Que escrever quando a leitura de uma obra nos deixa sem
palavras?
O mínimo possível, o mais directo possível.
Le Rapport de Brodeck é uma obra graficamente fabulosa – e foi
isso que primeiramente (e mais) me marcou. A transmutação do traço de Manu
Larcenet, de um registo habitualmente semi-caricatural e pleno de cor, para um
registo hiper-realista, detalhado, a preto e branco, nascido de um hábil jogo
de contrastes em que por vezes nos custa a perceber se traçou o negro na folha
branca ou esculpiu o branco em fundo negro, não só é surpreendente mas é
principalmente deslumbrante e causa um impacto que permanece no leitor para lá
do fecho do(s) livro(s). Impacto aumentado pelo formato italiano…
É com o desenho, muitas vezes mudo, que Larcenet gere os
tempos da história, compassa o seu ritmo, multiplica os silêncios e nos deixa
estupefactos face a um relato denso, pesado, incómodo e perturbador. Um relato
que tem por centro uma pequena aldeia, num país desconhecido, perdida num vale
agreste e inóspito entre montanhas; uma pequena aldeia que, pressionada pelo
desconhecido, pelos efeitos da guerra e pela presença do invasor, tende a
fechar-se sobre si própria e a expurgar-se de tudo que possa ser minimamente
diferente, estranho ou de outra origem, revelando-se depois incapaz de viver
com as memórias que os seus actos criaram.
Metáfora sobre o racismo, a intolerância, a xenofobia e os
perigos que tais sentimentos desencadeiam, qual bola de neve a rolar imparavelmente
por uma encosta, Le Rapport de Brodeck é uma obra poderosa que urge ler. Nas
linhas escritas, nas entrelinhas e no soberbo desenho que a suporta.
Le Rapport de Brodeck
Volumes 1 : L’Autre
Volume 2 : L’Indicible
Manu Larcenet
Dargaud
França, Abril de 2015/Junho de 2016
292 x 236 mm, 160 p. / 168 p., pb
EAN 9782205073850 / 9782205075403
22,50 € / 22,50 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
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