Chega
hoje às livrarias Watchers, o novo trabalho a solo de Luís
Louro, que tem a particularidade de apresentar duas versões com
finais diferentes.
A
conversa com o autor já a seguir, antes da opinião de As Leituras
do Pedro, a publicar amanhã.
As
Leituras do Pedro - Afinal o ‘bichinho da BD’ não estava assim
tão escondido no ‘baú das memórias’...?
Luís
Louro - Verdade...
Por vezes o difícil é ganhar motivação e endurance de novo. A
paixão sempre estará cá...
As
Leituras do Pedro - Foi o Jim del Monaco que te trouxe de volta àbanda desenhada. Recorda rapidamente como isso aconteceu e o que
significou para ti.
Luís
Louro - Bom,
assim de repente... Recebi um pedido de entrevista do Diogo Carvalho.
Disse-lhe que já não fazia sentido pois já não desenhava, mas ele
insistiu e lá fizemos a entrevista... Na qual mencionei que o Jim
iria fazer 30 anos e ninguém se iria lembrar... Ele destacou isso na
entrevista e foi o “boom”, o Tozé viu, ligou-me a dizer que
tínhamos de fazer algo nem que fosse uma mini história para
comemorar, e assim tudo (re)começou...!
As
Leituras do Pedro - Como reagiram os leitores ao regresso? Havia
muitos saudosistas?
Luís
Louro - Foi
realmente uma surpresa... A quantidade de gente que apareceu a apoiar
o regresso foi incrível... Também me surpreendeu a adesão de
leitores mais jovens, pois afinal o Jim já é um clássico, apesar
de os temas serem sempre atuais. Sensibilizou-me também o apoio ao
meu regresso à BD, independentemente do livro, pessoas que nunca
desistiram de mim, e que sempre acreditaram (mais do que eu na
realidade...)
As
Leituras do Pedro - E, já agora, vamos reencontrá-lo, à Gina e ao
Tião, brevemente?
Luís
Louro - Eu
gostava, é um personagem que me é muito querido, mas posso avançar
que o podem encontrar tal como o Tião neste novo projeto, escondidos
algures numa ou noutra página em Lisboa.
☺
As
Leituras do Pedro - Mas quando muitos poderiam esperar novo Jim del
Monaco, eis que surge Watchers.
Porque não Vigilantes?
Luís
Louro - Primeiro
porque “Watchers” é um nome sonante, e é o nome dado aos
utilizadores de uma plataforma internacional, o “People watching”,
daí o nome em inglês fazer todo o sentido, depois porque tudo o que
se relaciona com a internet, ou computadores raramente é traduzido
como: site, post, net, Youtuber, blogger, selfie, etc... Dando origem
inclusive a muitas palavras novas que vieram “colorir” o nosso
léxico. Foi uma questão de seguir a tendência, uma vez que é isso
mesmo que é criticado e realçado no livro.
As
Leituras do Pedro - Era uma história que já tinhas ‘engavetada’?
Luís
Louro - Curiosamente
tinha tudo imaginado na cabeça há algum tempo em termos visuais, os
ambientes, os veículos, as árvores a saírem das casas, os animais
exóticos, muitas destas ideias refletem o que tenho feito em
fotografia nos últimos tempos, mas não tinha a mínima ideia do que
seria a história/tema.
Por
vezes já termos todo um ambiente pensado facilita, mas também pode
complicar, limitar a criatividade e criar pressão adicional... Mais
uma vez foi algo em que andei a pensar durante uns meses sem grandes
ideias ou resultados e quando já estava a desesperar... Surgiu-me
tudo em catadupa!!! Comecei a escrever que nem um louco, as ideias
surgiam umas atrás das outras, foi uma época frenética mas bem
interessante do ponto de vista criativo. Depois foi uma questão de
ordenar tudo de modo a fazer algum sentido.
As
Leituras do Pedro - De forma resumida pode dizer-se que o
protagonista de Watchers
emula de alguma forma o Big Brother - segundo Orwell… Hoje em dia,
somos mais ou menos perigosos que o sistema de vigilância descrito
pelo romancista inglês em em 1984?
Luís
Louro - Verdade,
creio que começa a existir uma tendência para o excesso e violação
de privacidade, os drones podem perfeitamente vir a ser um caso
sério, as câmaras de vigilância já instaladas por todo o lado, os
satélites, os telemóveis... Hoje em dia dificilmente podes fazer
algo sem ficar registado. A questão é até que ponto tens noção
disso?
As
Leituras do Pedro - Achas que a actual tendência voyeur
bem visível
nas redes sociais e nas televisões pode chegar ao que imaginaste em
Watchers?
