Chama-se Marco Mendes, vive no Porto e
desde há algumas semanas ocupa o topo da página 2 - de opinião -
do Jornal de Notícias, com o seu Diário Rasgado, uma
visão pessoal sobre o quotidiano.
As Leituras do Pedro: Quem é o Marco
Mendes?
Marco Mendes: O
Marco sou eu, um careca a rondar os 40 anos (faço-os em Outubro),
casado com a Esra, uma arquitecta turca de 26, bem mais alta que eu
(a Esra mede 1,85 m).
Sou
professor (precário) de desenho em vários cursos superiores
(arquitectura na FAUP e Design, na UA e no IPCA de Barcelos) e autor
de BD\ilustrador freelancer.
Tenho
um grupo de amigos que surgem nas suas BDs desde 2004. O mais
recorrente é o Didi, um engenheiro da minha idade, com quem vivi em
casas comunitárias durante vários anos, desde os tempos de
estudante, até surgir a Esra, há cerca de dois anos. Todos vivemos
no Porto, embora algumas histórias se passem na Figueira da Foz, a
minha terra natal.
Nas
minhas BDs os personagens vão mudando, envelhecendo. Daqui por 20
anos serão todos uns velhotes, mas entretanto vão surgindo umas
crianças, como a Carolina, filha do Carlos e da Irene, que também
já apareceram em várias BDs, (o Carlos é o tipo alto e barbudo, de
poucas mas eficazes palavras e a Irene a sua dedicada companheira).
As Leituras do Pedro: Como nasceu o
Diário Rasgado (que já
existia online e deu mesmo origem a uma
compilação em livro, antes de chegar ao Jornal de Notícias)?
Marco Mendes: Nasceu da série
Peanuts, do Charles Schulz. A primeira tira que fiz neste
formato, de quatro vinhetas, foi em 2007, no seguimento da leitura da
compilação do autor publicada pela Fantagraphics. Claro que já
conhecia o trabalho do Schulz desde sempre e na altura andava
sobretudo a ler BD norte-americana da cena independente, (Clowes,
Tomine, Joe Matt, Peter Kuper, Crumb, Spiegelman, Chris Ware, etc.),
mas foi ao ler aquela compilação que decidi fazer o mesmo, com
personagens reais.
As Leituras do Pedro: O que significa
para ti seres convidado para a página de opinião de um jornal com a
tradição do Jornal de Notícias?
Marco
Mendes: Significa o concretizar dum velho sonho. Há uma
longa tradição de tiras de banda desenhada na imprensa, incluindo a
nacional, da qual sou um enorme devedor. De Herriman a Bordallo
Pinheiro, há muitos autores que revisito e que me motivam a
trabalhar nestes moldes. Sinto-me muito grato por este convite.
As Leituras do Pedro: A mudança para
o Jornal de Notícias, obriga à publicação diária (antes era
irregular). O que mudou na tua forma de trabalhar?
Marco Mendes: Agora sou pago por
cada BD que faço e não posso preguiçar. Tenho que ser mais
eficiente, não posso perder tempo a resolver erros infantis, nem
mudar de ideias a meio do processo. Sou menos experimentalista no
desenho, optando por um registo com menos “acidentes gráficos” e
mais na escrita, aventurando-me em territórios que para mim eram
virgens.
As Leituras do Pedro: Outra mudança
evidente, foi a obrigação de alargares a temática do Diário
Rasgado, centrando-a menos em ti e mais na actualidade. O
que implica isto para ti?
Marco Mendes: Implica
assumir a responsabilidade de ter um discurso politizado na esfera
pública, algo que até agora praticamente só fazia em privado, com
os meus amigos. Embora algumas tiras fossem já políticas, o meio a
que se destinavam libertava-as do peso da responsabilidade que agora
tenho, de comunicar com quem pode ter opiniões muito diferentes das
minhas.
As Leituras do Pedro: O que custou
mais: a mudança de ritmo ou de abordagem?
Marco Mendes: O ritmo. Podia ter
optado por um desenho mais simples, mas quanto mais tento, mais
complico. Funciona mais ou menos deste modo: se encontro um modo de
fazer algo mais rápido, como por exemplo usar aguarelas em vez de
marcadores, inadvertidamente dou comigo a representar demasiados
detalhes, ou a preocupar-me excessivamente com a luz ou a anatomia
dos personagens.
As Leituras do Pedro: Qual é o
processo de criação de cada ‘página’ do Diário?
Marco Mendes: São muitos
processos diferentes de acordo com o tipo de BD que quero fazer.
Algumas são desenhadas de memória, noutras recorro a imagens
fotográficas, ou a desenhos de observação a partir do real. Alguns
argumentos recriam situações reais, outras vezes são totalmente
inventados, ou adaptados de poemas, canções, etc. Quando faço
algumas BDs seguidas do mesmo tipo, a seguir tento mudar. Quanto aos
temas, se já fiz duas BDs sobre os incêndios é provável que não
faça uma terceira durante algum tempo.
As Leituras do Pedro: Ao contrário do
que é habitual neste tipo de banda desenhada editorial, tens um
traço bastante trabalhado e aplicas-lhe cor. Quanto tempo levas a
escrever e a desenhar cada página?
Marco Mendes: A mais rápida que
fiz demorou 2 horas. A mais lenta vários dias. Em média 4 a 6
horas.
As Leituras do Pedro: Crias cada
página diariamente ou tens algumas de reserva para eventuais
‘brancas’?
Marco Mendes: Tinha uma reserva de
meia dúzia delas, agora não. Desenho todos os dias. Muitas vezes
antes de me sentar à mesa não imagino o que vou fazer, mas algo tem
de sair.
As Leituras do Pedro: Recebes
sugestões de amigos?
Marco Mendes: Constantemente. Mas
com a excepção da Esra, a minha companheira, nunca são
aproveitáveis. Da Esra já aproveitei uma ou outra. Só é pena não
mas entregar logo desenhadas!
As Leituras do Pedro: Tens tido
reacções ao Diário Rasgado?
Marco Mendes: Os meus familiares,
amigos e alunos dizem que gostam e seguem atentamente. As outras
pessoas não sei, mas espero que no geral gostem.
(versão integral da entrevista que
serviu de base ao texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Agosto de 2018; imagens
seleccionadas e disponibilizadas pelo autor; fotos da autoria de
Júlio Moreira; clicar num,as e noutras para as aproveitar em toda a
sua extensão)
Sabendo que o jornal precisa vender, (nomeadamente a sua versão de papel), é uma pena não haver (eu não consegui encontrar) um link para o "diario rasgado" no site do JN.
ResponderEliminarNo mais, de todas as BD desta parceria que consegui ler (neste e em outros blogs), percebo que as temáticas são muito variadas. O que provavelmente permitirá ter uma adesão maior do que se sempre limitada ao humor (mesmo que muitas vezes o humor seja amargo).
Parabés aos dois (JN e Marco Mendes) e que a parceria se prolongue por muitos e proveitosos anos.