30/06/2016

Presas Fáceis








Um dos factores comuns a (praticamente) todas* as obras de Prado, é a crítica social. Mas, possivelmente, ela nunca foi tão dura e violenta como em Presas Fáceis.

Isso deve-se, creio eu, a diversos aspectos. O mais importante, a ausência de humor neste livro. Enquanto na maioria da sua obra, predominava um olhar satírico e mordaz, saliente no absurdo das situações apresentadas, no humor – quantas vezes negro – dos diálogos e no traço utilizado, em Presas Fáceis nada disso está presente.
Depois, há a considerar também a proximidade da situação mostrada – que se tem multiplicado um pouco por toda a parte, geograficamente falando, como um dos malefícios da globalização – apresentada de forma crua e despida de adereços gráficos ou narrativos atenuantes, o que torna mais pungente a denúncia e o eco dos seus efeitos.
Há ainda o preto e branco, melhor, os (magníficos) cinzentos que dão corpo à obra, que surge assim aos olhos do leitor despojada da cor, à imagem das situações que evoca.
Segundo policial da carreira de Prado – se classificarmos desse modo o poético Manuel MontanoPresas Fáceis é um policial bem construído, uma história de (triste e inconsequente…) vingança, que parte do aparecimento de sucessivas vítimas profissionalmente ligadas à banca para uma denúncia premente de um mal social actual e incontornável, a que as sucessivas crises financeiras e bancárias e a procura do lucro a qualquer custo pelas instituições a elas ligadas dão corpo.
À parte este ‘acrescento’ de realismo, Pado continua a ser o autor soberbo que já conhecemos, magnífico no traço personalizado e expressivo, com uma planificação sóbria mas diversificada e extremamente funcional e, acima de tudo, mestre na gestão dos diálogos, que combinam os elementos necessários para o relato avançar com conversas quotidianas, banais e acessórias que introduzem um elemento extra de credibilidade. Essa credibilidade é reforçada com outros pormenores ‘quotidianos, banais e acessórios’, sejam eles a localização em locais reais, apontamentos gráficos espalhados pelas páginas, ou a verosimilhança dos avanços e recuos da investigação policial.
O leitor não sabe à partida – não deve saber para melhor usufruir da leitura – mas essa denúncia – violenta, sim, mas também assertiva, actual e bem direccionada – começa logo no título e na (enigmática) capa, e por isso aconselho a que, uma vez terminado o livro, voltem ao início e entendam – então – todo o significado e alcance de ambos.

Nota 1
Há algumas excepções ao que escrevi no início: Manuel Montano, Traço de Giz, De profundis, Ardálen… Curiosamente – ou talvez não – as obras mais pessoais e poéticas do autor galego…

Nota 2
Antecipo já as críticas por o livro ‘só’ ter 96 páginas. As grandes obras não se medem ao metro e poder ler Presas Fáceis em português, menos de dois meses após a edição original, é também um aspecto a ter em conta. Até porque, se não tivesse sido incluído nesta colecção, se porventura viesse a ser editado entre nós, duplicaria certamente de preço.

Presas Fáceis
Miguelanxo Prado
Introdução de Rui Tavares
Levoir/Público
30 de Junho de 2016
96 p., cinzentos, capa dura
9,90 €

(imagens disponibilizados pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Este comprei logo no dia que saiu, e para compensar não ter comprado nenhum dos anteriores comprei logo dois exemplares um para mim e outro para oferecer a um amigo que não lê BD. Tanto eu como o presenteado já lemos o livro e a gostámos bastante.
    Este livro era à partida a estrela da coleção, e não desiludiu. Não quer dizer que não possa haver outros melhores na coleção, a ver vamos.
    O livro pode dividir-se em duas componentes, o conteúdo central focado nos dramas e moralidades dos famosos processos de lesados bancários, e o suporte usado para a história, que me fez lembrar muito a série televisiva Castle, de que eu era fã e que acabou recentemente. O livro pode por isso agradar por qualquer uma das duas compoennte, ou por ambas.
    O único defeito que encontrei foi uma grande gafe na contra-capa: "Prado é um dos maiores autores de banda desenahda espanhola." Correção: Prado é o maior autor de banda desenhada espanhola de sempre, e um dos 10 maiores autores mundiais de smepre, não ficando na parte inferior da lista de 10.

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    1. Prado é um grande autor, independentemente das sempre subjectivas listas, Anti-Herói, e este livro magnífico prova-o mais uma vez.
      Boas leituras!

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  2. Embora concorde com a observação, há afirmações subjectivas e "excessivamente" peremptórias para se usarem num texto de contracapa que é sempre um texto institucional (ao contrário do que poderia ser um prefácio ou uma crítica), e numa colecção constituída por MUITOS "maiores autores de banda desenhada..." é mais diplomático nunca afirmar que é O maior (até porque temos outro GRANDE autor na colecção, o Paco Roca). Não melindremos os autores desnecessariamente!

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  3. Pedro Rita18/7/16 08:39

    Ninguém vai sair defraudado depois de ler este agradável álbum de banda desenhada. As expetativas estavam todas a top…………………e é natural pois trata-se de um dos melhores autores da 9ª arte da actualidade………………..Prado consegue continuar a contar-nos histórias com o seu magnifico “traço”.

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  4. É uma excelente obra, sem dúvida, Pedro Rita, e um dos grandes títulos desta segunda colecção Novela Gráfica.
    Boas leituras!

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