26/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Machado-Dias*

- Qual o objectivo do BDjornal?
Machado-Dias - Os principais objectivos do BDjornal foram enunciados logo no editorial do #1 em Abril de 2005: 
a) Chegar às Bibliotecas Municipais através de assinaturas a preços reduzidos, para fazer circular a informação sobre Banda Desenhada por um público mais vasto; 
b) Conseguir a colaboração dos editores de Banda Desenhada, com informação sobre as suas novidades e colocação de publicidade; 
c) Conseguir a adesão dos Festivais e Salões de BD deste país, através de informação a publicar e de publicidade paga dos mesmos e 
d) Conseguir a congregação em torno do projecto, dos homens e mulheres que neste país escrevem sobre Banda Desenhada. Destes quatro grandes objectivos, apenas o último se veio a verificar, mesmo depois de chegarmos à conclusão de que não era possível continuar a pagar aos colaboradores. Do primeiro objectivo ainda se conseguiram assinaturas de trinta e duas Bibliotecas (em cerca de duzentas e tal existentes). 
Dos editores, apenas a Devir contribuiu com alguma publicidade no primeiro ano do BDjornal. Nenhum outro editor (especialmente a Asa) fez alguma vez publicidade no BDjornal. Quanto aos Festivais e Salões, apenas o de Beja manteve sempre um contacto informativo assíduo, porque no que toca a publicidade não se conseguiu qualquer colaboração, dando como resposta às nossas solicitações nesse sentido, a condicionante dos escassos meios de produção – mesmo o Festival de BD da Amadora, que teve sempre publicidade paga em vários meios de comunicação, nunca colocou qualquer anúncio no BDjornal, esquivando-se com o mesmo tipo de resposta. Quanto aos objectivos de conteúdo, foram, desde o início, incluir doses equilibradas de textos de divulgação, de investigação, de crítica, de reportagem, de entrevistas, e com o leque mais abrangente possível de notícias sobre tudo o que se relacionasse com Banda Desenhada (em Portugal e no estrangeiro). 
É claro que a pesquisa de notícias foi a parte que exigiu o maior esforço, sendo notável o trabalho, sobretudo de Clara Botelho – há que dizê-lo – durante três anos e tal, todos os dias, à cata de notícias sobre BD, a procurar confirmações em duas ou três fontes, a traduzi-las e a vertê-las para um português compreensível. Ao perceber que tanto esforço deixava de fazer sentido, dada a profusão de sites e blogues que na internet publicam cada vez mais notícias em catadupa sobre o tema, resolvi reduzir a dose de notícias, a partir do BDj #23 e depois acabar definitivamente com elas a partir do #25. No que diz respeito à publicação de trabalhos em Banda Desenhada, essa nunca foi uma prioridade – não era esse o objectivo do BDjornal – mesmo assim, optei por incluir algumas peças, mais para aligeirar as leituras, do que outra coisa. 
E algumas das bandas desenhadas publicadas no BDjornal, chegaram mesmo ao álbum, apesar de não terem terminado a pré-publicação. Caso de “Sexo, Mentiras e Fotocópias”, de Álvaro, pela Pedranocharco; “Morgana – O Castelo nas Núvens”, de José Abrantes, pela Gailivro e “BRK”, de Filipe Pina e Filipe Andrade, pela Asa. Mas não era uma prioridade porque continuo convencido de que não é viável uma revista de BD em Portugal. A partir da experiência algo frustrante da segunda série das Selecções BD, é notório que uma revista de BD não é viável neste país, simplesmente porque não há público que a sustente. Uma publicação com os conteúdos que apontei atrás, parece-me mais sustentável, embora a paulatina redução da tiragem, me comece a colocar algumas dúvidas. De qualquer modo vou continuar a tentar fazer, pelo menos, duas edições anuais… até ver. Já agora e como curiosidade, vamos ver como se conseguirá aguentar o projecto Zona (quanto a mim, de grande qualidade e com bom potencial de vendas… noutro país qualquer), ou se, como penso, não conseguirá sair da fase fanzinesca de tiragem, aliás como o próprio BDjornal nesta altura. 

- Até onde consegue chegar/que visibilidade tem? 
Machado-Dias - Ao fim de cinco anos, o BDjornal é, apesar da actual reduzida tiragem, conhecido por toda a “tribo” da BD em Portugal e não só. Este não só, refere-se a alguns livreiros com quem contacto por vezes e que, insuspeitadamente e para meu espanto, sabem exactamente do que estou a falar quando falo no BDjornal. E também ao facto de cada vez mais gente no Brasil adquirir o BDj via internet – e já agora, o BDjornal vai estar à venda numa loja do Rio de Janeiro, que adquiriu determinado número de exemplares, pagos antecipadamente (refira-se que em Portugal, apenas a Vilelivros e a Central Comics, durante algum tempo, fizeram compras do BDjornal, pagas antecipadamente). Ou de algumas lojas especializadas da Galiza que, de vez em quando me escrevem emails a perguntar quando sai o próximo BDjornal e para as quais o tenho enviado – só que, o problema das contas com o outro lado da fronteira, acaba por se tornar complicado, inviabilizando uma colaboração permanente. Portanto, com a internet, as coisas chegam longe, muito longe até. Mas o que interessa, de facto, são as vendas, e essas não são, nem de perto nem de longe, o que faziam antever as expectativas. O que me parece é que a persistência pode dar frutos, como o demonstra o caso do Brasil, que é, a meu ver, o grande mercado a explorar, embora não saiba ainda muito bem como.

