A memória é algo de complexo, que varia de pessoa para pessoa. O que retém? O que elimina? Como nos recorda aquilo que vivemos? Ou não?
Tal como em Os
Regressos,
por exemplo, o protagonista volta a um local onde já foi feliz, a
casa rural do avô onde viveu em menino - mas
será que foi?, questionar-se-á o
leitor no final…
E tal como no notável Arvorada,
é a sua relação com o avô que perpassa por toda a obra e lhe dá
o mote.
Relação essa que se entrecruza com
outras - marcantes - que teve na infância e adolescência, com os
rapazes mais velhos da escola que o atormentavam ou com a bela
Kauane, com a música que o avô impôs omnipresente, com as
histórias - as lendas, uma determinada lenda… - que ele narrou.
São memórias que se atropelam -
parece-me um termo apropriado para descrever a
forma como (nos) são expostas -
sucedendo-se fragmentadas, a um ritmo elevado,
quando o protagonista regressa à terra da sua infância, após o
falecimento e funeral do avô, a que não conseguiu assistir - daí o
sentimento de culpa que o parece perseguir…?. Figura tutelar dos
seus anos jovens, o velho - exactamente, o velho… - paira sobre as
suas lembranças como uma sombra, orquestra-as - outro termo bem
escolhido… - acompanhado pelo
cuco
do título, saído da tal lenda que ele lhe contou.
Mas como a nossa memória é selectiva e
ignoramos o seu funcionamento, ao contrário da jovem de Os
Regressos ou de Chico Bento,
as recordações do protagonista desta obra são (quase) todas elas
más - as boas sucumbem sob o peso das outras…? - recordações de
pesadelo(s), culpas não assumidas - ou assumidas indevidamente - uma
sucessão de maus momentos, encadeados, que se desenrolam perante os
nossos olhos ao longo de uma demorada caminhada - ou
fuga…? - pelo
bosque e os terrenos circundantes da aldeia onde em tempos viveu.
Pode ter sido defeito meu e não do
narrador, mas a explicação para esses medos, as auto-recriminações,
as origens das memórias negativas fragmentadas que nos são
mostradas,
são pouco claras - nem sempre estão presentes - e deixam-nos
pendurados, ávidos de algumas explicações, de justificações que
o livro não dá.
Ou talvez a intenção fosse mesmo essa,
deixar-nos suspensos, obrigar-nos a imaginá-las, a intuí-las, após
uma leitura de um relato opressivo e incómodo, em que cada novo
elemento, cada demónio do imenso sonho (?) tormentoso que o
protagonista (re)vive, apenas vem acrescentar dúvidas a
questões não completamente respondidas.
O Maestro, o Cuco e a Lenda
Wagner Willian
Polvo
Portugal, Junho de 2018
160 x 230 mm, 20 8 p., pb, capa
mole com badanas
14,99 €
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