Desvios
Western puro e duro que ao longo dos anos foi sabendo adaptar-se às mudanças impostas pelos (re)nov(ad)os tempos, Tex tem tido pontualmente - e desde sempre - alguns desvios aos seus princípios basilares e mesmo à sua essência.
Aconteceu em esporádicos confrontos com dinossauros ou povos perdidos no tempo ou, especialmente, nos confrontos místicos com Mefisto ou o seu filho, Yama.
Curiosamente, nesses relatos 'à parte', por assim escrever, há um estímulo diferente, uma forma renovada de encarar o ranger e os seus companheiros, mesmo sabendo que não passam de desvios pontuais, de pouca duração.
Indian Carnival, o 36.º relato dito Gigante na cronologia brasileira da Mythos, é mais um desses casos embora assumidamente, penso eu, o lado místico e sobrenatural que ostenta funcione muito mais ao nível psicológico do que propriamente de forma literal na narrativa, o que não impede que, aqui ou ali, sejamos confrontados com acontecimentos que parecem romper com os habituais limites realistas e com senso comum a toda a prova que impera nas aventuras de Tex.
Mais uma vez em perseguição de dois assaltantes de bancos e assassinos, os irmãos Fortune, os dois rangers - com Kit e Tigre por perto - desembocam em Cedar Grove, uma pequena cidade há décadas refém de com um enorme segredo, escondido nas encostas próximas, apropriadamente chamadas Ghost Hill, a colina d(e tod)os os fantasmas.
Para lá concorre também uma trupe de artistas - exímios no usos de armas, no domínio dos animais ou excêntricos nas suas qualidades naturais (o mais forte, a mais bela, a barbuda...) - que apresenta a singular particularidade de ser integralmente composta por índios de uma nação já desaparecida.
Assente numa história sórdida - como eventualmente houve tantas na conquista real do Oeste - mas com videntes, espíritos de vingança e acontecimentos que a lógica nem sempre explica, Indian Carnival é uma narrativa bem construída, sólida e envolvente, com o atractivo extra de, numa dualidade desafiadora, até um determinado momento, parecer justificar a actuação da trupe circense, que aparentemente não difere assim tanto da justiça na ponta dos colts que Tex tantas vezes aplica. Como senão, fica a dificuldade de perceber porque demorou tantos anos a vingança em que toda a trama acaba por assentar.
Para o bem e para o mal, fica igualmente a curiosidade - de todo invulgar - de Tex, Carson, Kit e Tigre serem, durante boa parte do relato, pouco mais do que figurantes, embora atentos, testemunhas à distância da vingança que está a ser tramada.
Para a ilustrar, Mauro Boselli chamou Massimo Carnevale - e é impossível não reparar na ironia da leitura 'à portuguesa' do nome do artista no contexto em causa... - já conhecido em Portugal do singular Mater Morbi.
Mas, onde o registo fantástico, natural em Dylan Dog, fazia brilhar o traço - e as cores - do desenhador romano, nem sempre definido e assertivo, neste Tex essas características fazem com que os elementos que se devem repetir - nomeadamente os rostos dos protagonistas - nem sempre (se) correspondam ao que esperamos deles. Em contrapartida, Carnevale mostra-se notável na construção do ambiente misterioso e sobrenatural que algumas das cenas exigiam, na expressividade muda que aplica nalgumas sequências, bem como na forma como trabalha num magnífico preto e branco contrastante as cenas nocturnas.
Do todo, apesar dos pontos menos conseguidos apontados, resulta uma história acima da fasquia habitual no ranger, a que possivelmente não será estranho o tom diferente devido ao tal desvio temático a que aludi no início deste texto.
Tex
Gigante #36: Indian Carnival
Mauro
Boselli (argumento)
Massimo
Carnevale (desenho)
Mythos
Editora
Brasil,
Maio de 2021
185
x 275 mm, 256
p., pb, capa mole, semestral
R$
35,90
(capa disponibilizada pela Mythos Editora; pranchas disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Sem comentários:
Enviar um comentário