- Nos moldes actuais, que futuro antevês para a BD nacional?
Machado-Dias - Devo recordar que estes moldes (os actuais), especialmente na questão editorial, têm sido mais ou menos cíclicos. Mas os problemas são mais amplos. Reportando-me a 1993 (ano em que comecei nas lides da edição, nessa altura ainda com fanzines), a Meribérica dominava o mercado e assim continuou até 2002 – ano da morte do seu fundador e proprietário, Telmo Protásio – aguentando-se em estertor por mais um ano. Foram cerca de dez anos, com uma crise editorial forte em 1994/96 de onde nasceram a Polvo, a BaleiAzul, a Pedranocharco, etc… Destas, a BaleiAzul e a Pedranocharco ficariam pelo caminho e a Polvo passaria por um mau bocado. Seguiu-se um crescimento nas edições de BD, em que apareceram mais editoras: Witloof, Círculo de Abuso, Nova Comix (tudo em 2000) e a Booktree, em 2002, com pessoal saído da Meribérica, já em crise profunda. Todas estas editoras desapareceram na voragem da crise editorial de 2005/2006. Com o colapso da Meribérica, a Asa voltou à Banda Desenhada, depois de uma hibernação de quase dez anos no sector e aproveitando o desemprego e o respectivo know haw da ex-responsável editorial daquela editora. Caso um pouco à parte, a brasileira Devir aparece em Portugal em 1996 e constrói um bem recheado catálogo virado para os comics, mas não consegue sobreviver à crise de 2005/2006… até ver. Falta aqui a VitaminaBD, que Pedro Silva (depois de arrumada a casa BDmania) resolve criar em 1999 e que, quanto a mim, é a editora que melhor tem trabalhado, de forma criteriosa na escolha de títulos e com edições pontuais e sustentadas do ponto de vista económico e financeiro. A seguir à crise de 2005/2006 aparecem novas pequenas editoras, a Polvo volta à edição, depois de uma rocambolesca venda de existências em armazém, agora como chancela pessoal de Pedro Brito, tal como a Pedranocharco, agora também como minha chancela pessoal. Surge a Mangaline (editora dedicada à mangá, que apenas editou 2 ou 3 títulos), a MMMNNNRRRG, a ElPep, a Livros de Papel (que depois da zanga José Vilela/Manuel Caldas, deu origem à Bonecos Rebeldes, de José Vilela, e à Libri Impressi, de Manuel Caldas), a Kingpin Comics (agora Kingpin Books), a Plana Press, a QualAlbatroz, etc… Portanto, tudo isto para mostrar que ao desencadear das cíclicas crises económico-financeiras neste país, pelo menos desde 1993, correspondem o encerramento de editoras e, no pico das crises, à criação de novas pequenas editoras. Sendo que em 2005, após o desenvolvimento da impressão digital tornar possíveis pequenas tiragens, fez com que o aparecimento de novos editores, fosse muito superior a 1995. Mas há aqui um factor a reter: a falta de realismo, que levou ao encerramento de algumas editoras, por inundarem o cada vez mais escasso (?) mercado português, com catadupas de títulos, destinados em grande parte ao armazém ou à guilhotina. Refiro-me a casos como a Witloof, e a Devir, por exemplo, que não souberam gerir as doses de títulos editados e acabaram por implodir. De todo este movimento de aparecimento e desaparecimento de editores, resta dizer que ninguém sabe nada do que fizeram, para além do óbvio – os títulos editados. De resto, não são públicos nem os números de tiragens nem os de vendas. Isto, à boa maneira portuguesa, de que “o segredo é a alma do negócio”, contrariamente, por exemplo, ao que acontece em França, onde a ACBD (Associação de Críticos de Banda Desenhada) tem, logo no início de Janeiro de cada ano, um relatório impressionantemente pormenorizado com a quantificação de todos esses dados. É a diferença entre um semi-artesanato e uma verdadeira indústria. Por outro lado também não existem dados de quantificação sobre o público leitor de BD em Portugal. O último relatório da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), referente a 2005 (sic), aponta que 31,8 % dos leitores portugueses inquiridos (cerca de 2.000) têm em casa livros de Banda Desenhada – que podem ser 1, 5, ou 500… o que torna o relatório irrelevante e ridículo. Quanto aos números de visitantes dos festivais de BD (actualmente só Beja e Amadora), o da Amadora fornece sempre com pompa e circunstância a quantidade de visitantes – sejam eles consumidores de BD ou não –, mas não tem qualquer informação quanto a números de livros vendidos, nem parece sequer interessar-se por essa questão. Mas o de Beja costuma fornecer esses dados – o que ainda não aconteceu este ano –, uma vez que, como optou por um mercado colectivo do Livro, gerido por um único operador, consegue sempre saber quantos livros se venderam. Mas como não se sabe o que se passa na Amadora nesse aspecto e porque é o que tem mais afluência de visitantes, não podemos tirar qualquer conclusão pela via dos Festivais. Navega-se portanto às cegas. Falta referir ainda um outro factor importantíssimo: os livreiros. Sabendo-se que muitas livrarias não aceitam determinado tipo de publicações, ou exigem – como desconto – uma fatia salomónica dos preços de capa (os grandes grupos, actualmente, não aceitam nada que seja inferior a 45%), restam as pequenas livrarias e as especializadas. E estas, além de não serem mais de meia dúzia, estão, a maioria delas a atravessar graves dificuldades. Para ilustrar isto, por exemplo, as livrarias Bulhosa, devolveram o BDjornal #25, com a nota de que “não foi pedido”, e quando os contactei, foram taxativos: além de não ter sido pedido, não aceitam um desconto de menos de 45%. Ora as Bulhosa sempre venderam o BDjornal (e todos os livros Pedranocharco) desde 2006, com descontos de 25% e 30%. Este ano, parece que se uniformizaram, pelas mesmas condições da FNAC e Bertrand. Se a estas percentagens se somarem os habituais 20% cobrados por um distribuidor, os descontos vão para a ordem dos 65%. O que quer dizer que, ou os preços dos livros têm que ser substancialmente aumentados para absorverem aqueles descontos, ou não são colocados nas grandes livrarias, passando a ter muito menos visibilidade e por via disso, muito menos vendas. Só resta pois a venda via internet que, como sabemos, não funciona (ainda?) em Portugal como em outros países. São estes os “moldes actuais” do trinómio editores-livreiros-consumidores, que mexem com a circulação da BD neste país. Antevejo portanto que o futuro da BD em Portugal vá continuar assim por muito tempo, um caminho aos solavancos, com poucos ganhos e muitas perdas, tudo porque não se conseguem quantificar as coisas, impedindo cada editor de ter uma planificação e uma acção em conformidade. Mas, se calhar, nada disto é importante… porque ninguém parece preocupar-se com o assunto e, se toda a gente diz mal destes “moldes actuais”, a verdade é que ninguém faz rigorosamente nada para os modificar. Não falo, propositadamente, do sector primário da banda desenhada: os autores. Porque me parece que não é aí que estão os problemas. Existem neste país autores de banda desenhada em número e qualidade suficientes para alimentar uma verdadeira indústria, desde que sejam publicados e… pagos. Os problemas só começam depois deles. Para terminar, deixo aqui uma ideia – já antiga, diga-se – que, se implementada, poderia vir a ser um princípio de solução para sabermos, pelo menos, “a quantas andamos”. Tratar-se-ia de constituir uma associação, talvez do tipo da ACBD francesa, mas com editores e livreiros especializados (e dos generalistas, os que o quiserem). Tem-se falado algumas vezes de uma associação de autores de Banda Desenhada, apesar de já existir a FECO, mas sinceramente não sei para que serviria. Estou a falar de coisas práticas: contabilizar títulos editados, respectivas tiragens e quantitativos de vendas, abarcando vendas em livrarias generalizadas e especializadas, grandes superfícies, Festivais, Salões e outros eventos e produzir anualmente (logo em Janeiro) um relatório de tudo isto, para ser publicado. Mas não algo como “o estado da BD”, que foi tentado pela Bedeteca de Lisboa em 1999 – com as conclusões algo atabalhoadas a serem publicadas em livro (“Hoje, a BD 1996 a 1999”) – e continuado daí para cá, com os, também atabalhoados “dossiers” anuais, publicados on-line e que não servem para nada.

