Uma das questões mais abordadas - pela BD como por outras formas narrativas - em obras de ficção-científica com andróides, é o estabelecimento de fronteiras entre eles e os humanos ou, por outras palavras, o que separa estes seres artificiais dos seus criadores.
Smart
Girl,
de que a Panini espanhola acaba de lançar esta edição ampliada,
também
fruto das diversas distinções que a obra obteve, é
mais um exemplo, embora não se esgotem aí os seus níveis de
leitura.
[Outros exemplos poderiam ser, para citar duas obras editadas em português, Astro Boy (3 volumes pela ASA), de Tezuka, ou Descender (série em curso pela G. Floy), de Lemire e Nguyen.]
[Outros exemplos poderiam ser, para citar duas obras editadas em português, Astro Boy (3 volumes pela ASA), de Tezuka, ou Descender (série em curso pela G. Floy), de Lemire e Nguyen.]
Como
já escrevi,
em
Smart
Girl
- como noutros casos - as questões vão bem além do que uma leitura
superficial pode fazer
transparecer
e pode mesmo ser lida como
uma alegoria do relacionamento
do ser humano com o seu Deus criador. Ou, numa aproximação mais
terra-a-terra, na óptica dos jogos de poder homem/mulher e do peso
dos interesses económicos na gestão quotidiana. Ou, ainda, ser
lida como um relato iniciático e de busca da identidade própria.
E,
quando alguns já poderão estar a questionar se esta é realmente
uma obra de ficção-científica - como facilmente poderia ser
sub-entendido - ou um relato de temática social actual, a resposta
terá que ser sim a ambos os casos, pois apesar de situada num futuro
(relativamente) próximo - os
anos
80 (por vir) do presente século - a verdade é que ela espelha,
mesmo que de forma indirecta, muitas das preocupações que hoje - e
desde há décadas - ou até mais… - preocupam o ser humano.
Mas
vamos à contextualização. Abrindo em 2077, num
mundo governado por uma inteligência global em que as diferenças
sociais e económicas são ainda maiores e mais gritantes, o
relato acompanha o percurso da protagonista, uma andróide smart
girl em
vias de ser substituída pelo seu dono
- amo é uma palavra mais forte, muitas vezes usada no livro, que
reflecte melhor a relação de ambos -
por um modelo mais recente. Não é casual a equiparação à procura
de mulheres mais jovens por muitos homens à medida que as suas
parceiras envelhecem pois, na época em que a BD decorre, andróides
- dóceis
e submissos - como
Yuki, estão
programados para assumirem uma série de papéis, de secretários
a conselheiros,
de seguranças
a acompanhantes,
de
médicos
a parceiros sexuais. Entrando no tema base, os problemas surgem
quando Yuki tenta negar a evidência do
seu envelhecimento e da sua condição artificial -
contrariando a sua programação de base e
lutando contra o programador em si instalado -
e
começa
a exprimir sentimentos, ao
mesmo tempo que
luta por continuar útil e dedicada e por
manter
o seu papel - emprego...
A
evolução desta
trama mais personalizada
- que corre em paralelo
com jogos de poder no interior da empresa que desenvolve e
comercializa os andróides
smart,
boys
e
girls
- evidenciará uma série de questões - umas acessórias, outras
primordiais - que da economia à política, da resistência passiva à
guerrilha violenta, das questões informáticas à substituição
progressiva de humanos por máquinas - aos mais diversos níveis….
- e
da cada vez maior dependência delas (e)levam
o relato, embora, aqui e ali, esta
abrangência temática possa
torná-lo um pouco confuso e,
uma vez ou outra, levar o leitor a voltar atrás para se situar.
Graficamente,
existem
algumas oscilações que não se devem exclusivamente à adopção de
diferentes estilos para diferentes momentos, mas Fernando Dagnino -
autor completo desta Smart
Girl -
apresenta-nos também múltiplas pranchas de planificação arrojada
e bem conseguida e outras plasticamente muito interessantes, graças
ao seu traço realista e elegante e à forma como controla o ritmo
narrativo.
Smart
Girl: I-Matter
Edición
ampliada
Fernando Dagnino
Espanha,
27 de Fevereiro de 2020
195
x 280 mm, 216 p., pb, capa dura
ISBN:
9788413343891
25,00
€
(capa
disponibilizada pela Panini
espanhola;
pranchas disponibilizadas pelo autor em Smart Girl Comic, a página
de Facebookda obra; clicar nas
imagens
para as aproveitar em toda a sua extensão)
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