveste?
Nelson Martins -
O projecto correu sempre bastante bem, incluindo a colaboração com o argumentista com quem estive sempre em contacto e foi sempre o primeiro a receber cada nova prancha.
A maior dificuldade foi mesmo conciliar os projectos de webdesign, que já tinha em curso, com a produção do álbum. Mas, com um trabalho redobrado, sobretudo nos 3 meses anteriores à entrega do álbum, pude acabar no prazo previsto.

- Houve pranchas recusadas ou que tiveste de modificar?
Nelson Martins -
Praticamente todas as pranchas foram aceites sem reservas, havendo apenas uma ou duas com o final ligeiramente alterado para reforçar a “punch-line”. Da capa é que tive de fazer algumas versões diferentes.

- Quanto tempo demorou a desenhar e colorir o álbum?
Nelson Martins -
O álbum teve início em Junho de 2009 e foi terminado em Abril deste ano. No entanto, pelas razões profissionais que referi, só nos últimos 3 meses pude trabalhar a tempo inteiro no álbum.

- Que resumo fazes desta experiência?
Nelson Martins -
A minha intenção inicial era recomeçar a fazer BD e progredir como desenhador e autor. Posso dizer que isso aconteceu; aprendi muito com a experiência sobre a criação de um álbum de BD e notei a evolução ao longo dessa experiência. E mesmo quando o trabalho redobrou na fase final do projecto, iniciar uma nova prancha foi sempre aliciante.
Também pude ver que é possível fazer da banda-desenhada uma actividade mais profissional do que inicialmente pensava, desde que haja o apoio de uma editora.

- Há alguma previsão do álbum vir a ser publicado em Portugal? Gostavas que isso acontecesse?
Nelson Martins -
Não há ainda previsão, mas com o primeiro exemplar em mãos, conto ir apresentar o álbum a algumas editoras portuguesas.
Gostava que o livro fosse publicado em português, a minha língua de origem. Para além disso seria também uma contribuição para o nosso mercado de BD, que precisa de mais actividade para cativar o interesse do público para este género de leitura.

- E agora, o que se segue?
Nelson Martins -
A intenção inicial da Joker é fazer deste livro o primeiro de uma série. No entanto, teremos de esperar para ver a reacção do mercado franco-belga.

- Que ambições tens dentro da BD? Que projectos gostavas de concretizar?
Nelson Martins -
Como já antes pensava e agora pude confirmar, é a prática envolvida nestes projectos maiores de BD que trazem experiência ao autor. Por isso gostaria de continuar a ter projectos do género, que apoiados por uma editora me permitam continuar a fazer BD de forma profissional e não apenas como hobbie.
Na BD e noutras formas de expressão artística, acho que o autor quer sempre evoluir e fazer coisas estimulantes. Gostaria de continuar a fazer BD que me divirta e inspire, assim como a quem a lê. Neste momento, enquanto aguardo a continuação da Joker, penso em formas de retomar a ideia original de “Lig e Mandu, os Crápulas da Montanha”.

(Texto integral da entrevista que serviu de base ao artigo publicado no Jornal de Notícias de 19 de Junho de 2010)

01/07/2010

As Melhores Leituras de Junho

10 pãezinhos - Um dia uma noite (edição de autor), de Fábio Moon e Gabriel Bá (argumento e desenho)

Astroboy #1 (ASA), de Osamu Tezuka (argumento e desenho)

As Tiras Clássicas da Turma da Mônica #5 (Panini Comics), de Maurício de Sousa (argumento e desenho)

Bill Baroud (Fluide Glacial), de Manu Larcenet (argumento e desenho)

Bouncer #5 - O Fascínio das Lobas (ASA), de Jodorowsky (argumento) e Boucq (desenho)

Le poilu (Delcourt), de Olivier De Rességuier (argumento e desenho)

L'impertinence d'un été - première et seconde partie (Dupuis), de Lapière (argumento) e Pellejero (desenho)

Tex - Edição em cores #2 e #3 (Mythos Editora), de Gianluigi Bonelli (argumento) e Aurelio Galleppini (desenho)

Un regard par-dessus l'Épaule (paquet), de Pierre Paquet (argumento) e Tony Sandoval (argumento)

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