* Editor da pedranocharco e director do BDjornal

25/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Mário Freitas*


- A edição é para ti um projecto pessoal ou surge para suprir uma falta (por parte das “grandes” editoras)?
Mário Freitas -
As minhas edições surgiram inicialmente como forma de editar o meu projecto pessoal, o Super Pig, mas quis o destino que surgisse na altura outro projecto embrionário interessante, o CAOS. Assim, o que se pretendia ser apenas uma breve incursão editorial começou a tornar-se num projecto estruturado e pensado, independentemente da pequena dimensão que assume agora e que dificilmente deixará de assumir, mesmo depois dum grande êxito como A Fórmula da Felicidade. De qualquer forma, a minha missão e a dos meus colaboradores é de produzirmos BD cada vez melhor e cada vez mais profissional, capaz de ombrear com o melhor que é feito pelas editoras mais profissionais e mais capazes.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições (como as tuas)?
Mário Freitas -
Estas edições saem fora da lógica das distribuidoras, a quem interessa apenas editoras maiores com inúmeros títulos em carteira. Nesse sentido, elas chegam às livrarias às quais conseguimos chegar através duma distribuição própria. Mas mesmo esta questão da distribuição, per si, nada resolve. Que interessaria, por exemplo, colocar os livros nas Bertrand, cujas livrarias demonstram um total desinteresse, e mesmo ignorância, na forma como tratam e expõe a BD?

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Mário Freitas -
Um futuro em que continuarão a haver e a aparecer excelentes autores, nomeadamente artistas, e em que os melhores ou mais afortunados conseguirão chegar aos mercados realmente relevantes, como o americano ou o francês. De resto, persistirá sempre uma leva de wanna-bes, has beens e never will bes que teimará em não evoluir, em não crescer e a perpetuar a troca entre si de elogios vácuos e palmadinhas nas costas.

* editor da Kingpin Books

24/06/2010

Astroboy 1

Osamu Tezuka (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Junho de 2010)
127 x 182 mm, 224 p., pb, brochada


Resumo
Astroboy é uma das mais famosas criações de Osamu Tezuka (1928-1989), considerado o pai do manga moderno e, sem dúvida, o mais importante autor do género, sendo esta a primeira vez que o autor é publicado no nosso país.
Astroboy, cuja versão cinematográfica estreou há poucas semanas nos nossos cinemas e cujo sucesso da versão animada, em 1963, estaria na origem do grande boom da animação japonesa, é a designação ocidental de um herói criado em 1951 sob o título de Atomu Taishi e um ano mais tarde alterado para Tetsuwan Atomu.
Manga “shônen” (ou seja, direccionado para o público juvenil masculino), de grande longevidade – foi publicado até 1968 - é uma história de ficção-científica que decorre no (então futuro e distante) ano de 2003, num tempo em que máquinas e humanos vivem lado a lado. O protagonista é um poderoso robot, criado por um cientista para substituir o seu filho falecido num desastre de automóvel, mas depois abandonado por não crescer e se desenvolver. Astroboy acaba por tornar-se o herói de Metro City, usando as suas super-capacidades para combater o mal

