União de talentos
Uma
das muitas 'pontas soltas' de 2022 - leia-se 'leituras por fazer' -
este Cosmic Detective atraiu-me pela junção de dois
nomes: Jeff Lemire, argumentista (ou mais) de muitas das boas
leituras que os comics americanos me proporcionaram em anos recentes,
e David Rubin, cuja carreira sigo há anos - embora não tão de
perto quanto devia, reconheço.
O
resultado é um registo policial em tom de ficção-científica - que
tem aqui e ali restos (ou rastos?) do Incal - com tanto de
futurista quanto de anacrónico, num registo maioritariamente
sombrio, em cenários subterrâneos e labirínticos.
Em termos narrativos, Cosmic Detective segue padrões tradicionais, se bem que transpostos para um futuro hiper-tecnológico indefinido, em que as noções de espaço estão completamente alteradas - adulteradas? - e em que o teletransporte de matéria (humana) já é possível.
Na sua base, está a investigação do assassinato de um daqueles 'cujo nome não pode ser dito' - não consegue ser transcrito/pronunciado.... - e o desaparecimento de uma mulher supostamente grávida dele. As implicações práticas, colaterais e (até) teológicas irão levar o protagonista num périplo com tanto de surreal quanto de perigoso, o que permitirá à arte de David Rubin brilhar a grande altura.
Sei que há quem não aprecie especialmente o traço do desenhador galego, mas a forma quase - ou mesmo? - visceral como ele nos faz visualizar a acção, com uma planificação aparentemente anárquica, embora de esquema clássico, que transmite de forma notável a sensação de movimento, fazem desta obra como de outras - Beowulf é um exemplo perfeito e a única disponível em português - puros delírios visuais, mas sem que a componente gráfica torpedeie ou faça esquecer a história.
Aliás, mesmo visceral e anárquico, o traço de Rubin e a sua composição de páginas, por vezes com diversos níveis de leitura numa mesma vinheta ou numa sucessão delas, revelam uma legibilidade que permite a inclusão de sequências mudas, algumas delas de assinalável dimensão. Isso acaba por conferir a um relato menos tradicional na sua base temática clássica - e, sim, isto soa de alguma forma a paradoxo - acaba por conferir, escrevia eu, uma larga subjectividade ancorada na capacidade de interpretação/leitura do leitor, embora (largamente) balizada por Lemire e Kindt.
Uma interpretação/leitura subjectiva mas guiada pelas respostas apresentadas e pelas decisões que o protagonista toma - assumindo-as no tempo... ou não?
Cosmic
Detective
Jeff
Lemire e Matt Kindt (argumento)
David
Rubín (desenho e cor)
Astiberri
Espanha,
Outubro
de 2022
230
x 310
mm, 192
p., cor, capa dura
28,00€
(imagens disponibilizadas pela Astiberri; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Para além desta obra, originalmente editada por sistema de autofinanciamento (Kickstarter), o autor lançou outra belíssima obra "El Fuego" que merecia edição local. Estranho a Arte de Autor ter iniciado o seu catálogo com o belíssimo "Beowulf" e, após esta, pura e simplesmente ter deixado cair o autor. Critérios...
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