Felizes
Reitero uma ideia que já expressei por aqui – por outras palavras
– (mais do que) uma vez: somos, possivelmente a geração mais
feliz de leitores de banda desenhada. Porque temos uma inigualável
oferta contemporânea e porque temos acesso ao que de melhor foi
feito aos quadradinhos desde que esta arte existe, em suportes e
condições com uma qualidade que os criadores de então nem sequer
imaginariam possível.
El Assombroso Spiderman: Las tiras de prensa 1977-1979,
recém-editado pela Panini espanhola, é mais um (de muitos)
exemplos.
Contexto
Spiderman estreou-se em 1962 na moribunda Amazing Fantasy,
no n.º 15 (e último), e foi o êxito imediato que a História
narra, regressando meses depois já em revista própria, mas o seu
criador, Stan Lee, ambicionava um suporte mais nobre – as tiras
diárias de imprensa – e para isso uniu-se a um outro grande nome
dos super-heróis, John Romita – o pai – então director
artístico da Marvel, para desenvolverem uma proposta neste sentido.
Isto aconteceu no início da década de 1970. Por razões contadas no
texto que encerra este volume que hoje destaco, a sugestão da dupla
ficou esquecida - literalmente - durante anos, até ser ressuscitada
– e aceite! - em 1976 para, finalmente, se estrear a 3 de Janeiro
de 1977, logo no duplo formato tira diário (a preto e
branco)/prancha dominical (colorida).
Edição
É desta forma que a actual edição da Panini – que segue a
original norte-americana da IDW Publishing, de 2015 – publica a
obra, alternando cada seis tiras diárias a preto e branco (uma
semana, portanto), com uma prancha dominical colorida.
Para além da robusta capa dura, com sobrecapa, que me parece
especialmente bem concebida e apelativa, temos um papel de boa
gramagem, uma introdução sólida e pormenorizada, sem ser
exaustiva, por Bruce Caldwell, editor da obra, uma biografia dos
autores e o tal posfácio já referido, de Julián M. Clemente, um
dos espanhóis que mais sabe sobre a Marvel e a sua História.
Com duas ou três excepções pontuais, as tiras e pranchas estão
muito bem reproduzidas, numa dimensão generosa, sendo de sublinhar a
indicação da data original de publicação em cada página.
Estrutura
Em termos de publicação de imprensa, quando a
obra se desdobrava em tiras diárias e pranchas dominicais – o que
nem sempre acontecia, havendo exemplos isolados de um e outro tipo –
havia duas opções: continuidade entre umas e outras ou
co-existência independente.
No caso de Spiderman,
o modelo seguido é o primeiro, com o relato a ter continuidade entre
as tiras diárias – publicadas de segunda a sábado – e as
pranchas dominicais – de domingo, obviamente. Sabendo que alguns
leitores liam tudo, outros só as tiras e alguns só as pranchas,
isso obrigava a alguma ginástica do argumentista, para que todos
pudessem ‘receber’ as histórias integralmente. Se isto origina
dois problemas – por um lado surgem inevitáveis repetições, por
outro há casos em que os leitores das pranchas ficaram sem perceber
muito bem o que tinha acontecido entre dois domingos – de uma forma
geral a leitura que esta edição integral proporciona faz-se muito
bem.
Conteúdo
Para o bem – mais – e para o mal –
acharão uns poucos… - Lee e Romita optaram por isolar este
Spiderman
da imprensa da sua cronologia oficial – então já com 15 anos –
apresentando – aos leitores de jornais – um Peter Parker mais
próximo do original: estudante, génio científico, não muito
à-vontade com as mulheres – mas também longe do completo
fracassado que chegou a ser – ‘assediado’ por Mary Jane e
próximo de Harry Osborn e Flash Thompson. No elenco regular, surgem
ainda uma débil Tia May, o colérico J. J. Jameson e o ponderado Joe
Robertson.
Como vilões de serviço, vão desfilando o Dr.
Doom, Octopus, Kraven ou Kingpin, que alternam com bandidos anónimos
de menor dimensão, em histórias mais ‘humanas’ e, certamente,
mais próximas da realidade dos leitores.
Esta proximidade, aliás, é um dos elementos
mais fortes nos primeiros meses da tira, conferindo-lhe um invulgar
toque de realismo, quer quando o terrorismo surge, mais do que uma
vez, como ameaça palpável na ordem do dia, quer quando nas
histórias são citados - ou participam mesmo - personalidades reais
como Ed Koch, mayor
de Nova Iorque, os actores Robert Redford ou Farrah Fawcett (de
Charlie’s Angels),
Woody Allen, Anwar Sadat, Yasser Arafat, Indira Gandhi ou Henry
Kissinger.
O tom geral surge agora, passados quase 35 anos
sob uma aura de ingenuidade nostálgica o que – para um
não-fã-Marvel, como eu – é uma boa notícia, que melhora por me
recordar momentos da leitura que fiz d(est)as tiras diárias nas
páginas do Jornal de Notícias,
na adolescência.
El Assombroso Spiderman: Las tiras de prensa 1977-1979
Volumen 1
Stan Lee (argumento)
John Romita (desenho)
Panini
Espanha, 18 de Junho de 2020
216 x 280 mm, 336 p., pb/cor, capa dura
com sobrecapa
39,95 €
(capa disponibilizada pela Panini Comics;
clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
Já nem me recordava que o JN teve tiras de Comics...
ResponderEliminarAssim ao repente lembro-me que tinha quatro tiras de herois diferentes. Lembro-me bem do Mandrake também. Também me lembro que me irritava de maneira ler uma tira por dia e que ficava sempre pendurado e quando podia lia 5 jornais de uma vez. Mas talvez por esse facto nunca fiquei fã. Mas já o Calvin e Hobbes no Público até as recortava e coleccionava. :)
Eu cheguei a coleccionar as do JN: o Mandrake, sim, e também X9, Dr. Kildare, Dick, o goleador...
EliminarBoas leituras!
ah que maravilha, ainda me recordo bem das tiras no Diário Popular que o meu Pai comprava e daquela imagem do Homem-Aranha a levantar o autocarro, senão me engano ao fim de semana eram a cores. Que nostalgia das minhas férias de verão :) Já vi isto à venda ma BDMania em PT-BR.
ResponderEliminarNo Jornal de Notícias eram só as tiras diárias e sempre a preto e branco.
EliminarCheguei a ter essa edição brasileira da Panini: é mais antiga, toda a preto e branco e sensivelmente metade do tamanho desta mais actual...
Boas leituras!