Desenvolvimento
Para os nossos dias, o tom – e a forma como são abordadas temáticas como a conquista do mundo a colonização da Lua ou a construção de robots a partir de seres vivos - pode parecer algo ingénuo, mas não deixa de ser um prazer ler Tezuka em português e descobrir (algum)as qualidades que fizeram dele um dos grandes autores aos quadradinhos de sempre: o ritmo, originalidade e imprevisibilidade das histórias, a planificação variada e dinâmica…
Apesar do tom aventuroso de Astroboy, Tezuka fez dele um hino à tolerância e à amizade, o que é de alguma forma visível no segundo (e maior) dos relatos incluídos neste tomo, ou não tenha sido o herói imaginado num Japão ainda sob os efeitos da derrota na II Guerra Mundial.
Curioso também é verificar como o seu traço simples – quase apetece escrever infantil – funciona tão bem num registo de ficção-científica como é este, quanto em histórias de outro cariz, sejam lendas, aventuras de acção, policiais ou de crítica social.
Fica o desejo que o “sucesso” desta “trilogia” permita à ASA posteriormente avançar com outros títulos (mais estimulantes) do autor, de temática mais adulta.

A reter
- A edição de Tezuka em português.
- A estreia da ASA na edição de manga japonês.
- A publicação do livro praticamente em simultâneo com a estreia do filme. Parece (e é) lógico, mas tem sido raro em Portugal.

Curiosidade
- As três histórias (completas) contidas neste volume têm introduções – igualmente aos quadradinhos -, protagonizadas pelo próprio Tezuka –posteriores á data original de publicação, que ajudam a perceber o contexto em que foram criadas.
- Este é o primeiro dos três volumes de Astroboy que a ASA tem agendados, devendo os restantes chegar às livrarias em Julho e Agosto.
- A edição portuguesa, de boa qualidade, respeita o sentido de leitura original, ou seja, da direita para a esquerda e do “fim para o princípio” (em relação à forma como geralmente se manuseiam os livros ocidentais).

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Junho de 2010)

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Osvaldo Medina *

- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
Osvaldo Medina -
Publicar numa editora pequena foi simplesmente fruto do acaso, ao desenhar o livro «A tua carne é má» , escrito pelo Pep, despertei a atenção do Nuno Duarte e do Mário Freitas que apostaram em mim para “A Fórmula da Felicidade”. Se isto tivesse acontecido com uma editora grande provavelmente faria o mesmo. Mas a verdade é que numa editora grande há um medo terrível em apostar em novos autores - vai vender? Não vai vender? Vale a pena? Não vale? Mais depressa apostam num nome desconhecido americano, japonês ou de outra qualquer nacionalidade - desde que venha de fora de portas - que num nome nacional. A questão é simplesmente esta, não apostam no “prato” da casa! Isto acontece em todos os ramos, porque não neste ramo também? Claro que isto arrasta um sem número de consequências para a BD nacional.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Osvaldo Medina -
A visibilidade é pequena, não vale a pena andarmos com rodeios nesse aspecto. Se a editora é pequena, como é óbvio, não terá os meios para uma grande divulgação. Há as feiras, os salões (quantos, em Portugal, por ano?)e pouco mais. Se conseguirmos um espacito na FNAC não é mau, mas normalmente estas edições ficam num cantito empoeirado sem qualquer destaque, nada que diga “gosta de BD? Venha cá ver isto!!” Não é preciso puxarmos do orgulho nacional e salientar “isto é luso!!” porque na verdade, acho que afasta mais do que chama. Existe um preconceito brutal por parte dos leitores no que diz respeito à BD nacional. A maior parte acha chata e sem piada nenhuma e se calhar não é de todo mentira. Temos que mostrar o produto, sem vergonha, e pedir a opinião das pessoas, dos clientes, dos leitores. Porque se queremos que isto vá a algum lado é assim - temos um produto e queremos passá-lo para as mãos das pessoas - mais nada.
A visibilidade chega, acima de tudo, onde chegam os “carolas” da BD. Quem gosta fala do que gosta a outros “carolas” e a coisa vai passando de boca em boca. Blogues, sites e por aí fora.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Osvaldo Medina -
Temos cada vez mais pessoas a fazer, cada vez mais e cada vez melhor, temos cada vez mais pessoas a serem editadas fora do país. Isto só pode ser bom! Mas no nosso país não há cultura de BD. As pessoas não lêem - a não ser a ”Maria” e “A Bola” - e não estão habituados a gastar dinheiro em livros. A BD será sempre algo de nicho, para especialistas. A não ser que se chegue às pessoas. Temos que ir atrás delas. O que querem ler? Que tipo de histórias?
Se calhar estou a ir contra as ideias de muitos “artistas” mas, na minha opinião, os artistas morrem de fome e só são reconhecidos a título póstumo.
Neste momento temos uma massa crítica em termos de autores muito boa, que abarca todos os géneros, mas quantos vivem da BD? Nenhum? Um? Porquê? Porque não há leitores suficientes! Não há editoras a apostar! Não há mercado de base, logo não há dinheiro de retorno para os autores que preferem deixar a BD ( ocupa muito tempo) e ir trabalhar noutros meios.

