Zona de conforto
Há
obras assim, a que regressamos regularmente - ou que seguimos religiosamente (de forma consciente, sem fanatismos) - sabendo o que nos
espera. Raramente desiludem, por vezes surpreendem. Criamos laços
com (o)s protagonista(s), conhecemos a sua vida, amigos, família,
trabalho, gostos, anseios e inseguranças.
Para
mim, Júlia - Julia, J. Kendall... - é um desses casos.
Agora
em formato italiano que, em papel melhor, assegura melhor impressão,
os desenhos - de Steve Boraley, no caso, assentes num jogo de
contrastes branco/negro - respiram melhor, permitem outro tipo de
aproveitamento, dão mais corpo aos argumentos de Berardi, sempre
inteligentes e desafiadores, fazendo avançar a par a vida da
protagonista e os casos de que ela se ocupa. E, ainda o formato,
destaca o belo traço de Cristiano Spadoni na capa, trabalhado com um
colorido apropriado, onde ressalta um pormenor que recria
graficamente de forma feliz como se sente Júlia em relação a
Myrna...
Em A matadora disponível, como bónus extra, temos mais um regresso de Myrna Harrod, a assassina em série apaixonada/obcecada por Júlia. É a certeza de mais uma narrativa incómoda e violenta, com as duas a tocarem-se tangencialmente, de forma pontual e única, como garante a definição, afastando-se de novo após mais uma aproximação que, como sempre. deixa o leitor sempre na dúvida até onde irá Berardi/irão as duas, cada uma por si.
O ponto de partida, neste volume, é a inveja de um colega de Júlia, ressabiado por não ter o lugar que foi oferecido à criminóloga, o que o leva a procurar Myurna com o intuito de unirem esforços para satisfazerem os desejos comuns.
Numa narrativa em que a titular da série pouco mais é do que elo de ligação involuntário e figurante ao longo de quase toda a edição, é mais uma oportunidade para Berardi nos fazer mergulhar no íntimo de Myrna, nas suas obsessões e recalcamentos e lhe conceder livre curso para as suas loucuras e atrocidades. E para nos mostrar, como um soco no estômago, até onde é capaz de ir o ser humano com o incentivo apropriado.
No final, confortado pelo reencontro, satisfeito pela confirmação de mais uma boa leitura, sobra o incómodo de perceber o quanto torci por Myrna e pelo prolongamento temporal da simples tangente a que assisti...
Nota final
Registo, a título de curiosidade, o facto de a edição brasileira da Mythos ter eliminado do título do episódio o nome da assassina em série - o título original italiano é Myrna: killer offresi, o que pode ser visto como uma tentativa de preservação do âmago da narrativa, mas comercialmente me parece uma má decisão.
Júlia
nova série #3 A matadora disponível
História originalmente publicada em Julia #202 (SBE, Itália,
2015)
Giancarlo
Berardi e Maurizio
Mantero (argumento)
Steve
Boraley
(desenho)
Mythos
Editora
Brasil,
Janeiro de 2022
160
x 210 mm, 128 p., pb, capa cartão
R$
32,90
(capa brasileira disponibilizada pela Mythos Editora; restantes imagens disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)
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