Fui (parcialmente) injusto. Esta obra de Rita Alfaiate é bem
mais do que a sua ‘simples embalagem’.
É a história da chegada de uma nova menina a uma escola do
primeiro ciclo. A história que todos os anos, muitas vezes, se repete por este
país fora.
Mas é uma história transformada em alegoria porque Tangerina
- a tal menina nova - não é como as outras crianças. Tem um monstro dentro de
si - numa leitura simplificada - ou está, agrilhoada, a muitos monstros. Ao
monstro dos maus tratos? Ao monstro da incapacidade de relacionamento? Ao
monstro da reacção violenta como auto-defesa e reflexo daquilo porque já passou?
Ao monstro…
Não sabemos a resposta exacta - embora cada uma das atrás
referidas, e todas juntas também, possam satisfazer as premissas. Mas também
não é importante. Porque, felizmente, a narrativa de Rita Alfaiate, quase toda
muda, alternando, por vezes com uma simplicidade desconcertante, entre a
ternura e a violência, é suficientemente aberta para permitir mais do que uma
interpretação, facultando a sua fruição a diferentes níveis. O que não invalida
que pudesse ganhar com um final mais concreto.
Assim como a obra em si - e friso, para não haver dúvidas,
que a sua leitura vale a pena e que ela merece encontrar leitores - teria beneficiado
– e nós leitores por arrastamento - se a autora tivesse dedicado mais algum
tempo à parte gráfica. Não que não seja interessante o registo adoptado, numa feliz
combinação de influências de manga, desenho animado e traços caricaturais e
realistas, mas porque existem demasiadas vinhetas com os fundos completamente em
branco.
E deveria passar - no momento actual da BD em Portugal, nas
edições de autores nacionais, deverá passar, cada vez mais - por aqui o
trabalho do editor, no sentido lato do termo, que vai bem mais além do que a
simples publicação de livros, e passa pelo aconselhamento, acompanhamento,
correcção… do trabalho do autor até à sua aprovação final, no sentido de o
melhorar para que as obras editadas sejam valorizadas e possam ‘competir’ - é isso
que fazem (ou devem fazer) - com as muitas propostas traduzidas que mensalmente
chegam aos leitores de BD.
No Caderno da Tangerina
Rita Alfaiate
Escorpião Azul
Portugal, Junho de 2017
160 x 230 mm, 98 p., pb, capa mole com badanas
ISBN 978-989-99800-4-4
11,50 €
(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua
extensão)
Concordo na generalidade com o texto.
ResponderEliminarE acho mesmo que o fim é demasiado aberto, pois ficamos à nora sobre o "monstro". É ela? É dela? É o quê na realidade?
Acredito que autora tenha a sua ideia, mas creio que não a conseguiu passar para os leitores.
Pelo menos, para mim, não.