* Desenhador de A Fórmula da Felicidade e Mucha

23/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito João Tércio*


- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
João Tércio -
É as duas coisas. No meu caso foi com grande satisfação que vi o meu primeiro álbum editado por um amigo, colega e pessoa ligada à BD portuguesa há mais de 20 anos, Pepedelrey. Alguém que sempre acreditou no meu trabalho. Aliás, estou a trabalhar num novo livro com ele mas de momento não posso adiantar pormenores; top secret!
Por outro lado, não sei se tem a ver com o efeito crise, as grandes editoras não mostram grande interesse em apostar em novos autores e preferem por enquanto dedicarem-se a reedições de clássicos e a continuar a trabalhar com os talentos já confirmados. Este ano em Angoulême não vi grandes novidades.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
João Tércio -
Tudo depende da capacidade de distribuição... se conseguirmos entrar no mercado brasileiro penso que a BD em língua portuguesa pode crescer muito nos próximos anos. Nos outros mercados temos de pensar em edições bilingues ou trilingues para angariar o máximo número de leitores. Mas mesmo lá fora e em países onde se consome BD como França, Itália, Espanha, o mercado varia muito. E se retirarmos a percentagem maior, que são os comics americanos e a manga japonesa, a fatia que sobra é muito pequena mas muito variável. Hoje quer-se uma BD politicamente correcta, amanhã uma viajem introspectiva de autor, e depois quer-se é erotismo kafkiano, etc...

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
João Tércio -
O habitual futuro negro de autor de banda desenhada...
Penso que em Portugal é muito devido à determinação e talento dos autores se tenta revolucionar a 9ª arte, que ao longo dos anos tem sido de alguma maneira menosprezada como uma arte menor. Se esta revolução de vários estilos, cores e feitios chegará a bom porto, só a médio prazo o saberemos. Continuo a sublinhar a importância que o mercado brasileiro pode vir a ter para a BD portuguesa, porque vejo aí uma grande vontade de ler projectos novos em português.

* Autor de Março Anormal

22/06/2010

L’impertinence d’un été – première e seconde parties

Denis Lapière (argumento)
Rúben Pellejero (desenho)
Dupuis (Bélgica, Abril de 2009 e Maio de 2010)
236 x 306 mm, 56 + 56 p., cor, cartonados


Resumo

México, Janeiro de 1942. É noite. O passageiro de um táxi pede ao motorista para parar no meio da rua. Pede-lhe que espere, sai e deposita no chão empedrado um lenço feminino. Volta ao carro e convida o condutor para beber um copo, enquanto lhe conta uma história. A história do fotógrafo norte-americano Edward Weston e da actriz, modelo e fotógrafa italiana Tina Modotti e da sua relação, ao mesmo tempo forte e distante, num país sacudido pela revolução onde sopram os ventos de (todas as) liberdades.

Desenvolvimento
É uma história – uma biografia ficcionada – que ele conta com exactidão mas também parcialidade, com a emoção só possível a quem conviveu de perto com os biografados. Porque o narrador, que suportará o relato ao longo dos dois tomos, é Théo, amigo dos dois amantes. Porque Weston deixou mulher e filhos na pátria para se juntar a Tina e para procurar um sentido para a fotografia, o meio – a arte - que escolheu para expressar os seus sentimentos e visões do mundo, num México conturbado e em plena efervescência, onde revolução rima com liberdade – todas as liberdades – e com arte (todas as artes, com destaque para as dos “muralistas” como Diego Rivera ou Xavier Gerrero).
Por isso, este relato acaba por se desenvolver a três níveis, que se entrecruzam e são indivisíveis. Por um lado, a relação dos dois, propriamente dita, feita de sensualidade, paixão e ciúme pois Tina, mesmo amando Weston, nunca foi mulher de um homem só, e ele, também, está dividido entre a sensual amante e os filhos que deixou (com a mulher) nos EUA.
Depois, o relato tem uma forte componente política, discutida em rodas de amigos, patente no contexto histórico que suporta a narrativa, entre a repressão conservadora e a (tentativa de) explosão do marxismo, passando pela perseguição e repressão do catolicismo, entre ambições pessoais e esperanças colectivas, num boião explosivo em que certos momentos sugerem a utopia de que tudo é possível. Numa época entre o “fim do mundo” causado pela I Guerra Mundial e a sua reconstrução em curso, que muitos acreditavam possível sem todos os defeitos e perigos do anterior.
Finalmente, L’impertinence d’un été é uma longa dissertação sobre arte, sobre o que a motiva e origina, sobre o momento criativo, sobre a insatisfação (que tantas vezes surge) face ao objecto criado, sobre as motivações, os desejos e os objectivos do artista.
Lapiére, com um texto contido mas profundo, em que as palavras têm o peso exacto, muitas vezes dizendo tanto quanto o que deixam intuir, conduz o relato – belo, poético, sentido - de forma equilibrada, aproveitando os momentos passados no tasco onde Théo e Miguel – o condutor de táxi – bebem e conversam – melhor, onde um conta e o outro escuta -, para os saltos temporais necessários à acção propriamente dita, passada cerca de 20 anos antes, no momento em que tudo acontecia.
Théo, o narrador, aliás Théophille Genet, pintor francês, personagem fictício, tem, apesar disso, uma enorme dimensão humana, expressando nas suas palavras, nos seus olhares, nos gestos e tiques, toda a emoção - todas as emoções: paixão, vibração, nostalgia, melancolia, tristeza, saudade… – que viveu (e agora revive). Sentimentos por vezes opostos, é verdade, mas que têm a sua razão de ser pela forma como acaba a história dos dois amantes – cujo reencontro serve apenas para se voltarem a separar – e como acabam, também, todas as ilusões e utopias (por isso são ilusões e utopias…) que foram sendo construídas... Como se tudo não tivesse sido apenas um imenso sonho de verão, que, no entanto, não durou mais do que os dois, três meses estivais, para depois a vida mergulhar nos mais sombrios Outono e Inverno, sem a esperança de uma Primavera que para Weston e Tina nunca chegou…
Quanto a Pellejero, com a sua habitual linha clara, de traço largo e expressivo, servida por cores planas, neste díptico quase sempre de tons mais sombrios, embora aqui e ali a cor expluda em momentos específicos e bem determinados, consegue passar para o desenho – com o desenho –, de forma notável, a carga sentimental inerente à história; veja-se, por exemplo, a belíssima e expressiva sequência de abertura do primeiro tomo ou a descrição da solidão de Weston no final do mesmo.

