29/10/2018

O Maestro, o Cuco e a Lenda

Memória selectiva



A memória é algo de complexo, que varia de pessoa para pessoa. O que retém? O que elimina? Como nos recorda aquilo que vivemos? Ou não?
O Maestro, o Cuco e a Lenda, é um livro sobre a memória, um livro sobre memórias.
Tal como em Os Regressos, por exemplo, o protagonista volta a um local onde já foi feliz, a casa rural do avô onde viveu em menino - mas será que foi?, questionar-se-á o leitor no final…
E tal como no notável Arvorada, é a sua relação com o avô que perpassa por toda a obra e lhe dá o mote.
Relação essa que se entrecruza com outras - marcantes - que teve na infância e adolescência, com os rapazes mais velhos da escola que o atormentavam ou com a bela Kauane, com a música que o avô impôs omnipresente, com as histórias - as lendas, uma determinada lenda… - que ele narrou.
São memórias que se atropelam - parece-me um termo apropriado para descrever a forma como (nos) são expostas - sucedendo-se fragmentadas, a um ritmo elevado, quando o protagonista regressa à terra da sua infância, após o falecimento e funeral do avô, a que não conseguiu assistir - daí o sentimento de culpa que o parece perseguir…?. Figura tutelar dos seus anos jovens, o velho - exactamente, o velho… - paira sobre as suas lembranças como uma sombra, orquestra-as - outro termo bem escolhido… - acompanhado pelo cuco do título, saído da tal lenda que ele lhe contou.
Mas como a nossa memória é selectiva e ignoramos o seu funcionamento, ao contrário da jovem de Os Regressos ou de Chico Bento, as recordações do protagonista desta obra são (quase) todas elas más - as boas sucumbem sob o peso das outras…? - recordações de pesadelo(s), culpas não assumidas - ou assumidas indevidamente - uma sucessão de maus momentos, encadeados, que se desenrolam perante os nossos olhos ao longo de uma demorada caminhada - ou fuga…? - pelo bosque e os terrenos circundantes da aldeia onde em tempos viveu.
Pode ter sido defeito meu e não do narrador, mas a explicação para esses medos, as auto-recriminações, as origens das memórias negativas fragmentadas que nos são mostradas, são pouco claras - nem sempre estão presentes - e deixam-nos pendurados, ávidos de algumas explicações, de justificações que o livro não dá.
Ou talvez a intenção fosse mesmo essa, deixar-nos suspensos, obrigar-nos a imaginá-las, a intuí-las, após uma leitura de um relato opressivo e incómodo, em que cada novo elemento, cada demónio do imenso sonho (?) tormentoso que o protagonista (re)vive, apenas vem acrescentar dúvidas a questões não completamente respondidas.

O Maestro, o Cuco e a Lenda
Wagner Willian
Polvo
Portugal, Junho de 2018
160 x 230 mm, 20 8 p., pb, capa mole com badanas
14,99 €

(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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