Viver para lá das páginas do livro
Depois de Estes Dias (Polvo, 2022), distinguido como Melhor Álbum de Autor Português, no Amadora BD daquele ano, havia grandes expectativas quanto ao regresso de Bernardo Majer. Espiga (Polvo), concretizou-o e revela um jovem autor que mostra saber o caminho que deseja seguir.
O registo, é similar ao do livro anterior: um olhar intimista, sobre momentos específicos das vidas das suas personagens, que surgem perante o leitor ao abrir o livro, partilham alguns momentos com ele ao correr das páginas e depois partem para prosseguir a sua vida, quando o livro é fechado.
Depois das histórias curtas de Estes dias, Espiga apresenta-se como um relato único ou, melhor, dois relatos que a certo momento se cruzam um pouco mais do que tangencialmente, coloridos com delicados tons de amarelo pálido. Os protagonistas são Abel e Laura, dois jovens escritores que se vão conhecer num festival literário em Bolonha. Jovens, como Majer - e é impossível não adivinhar algo de autobiográfico nestas páginas - passam por momentos complicados nas suas relações mais próximas: a companheira de Abel pede o passo em frente que ele não consegue dar; Laura enfrenta a pressão constante da mãe e vive submissa ao seu namorado.
Entre conferências, encontros e jantares, Abel e Laura vão ter momentos de compreensão e proximidade, quais oásis nas relações conturbadas que estão a viver e para as quais aqueles instantes servem como pequenos interlúdios agradáveis.
E se Espiga tem também uma reflexão sobre o acto criativo e a forma como a vida real o afecta, é da exploração de sonhos, desejos e anseios - e das desilusões que a vida real provoca - que se constrói a maior parte de uma narrativa que se nos apresenta como profundamente credível, quase nos levando a pensar que reconhecemos em Abel e Laura, algum dos nossos conhecimentos.
Terminada a leitura, como é normal neste tipo de registo, fica a sensação que havia mais para contar, que as vidas de ambos vão continuar - e vão continuar a ter interesse. Mas, para não alimentar expectativas de uma sequela, o mais certo é que futuros encontros e desencontros entre Abel e Laura só venham a ter lugar na longe dos olhos do leitor ou na imaginação de cada um...
Nota final
Suponho que ninguém se terá apercebido, mas este texto, encerrou um 'mês' de banda desenhada portuguesa na coluna de Sugestões que aos sábados o Jornal de Notícias dedica à BD e que eu assino.
Por ela passaram, sucessivamente, Sol, A Dama Pé de Cabra, Boarding Pass e este Espiga - e outros haveria... Sem concessões nem proteccionismos, apenas porque as obras em si o justifica(ra)m. É bom ver a qualidade - e a diversidade - que a produção nacional apresenta.
Espiga
Bernardo
Majer
Polvo
173
x 246 mm, 80
p.,
duas cores, capa dura
13,60
€
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Agosto de 2024; imagens disponibilizadas pela Polvo; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Sem comentários:
Enviar um comentário