A reter
- A força e a emoção do relato.
- O traço de Pellejero (de quem, confesso, sou fã, há muitos anos).

Menos conseguido
- Eu sei que os autores demoram o seu tempo a criar e que, comercialmente, a obra funciona melhor assim, mas esta é uma daquelas historias que devia ser contada num só volume, para ser lida de uma só vez.

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito Nuno Duarte*


- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
Nuno Duarte -
Apesar de considerar que não há "grandes" editoras de BD em Portugal, a resposta seria que as "pequenas" são uma alternativa interessante, face à liberdade temática, estilística e de formato que permitem.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Nuno Duarte -
Com o advento das redes sociais a visibilidade é cada vez mais resultado do empenho dos editores/autores, enquanto que a a distribuição comercial está adstrita à necessidade das editoras em abrir cada vez mais concessões quanto maiores forem os canais de distribuição.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Nuno Duarte -
Com a explosão dos meios de leitura digital surge uma possibilidade das "pequenas editoras" se implementarem cada vez mais. Nesse sentido será a qualidade e a diferença do "produto" a ditar as regras do seu próprio sucesso.

* Associado das Produções Fictícias e argumentista de A Fórmula da Felicidade

21/06/2010

Tex Anual #11 – Nas trilhas do Oeste

António Segura (argumento)
José Ortiz (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Dezembro de 2009)
135 x 176 mm, 324 p., pb, brochado

Resumo

Tex Willer e Kit Carson são enviados em perseguição de um bando de impiedosos assassinos que mancham de sangue e morte o sul do Arizona.
Na sequência de um confronto, Carson é ferido, obrigando Tex a encetar uma longa caçada a solo.

Desenvolvimento
Se o mais importante numa banda desenhada (num filme, num romance…) é a história, António Segura, um dos mais interessantes argumentistas espanhóis das últimas décadas, com provas dada no género aventura – como é o caso – falha nesta sua nova incursão em Tex – com quem já tinha sido bem mais feliz, por exemplo no Tex Anual #7 – O trem blindado - com uma história feita aos repelões, onde os diversos episódios parecem encaixados à pressão, dando por vezes a ideia que pelo meio foi esquecida a ideia-base que originou a trama. Dessa forma, os sucessivos encontros e desencontros com índios ou a caravana de pioneiros parecem apenas servir para adiar o confronto com os chefes dos assassinos, que acaba por surgir quase fortuitamente e por ser resolvido à pressa em poucas páginas, com um final surpreendente e inovador, que no entanto parece fisicamente impraticável. Não o vou desvendar, para não estragar a surpresa, mas deixo duas questões: Como se levanta Tex? Como é que as suas pistolas ainda disparam? Respostas (ou não) numa apreciação atenta da página 320…
A isto há que juntar a forma como soam pouco credíveis as questões temporais envolvidas no (longo) ramalhete de episódios, a forma como são praticamente ignoradas ou apenas abordadas pela rama temáticas que poderiam ser interessantes – como as relacionadas com a guerra civil – bem como personagens prometedoras, como os “loucos” de Gunnison, que mereciam ter sido mais e melhor explorados, em lugar de serem pouco mais do que meros figurantes.
Sobram, mesmo assim, razões para espreitar este Tex Anual, como é o caso, desde logo, do traço, de José Ortiz, seguro como sempre, duro e agreste, bem de acordo com a época violenta e à margem da lei retratada, e com um trabalho soberbo ao nível dos jogos de luz e sombras. E, para além dos ingredientes habituais do western, que satisfarão os apreciadores do género, há igualmente um Tex menos infalível do que é habitual e o retrato cruel mas lúcido de como a febre do ouro afectou (e enlouqueceu) até pessoas que pareciam dotadas do mais elementar bom senso…

(Texto publicado originalmente a 18 de Junho de 2010 no Tex Willer Blog)

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Miguel Rocha*


- Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das "grandes" editoras?
Miguel Rocha -
Tanto quanto me apercebo a Asa (ou a Maria José) modificou a sua política e já publica autores nacionais. (Não há outra grande editora a publicar BD, pois não? A Tinta da China fá-lo mas de forma muito errática).
Eu gosto das pequenas editoras, sinto que tenho um maior controle sobre o processo, mas também não tenho outra experiência e portanto pode ser tudo ilusão.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Miguel Rocha -
Os livros melhor ou pior vão fazendo o seu caminho, com um numero de edições tão pequeno geralmente qualquer edição é notícia independentemente da editora. No meu caso, porque já tenho um público muito definido, geralmente o boca a boca (ou blog a blog) funciona para a divulgação do livro. Faço excepção ao Salazar (publicado numa pequena editora sem qualquer tradição de BD) e que teve uma super-atenção mediática, mais por obra da personagem do que dos méritos próprios do livro.
Onde esta questão mais se põe será provavelmente na internacionalização dos livros, mas disso também não sei, apenas suponho.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Miguel Rocha -
Os formatos de distribuição electrónicos parecem-me interessantes. Para o formato livro creio que os autores têm que se virar para editoras estrangeiras de modo a ganharem mercados que permitam a profissionalização.

