07/12/2017

No Caderno da Tangerina

Bem mais







Fui (parcialmente) injusto. Esta obra de Rita Alfaiate é bem mais do que a sua ‘simples embalagem’.
É a história da chegada de uma nova menina a uma escola do primeiro ciclo. A história que todos os anos, muitas vezes, se repete por este país fora.
Mas é uma história transformada em alegoria porque Tangerina - a tal menina nova - não é como as outras crianças. Tem um monstro dentro de si - numa leitura simplificada - ou está, agrilhoada, a muitos monstros. Ao monstro dos maus tratos? Ao monstro da incapacidade de relacionamento? Ao monstro da reacção violenta como auto-defesa e reflexo daquilo porque já passou? Ao monstro…
Não sabemos a resposta exacta - embora cada uma das atrás referidas, e todas juntas também, possam satisfazer as premissas. Mas também não é importante. Porque, felizmente, a narrativa de Rita Alfaiate, quase toda muda, alternando, por vezes com uma simplicidade desconcertante, entre a ternura e a violência, é suficientemente aberta para permitir mais do que uma interpretação, facultando a sua fruição a diferentes níveis. O que não invalida que pudesse ganhar com um final mais concreto.
Assim como a obra em si - e friso, para não haver dúvidas, que a sua leitura vale a pena e que ela merece encontrar leitores - teria beneficiado – e nós leitores por arrastamento - se a autora tivesse dedicado mais algum tempo à parte gráfica. Não que não seja interessante o registo adoptado, numa feliz combinação de influências de manga, desenho animado e traços caricaturais e realistas, mas porque existem demasiadas vinhetas com os fundos completamente em branco.

E deveria passar - no momento actual da BD em Portugal, nas edições de autores nacionais, deverá passar, cada vez mais - por aqui o trabalho do editor, no sentido lato do termo, que vai bem mais além do que a simples publicação de livros, e passa pelo aconselhamento, acompanhamento, correcção… do trabalho do autor até à sua aprovação final, no sentido de o melhorar para que as obras editadas sejam valorizadas e possam ‘competir’ - é isso que fazem (ou devem fazer) - com as muitas propostas traduzidas que mensalmente chegam aos leitores de BD.

No Caderno da Tangerina
Rita Alfaiate
Escorpião Azul
Portugal, Junho de 2017
160 x 230 mm, 98 p., pb, capa mole com badanas
ISBN 978-989-99800-4-4
11,50 €

(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Concordo na generalidade com o texto.
    E acho mesmo que o fim é demasiado aberto, pois ficamos à nora sobre o "monstro". É ela? É dela? É o quê na realidade?
    Acredito que autora tenha a sua ideia, mas creio que não a conseguiu passar para os leitores.
    Pelo menos, para mim, não.

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