A parte e o todo
Erros grosseiros e grande desilusão
Por isso, a par da curiosidade, tinha bastante receio deste
livro. A leitura, no entanto, revelou-se uma agradável surpresa, pelo respeito
pela obra de Charles Schulz, pelo reencontro com as personagens, pela
recordação de situações-chave da obra, pelo registo divertido, pelo tom de
homenagem, pelo sabor a nostalgia.
haja também uma das raras respostas à altura que ele deu a Lucy; a dependência… de Linus em relação ao cobertor; a crueldade crescente das tiradas de Lucy, quer como psiquiatra, quer sendo ela própria (!); a (inexistente) relação de Lucy com Schroeder; a paixão platónica de Linus por miss Othmar, a sua professora; o protagonismo crescente de Snoopy – assumindo outras personalidades, a sua relação com a casota; as referências à rapariguinha ruiva por quem Charlie Brown se apaixona mas com quem nunca falará…
- A qualidade da edição, em tudo fiel à original. E onde se destaca o grafismo sóbrio, cuidado e atraente de Seth.
- Logo nas páginas iniciais, Lucy enterra o cobertor de Linus, num episódio que serviu de base à primeira graphic novel dos Peanuts, a editada nos EUA por estes dias.
Charlie Brown, Snoopy, Lucy, Linus e os restantes companheiros vão regressar à banda desenhada já este mês. O anúncio foi feito pela editora norte-americana Kaboom!, confirmando assim os rumores que circulavam no meio dos quadradinhos, desde que os herdeiros de Schulz venderam os direitos da série à Iconix Brand Group Inc. por 175 milhões de dólares (cerca de 131,5 milhões de euros), em Abril do ano passado.
A última prancha dominical foi publicada a 13 de Fevereiro de 2000, um dia após a morte de Schulz, único responsável pelas 17 897 tiras da sua criação, pelo que esta é a primeira vez que os Peanuts têm uma assinatura diferente.

Estas, estariam a cargo de outro rapazinho que na última vinheta disparava: “Não posso com ele!”. Nem Charles Schulz, o seu autor, possivelmente o saberia ainda, mas esta frase definia já o carácter futuro da personagem, que só reapareceria seis tiras mais tarde: anti-herói, depressivo, sem auto-confiança, sonhador mas eterno falhado (no amor como no desporto, nas brincadeiras como nos relacionamentos)… Era a base de um retrato sério e profundo de gente adulta (nunca presente nos quadradinhos) feita a partir de gente pequena, com todos os defeitos (e algumas qualidades) dos grandes.
tornar-se a estrela da série, fazendo um contraponto entre a vida real dos outros e o seu mundo de fantasia, funcio-nando quer como consciência crítica do grupo, quer como principal fonte de nonsense, através dos seus diversos heterónimos: escritor famoso, ás da aviação da Primeira Guerra Mundial, chefe de escuteiros, o relaxado Joe Cool, advogado, hoquista, patinador olímpico…
acabaram por saltar do papel que os viu nascer para outros suportes: primeiro o merchan-dising, nas suas mais diversas formas, depois a televisão (onde o sucesso foi ainda maior, sem que as suas qualidades intrínsecas fossem afectadas), um musical na Brodway, a literatura, onde foram base de teses diversas e tema de livros filosóficos, sociais e religiosos…
Entretanto, recentemente, esta empresa anunciou que a United Feature Syndicate, com quem Schulz trabalhou desde o início, deixará de distribuir a banda desenhada – cujas 17897 tiras ainda são (re)publicadas diariamente em cerca de 2000 jornais de todo o mundo – passando esta para o serviço Uclick da Universal.
A efeméride é assinalada a diversos níveis: a Smithsonian National Portrait Gallery de Washington expõe auto-retratos de Schulz, Snoopy junta-se à Unicef para uma recolha de fundos que durará até Novembro de 2011, foi posta à venda uma figura de tiragem limitada reproduzindo o “primeiro” Charlie Brown, a Fantagraphics Books continua a soberba reedição integral da tira (de que a Afrontamento já lançou cinco volumes em português) e a Lacoste lança uma série de pólos com as criações de Schulz a interagirem com o famoso crocodilo da marca.