* Autor de livros de banda desenhada como “Salazar – Agora na hora da sua morte, A noiva que o rio disputa ao mar ou Hans, o cavalo inteligente

20/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Fil*



- Qual o objectivo das vossas edições?
Fil -
O objectivo da Zona é essencialmente publicar BD, nacional ou internacional, com a maior qualidade possível, mas mantendo a porta aberta a autores mais novos ou inexperientes, mas que apresentem trabalhos com qualidade e uma boa margem de progressão.
O objectivo passa ainda por divulgar o trabalho de autores desconhecidos do grande público, ou não, e motivar a produção de mais e melhores trabalhos nesta área.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Fil -
Neste momento eu diria que não deveremos conseguir grande visibilidade fora do meio da BD pois não temos uma estrutura profissional que apoie a produção e divulgação. E francamente, além da falta de tempo a verdade é que não somos muito fortes em termos de capacidade de divulgação, não temos por exemplo grande experiência em contactar a imprensa e na realidade não sabemos sequer bem como abordar esse meio. A falta de tempo também impede que tenhamos mais acções de divulgação. O ponto onde somos mais fortes será talvez a divulgação pela internet, em que todos os autores colaboram e penso que fazemos um bom uso sobretudo dos blogs e redes sociais, mas mesmo aí, há margem de progressão.
Seja como for tem havido um progresso grande, e pretendemos criar uma associação cultural que espero possa dar um apoio mais forte e consistente a este projecto e a outros. A colaboração entre autores é fundamental neste caso.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Fil -
Imagino que por estes moldes, te refiras à edição independente e de autor.
Penso que o futuro deste tipo de publicação depende sobretudo do gosto pelo que se faz, ou mais a paixão, gosto não deve chegar. Pois dá muito trabalho, perde-se muito tempo, e pela minha experiência é possível não perder o dinheiro investido, mas por outro lado também não se ganha.
Por outro lado, penso que faz falta uma publicação do género da Zona para a divulgação e como motivação para os autores produzirem mais e melhor. Eu penso que neste ano fizemos com que a BD nacional crescesse mais um pouco. Pusemos autores a trabalhar mais, a produzir mais e melhor.
No panorama nacional penso que seria difícil muitos destes autores encontrarem um veículo tão interessante para divulgar e expor o seu trabalho. E viemos agitar um bocado o meio também.
Penso que temos muitos autores de grande nível e muitos outros com potencial para chegar a níveis elevados. A Internet veio abrir muitas portas e como tal vemos agora muitos autores a trabalhar para grandes empresas de BD estrangeiras, mesmo sem ter de sair do país.
A BD nacional tem futuro, mas é preciso muito trabalho e não desistir.

* Editor do projecto Zona Gráfica

19/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito David Soares*



Publicar em pequenas editoras é uma opção pessoal ou a única alternativa face ao desinteresse por parte das “grandes” editoras?
David Soares -
Quanto à questão do desinteresse das grandes editoras, aquilo que elas demonstram não é isso, mas algum temor em publicar autores menos conhecidos e tal não acontece apenas no mercado da BD. Publicar o álbum "Mucha" pela Kingpin Books começou por ser o desejo que eu tinha de trabalhar com o Mário Freitas, porque somos amigos e achámos que seria enriquecedor fazer algo em parceria. No que diz respeito ao meu trabalho de banda desenhada, eu não teria problemas nenhuns em publicá-lo por qualquer editora que eu escolhesse, fosse ela mais pequena ou maior, considerando o currículo que tenho e isso é factual. Eu gosto é de trabalhar com quem gosto, por conseguinte a dimensão da Kingpin Books nunca foi uma questão que tivesse sido sequer equacionada por mim.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
David Soares -
Os distribuidores não querem saber se as editoras com quem trabalham são pequenas ou grandes: apenas estão preocupados em distribuir o maior número possível de edições, a um ritmo constante. Garantir a distribuição dos álbuns de BD depende, em exclusivo, do capital do editor. Se tiver capital para publicar muitos títulos com regularidade assegura uma boa distribuição. Se não, pode defender-se oferecendo livros de características únicas. O leitor "normal" de BD é conservador, lê sempre a mesma coisa e, quase sempre, desconfia da BD nacional. Os leitores "especializados" que compram BD nacional sabem que podem encontrá-la nas livrarias de BD ou encomendá-la pela Internet aos próprios editores, por isso nem sequer vale a pena falar sobre distribuição nas grandes superfícies, porque os leitores "especializados" não precisam dela para nada.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
David Soares -
O mercado da BD nacional sempre foi de nicho, feito com obras de qualidade sismográfica realizadas por autores que, na sua maioria, nunca se profissionalizaram - ou seja, nunca chegaram a viver da BD ou (para não ir tão longe) a produzir trabalhos de qualidade a um ritmo constante. Existiram e existem autores que fogem a esta caracterização, mas de maneira geral o que se passou e passa é isto. Logo, se não crescemos mais até agora é porque o nosso estado natural é este. Em termos de proporção, se calhar até temos o mesmo número de autores que Espanha: países maiores, e com mais leitores, têm de ter mais autores, mais editores e mais livros - isso parece-me evidente. Acho que o futuro da BD portuguesa vai ser idêntico ao que tivemos ontem. Mudarão os actores, as linguagens, os veículos de expressão, mas as mecânicas continuarão a ser as mesmas. Hoje continuamos a ter autores que nem sequer pensam em publicar cá e publicam directamente lá fora (como sempre tivemos, verdade seja dita) e essa mecânica irá manter-se, senão acentuar-se.

