Ou como um pequeno ossinho pode influenciar toda uma vida…
O Astrágalo é a adaptação
do primeiro romance (homónimo) de Albertine Sarrazin, lançado originalmente em 1965.
Romance autobiográfico, sublinhe-se, pré-Maio de 68, espelho da vida de uma
jovem já “escandalosamente livre’,
como se lê na contracapa desta edição.
Mas o astrágalo é também, segundo a Infopédia, o ‘osso situado
na parte média do tarso, que se articula com a tíbia e o perónio de um lado, e com
o calcâneo e o escafóide do outro lado’.
E é exactamente esse osso que Anne (chamemos-lhe assim), a
protagonista, fractura, ao saltar o muro da casa de correcção em que está
detida, o que a impede de caminhar e continuar a sua fuga. Arrastando-se até à
estrada próxima, acaba por ser auxiliada por Julien, ele também com um
historial de problemas com a justiça e detenções, no que vai ser o início de
uma relação conturbada entre os dois.
Com o agravar da fractura sem tratamento por medo de ser
presa no hospital e a necessidade de saltar de esconderijo em esconderijo,
dependendo financeira (e emocionalmente) do seu salvador, a jovem vai desenvolver
por ele uma relação de paixão/dependência que vai influenciar tudo o que faz,
diz e pensa e todos os seus relacionamentos a partir desse momento. Embora, nunca
chegue a apagar da sua memória Rolande, a reclusa com quem manteve uma relação durante
a prisão, e com quem prometeu encontrar-se um dia em Paris, quando ambas
estivessem livres.
O Astrágalo, que
conta com um desenho traçado num preto e branco contrastante, que inicialmente
se estranha mas que depois se revela especialmente legível e narrativo,
consegue transmitir o clima de incerteza que a protagonista vive, os altos e
baixos emocionais que os momentos junto de Julien ou as suas longas ausências
provocam, a sua incapacidade recorrente de se libertar de quem lhe faz, ao
mesmo tempo, tanto bem e tanto mal, assentando essencialmente em sequências
quase mudas, e num texto conciso e directo centrada no íntimo da protagonista.
A tudo isso, há que acrescentar o recurso a um tipo de vida pouco recomendável, sem agrado nem satisfação e o temor constante de ser
descoberta ou reconhecida e denunciada e de ser reconduzida à prisão, o que a
obriga a uma vida quase sempre subterrânea, raras vezes descontraída, muitas
vezes falsa e ilusória.
Tudo aquilo que jamais imaginam ou sonham jovens que nem 18
anos têm…
O Astrágalo
A partir do romance de Albertine Sarrazin
Anne-Caroline Pandolfo (argumento)
Terkel Rejsberg (desenho)
G. Floy
Portugal, Outubro de 2016
170 x 240 mm, 224 p., pb, capa mole com badanas
13,99 €
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