A dar os primeiros passos quando a I Guerra Mundial teve
início, a banda desenhada – de braço dado com o cartoon e a ilustração – não se
coibiu de fazer um retrato desse conflito.
Descubra já a seguir como os quadradinhos da época o
mostraram.
Os jornais – com o aumento da escolaridade – eram lidos em
grande escala, atingindo tiragens hoje invejáveis e as notícias da guerra eram
as mais procuradas. No seguimento do crescimento da popularidade do desenho de
imprensa, ilustradores, caricaturistas, cartoonistas e autores de BD fizeram do
conflito o tema da sua arte, fosse ela publicada em títulos generalistas, nos
seus suplementos ilustrados, em publicações destinadas a aumentar o moral das
tropas ou nos jornais humorísticos nascidos na época.
Entre estes, em França, destacaram-se títulos como Le Canard Enchainé (em publicação desde
1915), Les Trois Couleurs – o azul,
branco e vermelho da bandeira francesa – com 106 números entre 1914 e 1917, ou La Baïonette, 99 números de 1915 a 1918,
que mostravam em banda desenhada (então ainda sem balões, com o texto sob as
imagens) ou através de ilustrações, como era na realidade guerra: o dramático
quotidiano das trincheiras, a violência dos combates corpo a corpo, a falta de
alimentos, a alegria dos que regressavam, a dor dos que perdiam entes queridos…
Nas páginas daquelas e doutras publicações, o primeiro
grande conflito mundial foi retratado de forma realista ou satírica,
caricaturando os intervenientes ou contando as suas façanhas, seguindo os
acontecimentos históricos ou ficcionando-os, exaltando os franceses e
enxovalhando os alemães – os boches – de repente sinónimos de todos os defeitos
e males do mundo.
Nalguns casos (quase) em directo, como diríamos hoje, pois a
arte era criada no local pelos ‘poilus’ (nome que os franceses davam aos
soldados das trincheiras), entre os ataques, os contra-ataques e as saudades de
casa. E se alguns desses autores foram esquecidos pelo tempo, outros
tornaram-se referências como Gus Bofa, Léon Pénet, Étienne le Rallic ou Paul
Iribe.
Para esse conflito, involuntariamente mas enquanto concidadãos
dos que lá se batiam e perdiam a vida, foram arrastados heróis dos quadradinhos
que os leitores já conheciam. Os mais relevantes foram Bécassine e os
Pieds-Nickelés.
Estes últimos, criados por Louis Forton em 1908 e
recorrentemente retomados até aos nossos dias, eram na sua origem malandros e
meliantes que a guerra regenerou, transformando-os em patriotas, quando
comparados com o inimigo alemão que ridicularizaram em sucessivas peripécias
mostradas nas páginas desenhadas.
Quanto à pobre Bécasine, criação de Emile Pinchon em 1905, a
criada iletrada, distraída e trapalhona, ouvindo falar da guerra contra os
boches, procurou em vão nos atlas a “Bóchia” de onde eles vinham. Quando
finalmente percebeu que o inimigo eram os alemães, cruéis, ladrões e imorais, a
primeira heroína da história da BD, não hesitou e, na retaguarda, como tantas
outras mulheres, colaborou no esforço de guerra, como voluntária da Cruz
Vermelha.
Foi desta forma, num misto de retrato quotidiano, de
humilhação do inimigo e de exaltação dos valores patrióticos, que a banda
desenhada mostrou a I Guerra Mundial, saindo dela mais sólida e competente,
pronta para outros voos pelos quadradinhos de papel.
Participação
portuguesa
Se muitos portugueses participaram activamente na I Grande
Guerra, ilustradores, cartoonistas e autores de BD, traçaram-na no papel, com linhas vivas,
inquietas ou mordazes, com humor, realismo ou ficcionando-a.
Entre eles, destaca-se Stuart Carvalhais, um dos maiores
artistas gráficos do seu tempo, não só pelo seu virtuosismo, mas principalmente
porque envolveu no conflito os seus Quim e Manecas, dois dos poucos heróis
recorrentes que a BD nacional pode contar.
Na verdade, ano e meio antes de se iniciar a participação
militar lusa, Quim e Manecas, passavam de miúdos traquinas, autores de partidas e disparates, a
espiões por conta dos aliados, acabando prisioneiros dos alemães quando viajavam para os Estados
Unidos. Invertendo rapidamente a situação em poucas semanas foram aviadores,
batalharam nas trincheiras, bombardearam – com ratos! – as linhas inimigas alemãs e – praticamente sozinhos
– venceram a guerra - que na (dura) realidade se arrastaria ainda por mais alguns
anos.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
28 de Julho de 2014)
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