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03/01/2020

Blueberry: O Homem da Estrela de Prata


O álbum perdido



O álbum perdido [de Blueberry] porquê? Porque foi esquecido pela ASA - e pelo Público… - nas duas colecções - a de 2008 e a que está em curso - dedicadas a um dos melhores westerns da BD franco-belga - e da BD tout court.
Sei que volto a bater na mesma tecla, mas deixo a seguir algumas justificações para que este álbum - possivelmente o mais atípico e estereotipado de toda a série - não tivesse ficado no limbo (das reedições).

16/12/2019

Blueberry: A Mina do Alemão Perdido/O Espectro das Balas de Ouro

 
Viragem

Acho que será consensual dizer que este díptico de Blueberry, correspondente aos álbuns #11 e #12 da série, corresponde a um ponto de viragem nas suas aventuras e é nele que se afirma como um dos melhores westerns da banda desenhada.
Passo a explanar algumas das razões que, segundo a minha prometida releitura da série, a pretexto da colecção ASA/Público em curso, justificam aquela afirmação.

15/04/2012

Titanic (III) - À procura de Sir Malcolm













Rivière (argumento)
Floc’h (desenho)
Meribérica/Líber (Portugal, 1986)
210 x 290 mm, 48 p., cor, brochado


1.       Este é o terceiro tomo da chamada Trilogia Inglesa, que deu notoriedade a Rivière e Floc’h nos anos 1980, numa abordagem interessante e conseguida ao romance policial tradicional de influência britânica, assentea numa boa reconstituição de época, num registo linha clara depurada e luminosa, recheada de referências, pese embora alguma rigidez das personagens.
2.      A título de curiosidade, refira-se que os dois restantes tomos daquela trilogia, igualmente editados em português, são “O Encontro em SevenOaks”, que privilegia um tom mais inquieto e próximo do terror, e “O Dossier Harding”, que tem relações amorosas por pano de fundo.
3.      Na obra hoje em análise, o registo policial vai a par do de espionagem, servindo o Titanic como cenário no qual o protagonista, sir Francis Albany, procura no passado respostas para algumas questões que desde sempre o inquietaram.
4.      Isto porque o seu pai, o tal sir Malcolm do título, faleceu no naufrágio (injustamente?) acusado do roubo de uns documentos secretos, sendo por isso perseguido por espiões alemães e ingleses, o que acaba por levantar suspeições sobre muitos dos intervenientes.
5.      O relato decorre em ritmo lento, com as perguntas a acumularem-se e as respostas a parecerem sempre incompletas e insuficientes face às evidências que (aparentemente) se vão acumulando
6.      A isso há que acrescentar um toque fantástico fornecido ao relato pelo facto de a investigação de Albany ser feita em sonhos, num regresso ao passado e à trágica viagem que fez na companhia dos pais e da sua prima Olívia, ambos então apenas crianças, curiosas e traquinas.
7.      A sua investigação corre a par do relato – já conhecido – da viagem que levou ao naufrágio do Titanic, mas, apesar de ser bem sucedida e de tudo se deslindar, acaba por ter um desfecho bem surpreendente, que obriga a repensar tudo o que foi lido ou, pelo menos, a reinterpretá-lo à luz daquilo que as pranchas finais revelam ao leitor.

Nota
Sobre o mesmo tema ler também:

09/11/2009

O Muro, antes e depois

Sienkiewicz, Schulteiss, Cabanes, Kerac, Tardi, Prado, Boucq, Drager, Zonic, Thomas, Parowski, Polch, Mezieres, Manara, Savitski, Floch, Torres, Gaiman, McKean, Pahek, Mora, Goetzinger, Gibbons, Moebius, Juillard, Bilal
Meribérica/Líber (Portugal, 1991)
220 x 292, 80 p., cor, brochado