Luís
Louro - Claro
que sim, as pessoas vivem nas/das redes sociais, dependem do número
de gostos para respirar, da quantidade de “amigos”, tudo é
mostrado, tudo tem de ser julgado, as redes sociais deram origem a
juízes, carrascos, críticos, cultos, fações, ódios, paixões,
etc... Ainda esta semana passou uma notícia sobre uma enorme
quantidade de gente que se matou na tentativa de ir cada vez mais
longe para conseguir uma selfie, pois então não é este o mote do
“Sentinel”? O
nosso personagem, para quem tudo o que importa são os seguidores e
os gostos? De ir cada vez mais longe? A questão é: até quando
estaremos seguros nas nossas casas?
“Mantenham
as janelas fechadas e as portas trancadas”!
As
Leituras do Pedro - Na página 4, lê-se num dos balões: “...não
interessa a história, o porquê, o como ou o onde… apenas o
imediato e o superficial...” Esta é uma característica das
gerações actuais? Onde é que esta ligeireza nos pode conduzir?
Luís
Louro - Infelizmente
esse é um padrão que se começa a desenhar... Tanto nos clips do
YouTube, vines, etc... Tudo o que interessa é o imediato, ninguém
quer saber o porquê, mas sim se as imagens são fortes e te
transmitem alguma emoção e te conseguem dar protagonismo...
Chegámos a um ponto onde YouTubers já são considerados estrelas?!
Hoje em dia ninguém consegue descolar os olhos dos telemóveis...
dos chats, sms, whatsApp, insta, face, etc, etc... Hoje tira-se uma
foto dum local não para recordar, mas para poder mostrar ao mundo
que lá estivemos, não interessa mais quem nós somos mas sim o que
aparentamos ser, na net todos podemos ser super-heróis e sem essa
identidade digital... Já não somos nada.
As
Leituras do Pedro - Em Watchers regressas à ‘tua’ Lisboa,
retratada de forma original, em guerra com as árvores, num misto de
retro e de modernidade… Quais as razões para que as histórias que
tu contas tenham sempre Lisboa como cenário?
Luís
Louro - Para
começar, eu sou “alfacinha”,
e gosto muito da minha cidade... Tem uma luz única, uma arquitetura
incrível, sobretudo os bairros tradicionais são do outro mundo com
os seus becos, pracetas, escadinhas, etc... É um excelente ponto de
partida, e é sem dúvida um polo de atração para qualquer artista.
As
Leituras do Pedro - Em termos de escrita e de desenho como
trabalhaste este livro?
Luís
Louro - Como
te disse tinha já todo o ambiente preparado já há algum tempo, foi
uma questão desta feita de encontrar uma história que se
enquadrasse no mundo que eu imaginava, e na quantidade de
estudos/esboços que já tinha feito. Assim que atingi esse objetivo,
comecei a desenhar de imediato.
Normalmente
tenho uma sinopse da história, e algumas situações em particular
já escritas (por vezes é a partir daí que me surgem as histórias),
começo então a escrever... Neste caso surgiu-me tudo de enfiada,
mas por norma gosto de escrever um pouco e desenhar de seguida,
voltar a escrever e a desenhar mais um pouco.
Para
mim o essencial no meu método de trabalho é não ser hermético,
não ter a história fechada a novas ideias e desenvolvimentos, pois
situações novas estão sempre a surgir, e por vezes podem mudar
completamente o rumo da narrativa.
As
Leituras do Pedro - Segundo a nota de imprensa da editora, espalhaste
pelas pranchas “cerca de 200 referências e easter
eggs”.
Foi só um divertimento para ti e um desafio à atenção dos
leitores ou tinhas mais alguma intenção?
Luís
Louro - Desde
que me lembro que existem referências nos meus álbuns, é algo que
me permite interagir mais ainda com o leitor. Neste caso era o
projeto ideal para me divertir um pouco mais e raiar a loucura.
(literalmente).
Por
exemplo nos comentários existem referências a livros, bandas,
filmes, músicas, séries, amigos, etc, nas paredes grafitis por todo
o lado, trabalhos esses de artistas da nossa praça, com créditos
internacionais, como é o caso do Risko, que amavelmente acedeu a
colaborar neste projeto, juntamente com outros amigos. Existem muitos
“easter eggs” espalhados, personagens de outras histórias,
inclusive em todas as páginas (exceptuando a primeira que não tem
pessoas) há sempre alguém com um telemóvel na mão, é só
procurarem... (neste caso foi mais uma ideia peregrina a dar-me cabo
da cabeça, pois por vezes lá me esquecia e tive de voltar atrás
várias vezes para acrescentar o maldito aparelho!!!)