Cada volume, com mais de 300 páginas, reúne por ordem cronológica, recuperadas e restauradas, todas as tiras diárias e pranchas dominicais publicadas nos jornais ao longo de dois anos, com excepção do primeiro que abarca o período 1950-1952.
Em 2006, a Afronta-mento, a exemplo do que têm feito outras editoras um pouco por todo o mundo, lançou os dois primeiros tomos, em versão portuguesa “Peanuts – Obra completa”, tendo até ao momento editado cinco volumes, o último dos quais em Dezembro último, correspondente ao período 1959-1960. Este volume, dedicado a um período em que os alicerces da série já estavam lançados e Schulz já tinha encontrado o seu caminho, inclui, entre muitas outras, as tiras dedicadas ao nascimento de Sally, a irmã de Charlie Brown (aqui bebé mas que em pouco tempo atingirá a idade dos outros Peanuts), a aparição inaugural da Grande Abóbora, a primeira consulta da “psiquiatra” Lucy e, claro, a página que Schulz sempre referiu como a sua favorita, a prancha dominical de 14 de Abril de 1960, aqui reproduzida.
1922
1965
1992
2002
Há dez anos, a 12 de Fevereiro de 2000, falecia Charles Schulz, o criador dos Peanuts, possivelmente a banda desenhada que mais autores (e não só) influenciou. No dia seguinte, era publicada nos jornais a última prancha dominical desenhada por si. Em Outubro próximo, passam 60 anos sobre a estreia da sua criação.
Era Charlie Bown, em todo o seu (total desprovimento de) esplendor, ou não seja ele, possivelmente, o (anti)-herói mais nulo da história, sem quase nenhum êxito ao longo de 50 anos de quadradinhos. Mas foi com ele – em torno dele, mais exactamente – que Charles Monroe Schulz desenvolveu uma das mais notáveis galerias de personagens e um dos mais espantosos universos das histórias em quadradinhos, um autêntico “microcosmos”, como os classificou o insuspeito Umberto Eco, “uma pequena comédia humana, tanto para o leitor inocente como para o leitor sofisticado”.
jornais de todo o mundo, estando traduzidos em 25 línguas (incluindo o latim!) e em 75 países, tendo os seus livros vendido mais de 300 milhões de exemplares.
humano, dormindo no tecto da casota, escrevendo à máquina romances de sucesso, assumindo a identidade de um ás da aviação da I Guerra Mundial em luta contra o terrível Barão Vermelho, o piano de Schroeder, o cobertor de Linus, o nonsense de muitas situações...
Ele próprio o afirmou: “desenhei os Peanuts pela mesma razão que Beethoven compôs as suas sinfonias, porque era a minha vida”. Para o pior e para o melhor pois Schulz era propenso a crises de depressão e de amarga solidão que frequentemente influenciaram a tira. Por isso, se os Peanuts podem ser ternos, meigos, engraçados, amigos, interessados, disponíveis ou altruístas, também conseguem ser maus, egocêntricos, cruéis, amargos, egoístas, ressentidos ou injustos.
o futuro (assustador), os sonhos, as relações, as ambições… Para além disso, ao longo dos anos, Schulz foi capaz de actualizar a série, introduzindo nela os avanços e as invenções que o homem foi criando, como a televisão, o microondas ou a chegada à Lua, em que Snoopy precedeu os astronautas da Apolo XI e mesmo… o gato do vizinho!
O que só se pode lamentar porque, pondo tudo o mais de lado, lembra Matt Groening, o criador dos Simpsons, fica “o que interessa: cinquenta anos de Peanuts propriamente ditos, a brilhante, atormentada e genuinamente divertida obra-prima de Schulz, impregnada de alegria e mágoa”. E na qual nos podemos reconhecer, seja nos fracassos de Charlie Brown, na irritabilidade de Lucy (que nunca tem dúvidas e raramente se engana…), na insegurança do intelectual Linus, no virtuosismo de Schroeder, na dificuldade comunicacional de Woodstock e, pontualmente – felizes de nós – na multiplicidade de Snoopy porque, ainda segundo Cronkite, “o maior dos truques mágicos de Schulz foi dar vida a todas aquelas criaturas maravilhosas com as quais povoou o nosso mundo e alegrou os nossos dias”.