A propósito da recente reedição de A Pior Banda do Mundo, em
dois volumes, cada um com três dos tomos originais, recupero o texto E a estupidez que não pára de crescer,
que publiquei a 4 de Julho de 2004 no Jornal de Notícias, a propósito da edição
– então – de A Pior Banda do Mundo: 4. A
Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto.
Para recordar já a seguir.
Num mundo, em que a vida é uma corrida contínua e em que os
avanços nas mais diversas áreas são uma constante, há muita informação, muitos
conhecimentos, que rapidamente se tornam desactualizados, sem interesse,
obsoletos mesmo. Por outro lado, primando a sociedade pelo culto do superficial
e do que é oco e acessório – embora pareça primordial pela importância concedida
– muito do “conhecimento” actual nem sequer deveria ser classificado como tal.
José Carlos Fernandes, que já havia tecido algumas
considerações sobre isto em O Museu
Nacional do Acessório e do Irrelevante, segundo volume de A Pior Banda do Mundo, volta ao tema em A Grande Enciclopédia do Conhecimento
Obsoleto, mais uma vez ambientado na cidade sem nome, época ou referências
concretas (embora com inúmeras citações arquitectónicas, literárias e
musicais), que alguém definiu como estando entre a Nova Iorque de Ben Katchor,
a Praga de Kafka e a Buenos Aires de José Luís Borges.
E estas são apenas algumas das influências – digeridas e
assumidas – do autor, que exibe uma invejável bagagem cultural para lançar, de
forma inteligente e elaborada, no seu desconcertante absurdo, um olhar crítico,
irónico e demolidor sobre muitos dos comportamentos, ansiedades, taras e fobias
do nosso mundo “global”, através dos habitantes que existem - ou apenas
coexistem – naquela cidade.
Habitantes estranhos e com as mais estranhas profissões –
obsessões? paranóias? – que JCF nos vai revelando a pouco e pouco em histórias
de duas páginas, coloridas em tons monocromáticos, com variantes de sépia e
ocre, aparentemente independentes entre si, mas que uma leitura continuada e
mais atenta permite interligar para dar consistência a um consistente,
elaborado e, até, incómodo universo (pelos tiques nossos que nele encontramos).
Neste novo álbum, que versa sobre a subjectividade dos
desafios, a relatividade da dimensão do nosso (micro)cosmos ou a importância do
conhecimento (ou daquilo que assim classificamos – não há naquela cidade um
Centro de Estudos Irrisórios e uma Fundação para o Recuo da Ciência...?) JCF
conduz-nos a encontros com gente tão estranha como um declamador de teoremas
matemáticos (e o inefável rol de admiradores e detractores do “artista”),
defensores de absurdas ligações entre ditados populares e postulados
científicos e de como estes podem originar crises conjugais, o defensor do
estudo que determina que há um número constante de pessoas a dormir no planeta
Terra, ou o combatente da sistematização da informação existente nos volumosos
armários dos consultórios dos dentistas, que os consegue transformar em marcos
na luta pela livre circulação de informação.
E onde é feita a constatação de que apesar da
“democratização do ensino e do acesso à informação, a estupidez não tem parado
de crescer”. O que não surpreende, se pensarmos em muito daquilo que, por ser
classificado como “conhecimento” ou “acontecimento”, ocupa hoje noticiários
televisivos, jornais e livros.
Talvez seja tudo uma questão de definição...
A Pior Banda do Mundo Vol. 2
(compila os volumes 4 a 6 da edição original: Grande Enciclopédia
do Conhecimento Obsoleto, O Depósito de Refugos Postais e Os
Arquivos do Prodigioso e do Paranormal)
José Carlos Fernandes
Devir, Portugal, Julho de 2014
170 x 240 mm, 192 p., cor, cartonado
22,00 €
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