Entre
o relato cru de crítica social e a fantasia pura, O
outro lado de Z
é mais uma boa surpresa em português, num ano prometedor que ainda
só conta quatro meses.
As
primeiras páginas deste livro que marca o regresso à escrita - ou
pelo menos à publicação… - de Nuno Duarte - A
fórmula da felicidade,
O
Baile…
- parecem indiciar uma narrativa de forte cariz social, ancorada na
realidade recente. Os protagonistas, Teo e Nina, trabalham num call
center.
Esta última é vítima de violência doméstica (mal-disfarçada).
Vivem sob o peso da incompreensão que os rodeia, por parte de
vizinhos, chefias,
mesmo amigos…
Sentem-se perdidos no mundo que é deles mas onde sentem não
pertencer.
A
chegada de Z ao call
center
vai abalar
o eu pequeno mundo e alterar
o rumo dos acontecimentos - mais do que pensavam ser possível, muito
mais do que as primeiras páginas pareciam prometer aos leitores.
Rebelde, indisposta consigo
e com
o mundo, incapaz de calar o descontentamento, aos poucos Z vai
surgir-lhes quase como o ideal de vida a que aspiram
mas a que nunca
se atreverão.
Mas
o contrário, também vai ter lugar. Teo e Nina vão influenciar a
nova amiga e mostrar-lhe que a vida pode ser mais do que revolta,
permanente mau-humor e desilusão.
Até
ao momento em que…
em
que
o tom hiper-realista dá lugar à entrada em força do fantástico -
e terão que ler o livro para saber pormenores, porque não vou
revelar mais - numa mudança de registo que pode ser interpretada
como a afirmação de que só o refúgio em sonhos e fantasia pode
libertar os jovens - todos nós,
na verdade - dos jugos do quotidiano.
Pela
extensão do relato e pelo tempo que terá levado a executar, o traço
de Mosi, assumidamente de contornos não completamente definidos e a
meio caminho entre os dois ‘universos’ representados, apresenta
alguns desequilíbrios, com
uma ou outra vinheta em que falham expressões ou poses em contraste
com pranchas
e vinhetas muito bem conseguidas.
Em
termos cromáticos, se as
tonalidades
suaves
e algo fria das cenas realistas surge perfeitamente adequada e
funciona muito bem,
não apreciei muito as cores utilizadas nas cenas fantásticas, que
compreendo no contexto e no desejo de contraste com o restante do
álbum, mas que
me parece que ganhariam
se fossem mais quentes e fortes.
No
seu conjunto, O
outro lado de Z,
é uma narrativa que se lê com interesse crescente, que surpreende o
leitor mais do que uma vez, numa alegoria (quase sempre) equilibrada
entre as suas dimensões realista e fantástica e que deixa uma
grande latitude à capacidade de interpretação de cada um e poderá
mesmo
obrigar
leituras
repetidas
para completa apreensão do que (nos) é proposto.
Nota
Já
o escrevi,
mas acho importante repetir: ‘O
Outro lado do Z,
é uma edição tripartida entre a Comic Heart, a G. Floy e a Kingpin
Books. Uma forma saudável de dividir custos e questões logísticas
na sempre complicada aposta em autores portugueses.” E acrescento:
e de potenciar e aproveitar o que de bom eles podem trazer.
O
outro lado de Z
Nuno
Duarte (argumento)
Mosi
(desenho)
Kingpin
Books, Comic Heart e G. Floy
Portugal,
Março de 2019
202 x 276 mm, 80 p., cor, capa dura
13,99 €
E o final? Aquilo existiu? Afinal nao? Tenho que ler outra vez mas queria um spoiler jeitoso...
ResponderEliminarComo escrito acima, o Nundo Duarte deixou uma grande margem à interpretação dos leitores... A resposta à pergunta será dada pela interpretação de cada um...
Eliminar...e, sim, também tive de ler e reler o álbum antes de me abalançar a escrever este texto...
Boas leituras