De
todos os meus trabalhos até à data este é aquele que devem ler,
reler e voltar a ler... Pois vão sempre descobrir coisas novas.
As
Leituras do Pedro - Dessas referências, quais as mais significativas
para ti?
Luís
Louro - Como
já referi acima, as colaborações com artistas de outras áreas são
de extrema importância, não só por questões estéticas, mas
porque promovem uma união entre diferentes artes.
De
resto o importante em todas estas referencias, é que me permitem dar
a conhecer ao leitor um pouco mais de mim e do meu mundo fora da BD,
das séries e filmes que vejo, das bandas que oiço, dos livros que
leio, permite-me também brincar e homenagear pessoas que gosto e
admiro, algumas que infelizmente nos deixaram recentemente..
É
uma característica do meu trabalho, desta feita levada ao extremo! ☺
As
Leituras do Pedro - O álbum surge em duas versões, a ‘branca’ e
a ‘vermelha’, que se distinguem pelo final diferente. A ideia
inicial já era esta ou não foste capaz de optar só por um?
Luís
Louro - A
ideia original sempre foi esta! Fazer um álbum com dois finais
diferentes, foi uma ideia que discuti com um amigo há mais de 20
anos em Angoulême se não me falha a memória... E que sempre ficou
a aguardar o projeto ideal.
Creio
ser algo inédito, em BD pelo menos... O difícil era convencer a
editora a entrar num projeto com estas características, mas tudo
acabou por correr bem!
As
Leituras do Pedro - Concordas que a ‘versão branca’ segue mais
de perto a tua habitual linha de humor e que a ‘versão vermelha’
acentua o tom dramátrico de Watchers e lhe confere um lado trágico
a que os teus leitores não estão habituados?
Luís
Louro - Bom,
aí
não posso concordar totalmente... A “versão vermelha”
foi a primeira a surgir, e se reparares na maioria dos meus álbuns a
solo como Alice,
Coração
de Papel,
e até mesmo no Corvo...
existe
esse lado trágico. Gosto sempre de “espremer” diferentes
camadas, levar o leitor a um lado mais sombrio, escrever argumentos
com uma componente mais dramática e intimista, que revelem um pouco
mais de mim.
A
“versão branca”, não é tão sombria, mas revela a alternativa
a uma decisão feita com o coração, ou de cabeça quente... E há
sempre uma escolha. Tal
como no Matrix
podemos optar. Pelo comprimido azul ou pelo
comprimido vermelho. ☺
As
Leituras do Pedro - Para além da cor diferente do título, haverá
mais alguma indicação para o leitor poder optar por um ou outro
final?
Luís
Louro - O
livro é o mesmo, apenas o último capítulo difere... Ambas as
versões são autónomas e completas.
A
ideia inicial até era de não haver diferenças, o leitor não saber
qual o final que lhe iria sair como quando vamos comprar cromos, mas
achámos que assim seria uma solução mais interessante, e ficam
muito bonitos um ao lado do outro na estante pois as lombadas também
diferem... O melhor é mesmo comprarem os dois!!! Ahahahaha.... Estou
a falar a sério, comprem os dois!!! ☺
As
Leituras do Pedro - Capas diferentes não poderiam tornar mais óbvia
a escolha ou a intenção era mesmo que fosse o acaso a decidir que
versão cada um lerá?
Luís
Louro - Também
pensei nisso, mas aí poderia estar a induzir as pessoas em erro e
pensarem que seriam dois livros diferentes, e a minha ideia não é
enganar ninguém, mas sim confundir... Ehehehe... E a ideia original
era mesmo essa, deixar ao acaso. O que em parte irá acontecer de
qualquer forma, pois nas lojas muita gente nem irá dar pela pequena
diferença, daí ter mantido a mesma capa.
As
Leituras do Pedro - Encerrado o capítulo Watchers,
que podemos esperar a seguir do autor de banda desenhada Luís Louro?
Luís
Louro - Pois…
Normalmente quando acabo um livro nem quero ouvir falar dele nos
próximos tempos... (em termos de regressar ao tema, claro está),
mas neste caso do Watchers, foi uma experiência e um caminho que me
deu muito prazer percorrer, e que tal como o “Sentinel” não sei
se chegou ao fim…
Tudo
vai depender dos meus seguidores e das minhas visualizações, claro
está!!!
(imagens
disponibilizadas pelo autor; clicar nelas para as aproveitar em toda
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