Audrey Spiry
Casterman/KSTR (França, Junho de 2012)
190 x 277 mm, 140 p., cor, cartonado
16,00 €
Resumo
Verão, sul de França. Um grupo de amigos – dois casais, um
deles com duas filhas – e um guia vão passar o dia a fazer canyoning (um
desporto que consiste em explorar e descer um rio, a pé ou a nado, transpondo
os diversos obstáculos físicos – rochas, quedas, rápidos – que vão surgindo).
Aquilo que parece vir a ser um dia diferente e bem passado,
servirá a Juliette para repensar a sua vida e a sua relação com Luis, muito
próxima do ponto de ruptura.
Desenvolvimento
O tema não é novo – é cada vez mais recorrente em muitas obras
de BD (dita de autor) recentes – mas vale sobretudo pela abordagem extremamente
original utilizada por Audrey Spiry, que aqui se estreia de forma surpreendente em banda
desenhada (e onde se adivinha a sua origem no mundo da animação, onde
desenvolve a sua actividade profissional).
Antes de desenvolver aquela ideia, quero dizer apenas que
entre Luis e Juliette, mais do que qualquer outra coisa, foi a vida que se
interpôs entre eles. A diferença de idades e a vida profissional – ela é
recém-formada, em busca de emprego; ele trabalha há alguns anos no cinema e
cada novo projecto ocupa-o de forma total durante meses – as ambições e os
desejos – a ternura, os filhos, o conceito de família…
Isto é o que vamos apreendendo ao longo do relato – longo e
bem mais denso do que a significativa ausência de texto deixa prever e que reforça o silêncio (o isolamento, a solidão) que Juliette experimenta – durante o
qual vai havendo um contraponto entre o relacionamento dos dois casais e nos vamos
embrenhando nos pensamentos de Juliette, da mesma forma que ela se embrenha nos
labirintos do rio.
Porque, toda a narrativa é uma imensa metáfora da vida, com
os seus momentos calmos e os de maior pressão e ansiedade, os diferentes
caminhos que podemos escolher – ou que nos escolhem – os obstáculos e desafios
que surgem, os êxitos (sempre passageiros?), as quedas (bruscas) que damos, os buracos
sem fundo, o solo instável no qual nos sentimos a afundar, tudo o que nos puxa
para baixo, nos oprime e nos parece tirar o ar.
Uma metáfora acentuada – assente mesmo - no desenho fluído e
dinâmico da autora (feito em cor directa), que parece ter vida própria e (se) molda
às situações e aos momentos, mas também às emoções e aos sentimentos, ultrapassando
os limites físicos do espaço e das personagens, que distorce, molda e dilui, tornando-as
esguias ou pequenas, omnipresentes ou poderosas, um ponto no espaço ou uma
mancha que tudo cobre, consoante o que pensam, sentem, recordam, experimentam
no rio (a vida) em que estão à superfície ou submersas.
A reter
- Confesso já ter lido muitos romances desenhados – muitos deles
notáveis e marcantes - mas poucas vezes o termo “romance gráfico” fez tanto
sentido para mim como no caso deste “en Silence”, no qual o grafismo tem um
papel narrativo fundamental e transcendente.
- Pois, neste álbum, cada imagem ou sequência tem pelo menos
duas leituras: a imediata, relacionada com a descida física do rio, e uma outra,
mais profunda, que nos mostra retratados de forma visível conceitos abstractos
como impressões, sensações, emoções, momentos, amor, solidão, ternura, medo,
desejo, ansiedade...
- A cor (que é ao mesmo tempo traço) de Spiry, feita de tons
fortes e aguados, com uma imensa paleta de tons e matizes, que dilata o autêntico
convite aos sentidos que cada prancha já é.