27/04/2023

Ronson

A
escala do mundo em criança


Con el tiempo, uno se da cuenta de que cada visita a un recuerdo supone una sutil reescritura del mismo, de acuerdo a nuestra visión del mundo em cada momento.”
In Ronson

Antes de ser aberto - e cada vez mais nos nossos dias - o livro, enquanto objecto físico, tem uma importância fundamental (para a leitura que se irá seguir). A textura da capa, as eventuais aplicações feitas nela, o tipo e a gramagem do papel, o cheiro, o peso… tudo isso pode contribuir para uma leitura deleitosa… ou desgraçá-la mais do que é imaginável.
Ronson exemplifica o que escrevi de forma admirável.

A capa, para lá da belíssima imagem, tem os pretos e brancos em relevo e uma lombada que imita pele [‘detallicos de producción finos-finos’, lê-se na ficha técnica, na página da editora...]. Esta ‘nobreza’ delicada, contrasta de forma quase chocante com as suas bordas, com o cartão cinza do fundo ‘em bruto’. Para além disso, tem os bordos das páginas opostos à lombada recortados - recortados como nas fotos antigas…?

O que faz todo o sentido, porque Ronson é um sereno passeio por memórias de infância, de alguém que viveu (quase até à idade adulta?) numa pequena povoação, que o tempo e as pessoas já esqueceram.

Recordações moldadas pela passagem dos anos, ajustadas pela pequena dimensão e a ignorância (da vida) que a criança que as viveu apresentava - e cada recordação é parte de um processo iniciático de descoberta e crescimento - recordações que tendo pouco ou nada a ver com as minhas - citadino desde o nascimento - provocaram uma nostalgia, um sentimento misto de felicidade perdida mas por curtos momentos reencontrada, e uma quase identificação com o autor deste passeio nostálgico.

Autor que assina César Sebastián, que surpreende pela riqueza assertiva da sua escrita, pela forma serena, madura e ponderada - embora imensamente emocional - com que desfila perante os nossos olhos, em páginas de planificação tradicional de três tiras de duas vinhetas, marcadas com um traço fino e detalhado e uma sábia aplicação localizada ou preponderante da cor (mostarda caqui?) que acompanha o preto e branco, estas memórias que, afinal, não podem ser suas, pois apesar de soarem tão pessoais, tão sentidas, datam do princípio dos anos sessenta, quase trinta anos antes do seu nascimento…

O que é pouco importante perante um livro - o objecto e o seu conteúdo - que emociona, marca indelevelmente e a que nos sentimos obrigados a voltar.


...sigo buscando refugio em los vestigios de mi infancia más remota.”
In Ronson

Ronson
César Sebastián
Autsaider Cómics
Espanha, Março de 2023
170 x 240 mm, 128 p., preto, branco e, capa dura
20,00 €

(imagens disponibilizadas pela Autsaider Cómics; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Li e posso dizer que foi um dos livros que ultimamente mais gostei.

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