Por nostalgia, teimosia ou visão, a Casterman decidiu voltar
às revistas, desta vez sob a égide de Pandora, uma das mulheres que Corto mais
amou.
Foram as revistas que estiveram na origem da banda desenhada
tal como a conhecemos, foram elas que publicaram histórias longas em
continuação mas também histórias curtas, completas, que pressupunham uma outra
forma de narrar.
Foram as revistas que fizeram de mim – de tantos que lêem BD
– leitores ávidos.
Foram elas, também, que foram perdendo o seu espaço,
engolidas pela prevalência do álbum e da história longa completa.
Foi nelas, em narrativas de meia dúzia de páginas que tantos
autores se mostraram e, dessa forma, tiveram portas abertas para singrar e
serem hoje nomes incontornáveis no seio desta arte. Como Otomo, Rossi, Blutch,
De Moor, Mattotti, Loustal, Spiegelman… para citar apenas os mais sonantes dos
que estão publicados neste primeiro número de Pandora.
Pandora que,
escreve (o seu chefe de redacção,) Benoït Mouchart, vem suprir a falta de ‘uma
revista de banda desenhada que permita explorar novas formas, não apenas para novos
autores mas também para os artistas confirmados (…) um suporte que permita dar
novo fôlego ao segmento da diversão’.
Hesito em continuar, porque o termo anterior me faz pensar.
Desenganem-se os que pensam descobrir nela o humor ou a aventura que revistas
como a Tintin ou a Spirou definiram durante décadas. A diversão aqui
proposta é diferente, mais elaborada, também mais estimulante.
Bem mais próxima da mítica (À Suivre) – ou das experiências
de L’Association… - em termos estéticos, gráficos e criativos, Pandora revela-se já, antes de mais, um
laboratório aberto a todas as experiências, de todos os quadrantes estéticos,
geográficos...
Proposta arriscada – não poderia ser de outra forma –
sujeita a ser atacada por leitores experimentalistas (que a acusarão de pouco
ambiciosa) ou por leitores tradicionais (assustados pela total liberdade de
algumas propostas) Pandora não
deixará de ser polémica.
Mas, se poucos aplaudirão tudo o que ela oferece, menos não
conseguirão encontrar nas suas páginas motivos de satisfação, reflexão e/ou
descoberta. E, através delas, de descobrir temas, formas, estéticas e
grafismos, que desconheciam mas que seduzem, estimulam, inquietam e deixam
sedentos de mais. No equilíbrio entre uns e outros - e das suas diferentes
propostas – é que Pandora terá de
encontrar os leitores necessários para continuar. Porque, todos sabemos, os
tempos não estão propícios às revistas…
E quando um cocó (literalmente) em viagem é a personagem de
uma BD autobiográfica (!), de Killofer se apresenta como uma das propostas mais
surpreendentes e divertidas destas mais de 250 páginas – das quais não consigo deixar
de referir as contribuições de Tripp, Alfred, Dupré la Tour, Götting e Vivés -
bem está sem dúvida a banda desenhada e justificada esta aposta da Casterman.
Pandora #1
Katsuhiro Otomo, Géraldine Bindi & Christian Rossi, Blutch, Michel
Pirus, Jean-Louis Tripp, Gilles Dal & Johan De Moor, Claudio
Piersanti & Lorenzo Mattotti, Brigitte Fontaine & Olivia
Clavel, Alfred, Anthony Pastor, Florence Dupré La Tour, Jean-Claude
Götting, Aapo Rapi, Valérie Mangin & Ronan Toulhoat & Denis
Bajram, Eleanor Davis, François Ravard, Jean-Luc Coatalem & Jacques de
Loustal, Fabio Viscogliosi, Killofer, Brecht Evens, Matz &
Manuele Fior, Matthias Lehmann, Jean Harambat, Art Spiegelman, Jean-Christophe
Menu, Ville Ranta, Bastien Vivès e David Prudhomme
Casterman, França, Abril de 2016
185 x 260 mm, 264 p., pb e cor, capa mole, semestral, 18,00 €
(Clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
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