A edição recente (em 1991) do álbum “O Muro, antes e depois", vem confirmar mais uma vez o proverbial atraso de que o nosso país sofre. Lançado a propósito da queda do muro de Berlim, por iniciativa de Pierre Christin (argumentista de Bilal e da série “Valérian”) e de Andreas Knigge (director literário das Edições Carlsen, na RFA), este álbum saiu simultaneamente em treze países europeus e nos EUA, há pouco mais de um ano. Ou seja, poucas semanas tinham decorrido sobre o derrube de um dos mais tristemente célebres “monumentos” criados pelo homem. A sua temática era, assim, actual, e a oportunidade do lançamento assinalável a vários níveis. Hoje, “tanto tempo” passado sobre a data, estou (e lamento-o) convicto de que, para muitos, o nome “Berlim” evoca apenas os saborosos pastéis de nata, que há na padaria da esquina…
Apesar de tudo, há que louvar a edição, mesmo apesar do sabor requentado (…) Compilando colaborações de cerca de três dezenas de autores (de um e outro lado do muro) o álbum ressente-se da heterogeneidade dos trabalhos, balançando o seu conteúdo entre o muito bom e o medíocre (para não ser mais severo…). A esta disparidade não será certamente estranho o traquejo as diversas e numerosas oportunidades de que sempre desfrutam os autores ocidentais (alguns dos quais de nomeada) em contraste com a limitações que eram (re)conhecidas aos seus companheiros de Leste, do outro lado do muro. Muro que foi construído para manter essas diferenças; muro que foi derrubado para, teoricamente, as abolir… Teoria que, hoje, quando a evolução das alterações sociais dos ex-países comunistas é conhecida, é questionada e em quase todos os casos, está longe de ser seguida na prática.
E esta +e uma das poucas vantagens que pode ter o atraso da edição lusa: comprovar até que ponto se tornaram realidade as visões pessimistas (ou devia escrever realistas?) de alguns dos artistas. Talvez que, de todos, o mais clarividente tenha sido o alemão Mathias Schulteiss, que nas cinco páginas que constituem a sua banda desenhada pôs na boca dos dois protagonistas muitas das dúvidas (e das críticas) que, a ocidente, se levantaram contra a abolição do muro que, enquanto de pé, apesar de reprovado, fazia já parte do comodismo quotidiano germânico (e não só). As questões que levanta o milionário da história são deveras reais e passaram de certeza pelas mentes de muitos, sendo a visão humanitária (e optimista, quase utópica) da sua companheira, hoje, uma triste e traída esperança.
Pelo mesmo diapasão alinham Mezieres e Manara (que traduz com rara beleza a destruição do sonho). Também com uma visão negativa da destruição do muro, mas esta causada pelo temor (bem oriental) da invasão imperialista ianque, são as BD de Torres e de Dave Gibbons.
Do Leste, onde a 9ª arte se encontra, a julgar pela amostra, bem abaixo do nível ocidental (leia-se francês e espanhol) e bem perto daquilo que (de pior) conhecemos em Portugal (a nível profissional9 o destaque vai para uma interessante obra do jugoslavo Bane Kerak que questiona qual será o futuro dos agora desempregados serviços secretos do Leste… Outra temática comum a mais do que um autor é a interrogação sobre os muros que ficam por derrubar, consumada que foi a queda material da construção de cimento e betão… Moebius, Mora e Goetzinger relembram ou sugerem as diversas barreiras (sociais, políticas, ideológicas) que se levantam a causar separações, quantas vezes mais difíceis de ultrapassar do que o muro que deu origem ao álbum.
Bem mais leves (e ingenuamente?) optimistas são os trabalhos de Sienkiewicz, do jugoslavo Zeljko Pahek e do colectivo leste-alemão Zonic, que anteviam um futuro esperançoso baseado no querer dos povos…
Tardi e Boucq, bem ao seu estilo, são cáusticos e directos.
Para o final, propositadamente, ficaram as três contribuições em que a poesia marca mais forte presença.
André Juillard, com um traço suave e claro, dá-nos a sua visão do novo mundo, se muros de pedra. Ficam os outros…
Prado, com uma breve narrativa ilustrada, plena de sentimentos e emoções, sentida e bem realista, lembra como era possível, cinco dias antes da queda, do lado de lá, perder esperanças e amores, o direito de viver em liberdade e a… vida.
Finalmente, tendo como pano de fundo uma colagem de Dave Mckean, surge-nos um poema do também britânico Neil Gaiman, onde ele conta:
“Quando era pequeno, tive um sonho…
No meu sonho havia uma nota, um tom, um acorde;
e quando surgia esse acorde, caíam todos os muros, em todo o lado. E as pessoas em todo o lado viam…
… O que as pessoas têm por hábito fazer atrás dos muros.
Ninguém mais tinha de se esconder em parte alguma.
Foi nessa altura que acordei. E por isso nunca soube se era bom ou mau não haver muros, algo onde nos possamos esconder e que sejamos livres de ir para todo o lado: sem hipocrisias, sem protecção, sem segredos”.
Há uns meses, um muro, “O” muro caiu. Para que possamos ver. Este álbum foi feito para que possamos relembrar.
Para que não sejamos operários na construção de novos muros.

(Versão revista do texto “O Muro, muito depois”, publicado no jornal O Primeiro de Janeiro, a 7 de Abril de 1991)
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