* Romancista e argumentista de Mucha
e do álbum É de noite que faço as perguntas

18/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Pepedelrey*


- A edição é para ti um projecto pessoal ou surge para suprir uma falta (por parte das “grandes” editoras)?
Pepedelrey - São, talvez, dois dos motivos válidos para ter decidido a criar a El Pep. Creio que a criação de um registo editorial é um passo natural depois de anos envolvido na edição de fanzines. O espírito do it yourself continua na base de todas as decisões editoriais. A El Pep não existe para suprir a inexistência de grandes editoras de BD em Portugal. Afinal, não existem em Portugal verdadeiras casas editoriais de BD. A existência de micro estruturas editoriais, a editar BD em Portugal, compensa essa inexistência. Felizmente que estamos a assistir à criação de algumas dessas micro estruturas editoriais. Todas elas passam pelo espírito da auto-edição. Ou quase todas. Portugal continua a não ter um mercado, uma indústria de BD, apesar de existirem diversos autores e de grande qualidade e de existirem consumidores. Continua a falhar a existência de verdadeiras casas editoriais e distribuidores/lojistas.

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições (como as tuas)?
Pepedelrey - Depende da vontade e do trabalho feito por essas micro estruturas. Sei que algumas conseguem ter alguma visibilidade, dentro da pequenez de mercado livreiro nacional. A El Pep tem tido mais visibilidade fora da fronteira nacional, com a presença em certames internacionais como Angoulême. Os livros editados tem sido vendidos em diversos países, dentro e fora da união europeia.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Pepedelrey - Lamento mas não tenho uma visão nacionalista da BD. Em Portugal existem grandes autores, sejam desenhadores, argumentistas ou arte finalistas. O mercado nacional não existe e como tal, o que não existe não tem futuro. Acredito que actualmente estamos a assistir ao nascimento de uma plataforma editorial e de negócio de BD, apesar de micro estruturas, que no futuro vai se transformar num verdadeiro mercado de BD. Como é claro, não estou a referir-me às vendas de BD pelos lojistas. Porque os lojistas vendem BD mas não a nacional. Com diversas argumentações ridículas como aquela de que o consumidor não está interessado. Acredito que a produção de BD em Portugal está a aumentar em quantidade e qualidade e que ainda estamos a dar os primeiros passos.

- Gostava também que explicasses brevemente o propósito e os objectivos do TLS Mag.
Pepedelrey - O The Lisbon Studio MAG#1 é uma co-edição do The Lisbon Studio e da El Pep. A revista vai ser editada de 6 em 6 meses. A revista nasceu da vontade dos membros do The Lisbon Studio editarem um Art Book como portfólio do estúdio. Após as diversas reuniões de estúdio, decidimos que com a frenética produção nas áreas da BD, Ilustração, Fotografia, Arquitectura, Design e outras mais, justificava-se a edição de uma revista com a periodicidade de 6 meses, escoando assim muito trabalho produzido e que iria ser guardado para memória futura. Não é objectivo do estúdio colmatar a falta de revistas de BD no mercado.
* Editor da El Pep

17/06/2010

BD nacional cresce à margem das grandes editoras – Inquérito a Paulo Monteiro*

- Qual o objectivo das vossas edições?
Paulo Monteiro -
Com a edição do Venham +5 temos essencialmente dois objectivos: por um lado divulgar o trabalho dos autores, dentro das limitações impostas por este tipo de publicações ao nível da divulgação e da distribuição; por outro, incentivar a própria produção artística, já que a publicação, para os autores, é sempre essencial e motiva sempre novos projectos. A edição constitui, em si mesmo, um incentivo à produção. E isso é muito importante...

- Até onde conseguem chegar/que visibilidade têm estas edições?
Paulo Monteiro -
Têm grande visibilidade dentro do meio ligado à banda desenhada: autores, críticos, pequenos editores, etc. (basta consultar os blogs e sites da especialidade, para termos essa noção). Fora deste nicho, acho que a visibilidade é muito reduzida, ou quase nula. Aliás, isto não se passa apenas com as pequenas edições ou com a edição de fanzines. Passa-se a uma escala mais alargada, mesmo com as grandes casas editoras. A banda desenhada não abre os noticiários nem é primeira página de jornal, salvo em raras ocasiões (não obstante o esforço levado a cabo por muitos jornalistas). As redacções raramente destacam a banda desenhada. Basicamente: a banda desenhada constitui um nicho de leitores. Como constitui um nicho não tem visibilidade. Como não tem visibilidade não "merece" destaque. É um círculo vicioso que vamos tentando anular (instituições ligadas à banda desenhada, autores, jornalistas, etc.). Mas nem sempre é fácil contrariar esta situação.

- Nestes moldes, que futuro antevês para a BD nacional?
Paulo Monteiro -
Se nos quisermos circunscrever a um pequeno nicho (como sucede, de certa forma, com a poesia ou com o cinema de animação), antevejo um futuro relativamente tristonho. Faltam-nos leitores... (Teremos que os ir buscar a outros sítios, nomeadamente à literatura).
Ao nível artístico, que considero verdadeiramente surpreendente na banda desenhada portuguesa (há de tudo para todos os gostos), acredito que os autores continuem a criar obras absolutamente excepcionais, como sucede de quando em quando. Todos os anos surgem novos projectos. Mas falta-nos estratégia. Falta-nos agregar gente à volta da banda desenhada. Há muitas ideias, muitas intenções, mas uma falta de visão estratégica que só se resolve juntando autores, críticos e editores para estabelecer um plano de divulgação e leitura.

*Director do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja e editor do Venham +5 e da colecção Toupeira
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